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Desfavor da semana: Falta juízo.

| Desfavor | | 101 comentários em Desfavor da semana: Falta juízo.

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“Um caso inusitado acabou sendo julgado, nesta terça-feira (23), pelo ministro Ricardo Lewandowski, do Supremo Tribunal Federal (STF), que negou o recurso de um juiz carioca que queria obrigar funcionários de um condomínio a chamá-lo de ‘doutor’.” FONTE

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“O juiz Luiz Augusto Guimarães de Souza, da comarca de Porto Alegre, sugeriu a uma consumidora do Rio Grande do Sul que se mudasse “para a floresta, deserto, meio do oceano ou para outro planeta”, ao negar-se a analisar seu pedido para proibir uma empresa de comercializar seus dados pessoais para fazer publicidade de produtos e serviços.” FONTE

Juízes brasileiros médios. Desfavor da semana.

SALLY

Você costuma ler todas as notícias que postamos na coluna “A Semana Desfavor”? Ela vai ao ar todo sábado, na parte da tarde. É uma compilação de notícias que mostram os maiores desfavores que aconteceram no Brasil e no mundo naquela semana. Não te culpo se não ler, porque é muita coisa, geralmente mais de cem notícias por semana, uma pior do que a outra. Pois bem, se você é um dos poucos heróis que as lê, deve ter observado uma tendência de notícias bizarras envolvendo juízes de direito: juiz tirando preso da cadeia escondido para ir trabalhar de graça na sua casa, juiz postando foto na praia e rindo publicamente do seu afastamento remunerado, em resumo, juízes se portando não apenas de forma inadequada como também inaceitável.

Essa semana tivemos mais dois exemplos: um juiz carioca que queria obrigar os funcionários do condomínio onde morava a chama-lo de “doutor” e um juiz que se recusou a defender a privacidade de uma consumidora sugerindo que se ela queria privacidade “se mude para uma floresta”. Acreditem em mim, eu já estive lá, eu vi como estão as coisas, esses exemplos refletem uma maioria e não uma minoria. Há seis anos a gente avisou que ia acontecer: os idiotas iam começar a passar nesses concursos cagados que de forma alguma medem inteligência e chegariam ao poder.

O Exmo. Sr. Dr. Majestade Salve Salve Antonio Marreiros da Silva Melo Neto, juiz titular da 6ª Vara Cível de São Gonçalo, Rio de Janeiro, não admitia ser chamado de “você” pelos funcionários do condomínio onde mora. Achava desrespeito. Sabe o que o Excelentíssimo fez? Decidiu mobilizar o Judiciário, alegando que ocorreu uma violação à dignidade da pessoa humana. Isso mesmo, um PROCESSO JUDICIAL por causa disso. E recorreu com esta merda até chegar ao STF. Siiiiiim, a corte máxima brasileira, que deveria ser guardiã da Constituição e de questões importantes, teve que julgar se os funcionários do condomínio Tralalá deveriam ou não chamar o Exmo. Juiz de “doutor” ou poderiam chamar de “você”. Pasmem.

Quando eu marreto sem parar que estão abarrotando o Judiciário de ações inúteis, não é porque eu sou exagerada, é porque está acontecendo. E a culpa não é dos idiotas que entram com estas ações e sim dos idiotas que as julgam, recompensando esse tipo de histeria. A culpa é dos juízes brasileiros, que deixaram a coisa chegar a esse ponto, tomados por uma histeria politicamente correta, por um suposto bom-mocismo hipócrita e por uma incompetência cavalar. Senhoras e senhores, estamos todos batendo palmas para maluco dançar! Esse juiz que entrou com a ação é culpado, porque ele deveria saber que não se mobiliza o Judiciário para isso. Mas o resto do povo é apenas idiota. A culpa maior está nos juízes que recompensam imbecilidade.

Já o Exmo. Sr. Dr. Dono da Razão Luiz Augusto Guimarães de Souza, da comarca de Porto Alegre estava julgando uma causa onde uma consumidora reclamava que uma empresa que ela contratou vendeu seus dados pessoais, incluindo endereço e telefone, para empresas de telemarketing que a estavam importunando. O que o Juizão decidiu? Sugeriu que ela se mude “para a floresta, deserto, meio do oceano ou para outro planeta”, ou seja, a institucionalização que seus dados privados podem ser livremente repassados por qualquer prestadora de serviço que você contrate. Acabou a privacidade e o Juiz ainda debocha de você em uma sentença paga com o seus impostos. Mas chamar de “você” não pode, chamar de “você” vai parar no STF! Coerência sensacional do Judiciário!

É óbvio que isso não aconteceu de uma hora para a outra. A falência do direito é um processo de dez anos para cá. Primeiro se fez sentir nos advogados: a queda de nível, acompanhada da queda de salário, acompanhada da queda na produtividade (spoiler: salvo honrosas exceções, escritório hoje nem DEIXA que advogado escreva, é corta-cola do que eles tem pronto, foda-se se o advogado concorda ou poderia fazer melhor). Mais cedo ou mais tarde isso chegaria ao Judiciário. Eu avisei, eu avisei muitas vezes ao longo do caminho e de fato aconteceu. Temos aí uma geração de juízes Brasileiros Médios que estão, em um misto de incompetência e arrogância, afundando a Justiça.

Não se enganem: não são me refiro apenas a juízes recém formados. Tem gente ali que sempre foi BM, mas andava na linha se não tomava um processo disciplinar ou era hostilizado pelos próprios colegas. Agora que a coisa desandou, agora que se pode ser BM sem medo de ser feliz, estão botando as garrinhas de fora. Infelizmente educação recebida em casa não é quem traça a linha do que o Brasileiro Médio faz ou deixa de fazer na rua e sim o grau de reprovação social que isso terá. No dia em que não for recriminado defecar no meio da rua, vão passar a fazê-lo. Sua ética, sua moral, se pautam no olhar de terceiros e no julgamento de terceiros, eles não tem internalizado um juízo de valor próprio.

Por isso, quando o meio desanda, quem está no entorno desanda junto. Se não há uma repressão social para coibir, cagam no meio da rua. Demorou muito tempo para que eu entenda isso e perceba como funciona. Enquanto não entendia, batia cabeça e achava que seu poderia mudar o quadro, ou ao menos, fazendo a minha parte bem feita, poderia ser uma exceção nesse meio. Não. Não dá. Porque quem segura o martelo desandou junto e por mais que uma pessoa “não desandada” se esforce, dificilmente vai ser recompensada, aliás, muito pelo contrário, vai ser punida por não entrar no esquema. Não estou exagerando: o Judiciário brasileiro está falindo. Por conta da burrice, da corrupção e principalmente da incompetência ele vai parar, atolado em suas próprias decisões.

O Legislativo não ajuda. Todas as leis que vem sendo feitas para tentar agilizar o Judiciário são um belíssimo tiro que saiu pela culatra, conseguem atrapalhar ainda mais. Estou cada vez mais convicta que corrupção é sintoma e não a doença. A doença que assola o país é a incompetência. A coisa caminha para a total falência do Judiciário e ninguém parece estar percebendo ou se importando. Os advogados, tal qual sapo em panela de água quente, vão se adaptando, se adaptando, transigindo com o intransigível até morrerem queimados sem perceber. Todo mundo muito focado no EU, no MEU carro, no MEU status, no MEU nome. EU, EU, EU. Todo mundo muito ocupado para se indignar e se enojar. Ninguém vê a Big Picture, só o pedacinho no qual transita.

Lamento informar mas na minha opinião (que atualmente não vale absolutamente nada) chegamos a um ponto sem retorno. Não, não estou sendo pessimista, estou sendo realista. Eu não abandonaria 15 anos de investimento intelectual se não tivesse absoluta convicção de que o navio está de fato afundando. Por conta da incompetência é questão de tempo para que o Judiciário, por si mesmo, se torne inviável. O que vai acontecer quando o caldo entornar? Não sei, não gosto nem de pensar no assunto. Ainda estou de luto por todo o tempo que perdi investindo em uma carreira que foi estragada pelo Brasileiro Médio e ainda estou pensando em como viver em uma sociedade onde não se pode contar com a prestação jurisdicional.

Para pedir que casos bizarros do Judiciário virem uma coluna fixa, para perguntar quem mandou eu não trabalhar no jurídico de uma grande empresa e passar longe do Judiciário ou ainda para sugerir que eu faça publicidade e vá trabalhar com o Somir: sally@desfavor.com

SOMIR

Em teoria, juízes deveriam ser expoentes de sabedoria e bom senso em nossa sociedade. Afinal, cabe ao juiz decidir sobre questões extremamente importantes sobre a vida das pessoas. Na prática, os juízes tupiniquins parecem estar num concurso de quem escreve a sentença mais engraçada e as questões que chegam até eles são cada vez mais fúteis.

O talento inconfundível do brasileiro de esculhambar instaurou-se no Sistema Judiciário. Culpe-se também a maior exposição em tempos de internet, mas colhendo opiniões de quem lida com os meritíssimos há vários anos, parece clara uma prevalência cada vez maior de completas asneiras e desmandos no setor da nossa sociedade que deveria… botar ordem nas coisas!

Os dois exemplos da coluna de hoje são excelentes por demonstrarem as duas formas com as quais os absurdos se apresentam na área: entra merda e sai merda. Ações estúpidas, fúteis e egoístas de gente que acha que o governo é o papai e tem que “olhar ele!”, e de outro lado disparates em forma de sentença. Não duvido que exista uma relação entre as duas coisas… Juízes cansados de tanta bobagem entre seus milhares de processos para julgar devem perder o fio da meada com o passar do tempo.

As bobagens escritas pelos excelentíssimos comediantes de toga, por sua vez, reforçam a sensação de bandalheira e injustiça no país, incentivando as pessoas a terceirizar o que ainda sobre de seus bons sensos para o Judiciário, até mesmo para evitar sentirem-se otários. Não confiam no que a Justiça diz, mas pedem a opinião mil vezes antes de tentarem resolver seus problemas por conta própria (não estou falando de fazer justiça com as próprias mãos no sentido violento, mas o de tentar dirimir desavenças com a boa e velha conversa…).

Acabamos aí com um sistema maluco: as pessoas acham que não presta, mas atolam da mesmíssima forma. Um alimenta a neurose do outro… receita de sucesso em qualquer relacionamento! Mas não aceitemos apenas isso como explicação, há algo que cheira ainda pior nessa história: a incompetência galopante da sociedade brasileira incentivada por um processo seletivo que é tudo menos justo.

Juiz é um cargo dos bons! Salário bacana, estabilidade, benefícios e influência vem no pacote. Não à toa, muita gente disputa a tapa cada uma das vagas que se abrem no país. Na verdade, a concorrência é tão violenta que no final das contas começa a se desconfiar se foi mesmo um ser humano estável e confiável que conseguiu o emprego.

Falo isso faz tempo: concursos tão concorridos privilegiam pessoas com boa memória e/ou com muito tempo disponível para se preparar, e não os melhores candidatos para a vaga. Acho ótimo que o juiz seja capaz de citar cada uma das leis que pretende defender, mas acima de tudo eu gostaria de ser julgado por alguém inteligente e vivido. Alguém com experiência de vida e a empatia necessária para compreender a situação sobre a qual vai fazer seu juízo de valor.

Concurso não define isso. Podem passar mentes brilhantes e bem ajustadas por esse processo, mas o jogo está viciado para o time dos que já nasceram com condições de disputá-lo. E quanto mais se refina o processo de escolha na forma de um vestibular, mais e mais juízes com severas dificuldades de compreender o mundo ao seu redor veremos. Pudera: precisa abandonar a vida real para ganhar a vaga.

E com um Judiciário abarrotado de processos, muitos deles desnecessários, a necessidade de mão-de-obra nunca arrefece. Cada vez mais juízes, cada vez mais novos, cada vez mais alienados da vida que se vive fora dos tribunais. Como o processo de seleção permite que incompetentes de boa memória ou com muito tempo livre tomem vagas de pessoas capazes, a quantidade de descalabros aumenta a olhos vistos.

E aí acabamos com o absurdo da lei escrita ser a única coisa entre o cidadão e qualquer senso de justiça. Analisada de forma robótica ou soterrada em gracejos desnecessários de juízes sem um mínimo de senso do ridículo. Quem deveria interpretar a palavra fria parece mais interessado em se livrar dos processos na mesma escala industrial com a qual os recebem. Justiça (mesmo que injusta – refiro-me ao cuidado de entender o caso e interessar-se pelo resultado) mesmo só para quem pode oferecer algo em troca para o juiz, mesmo que seja reconhecimento.

O sistema brasileiro é todo cagado por corrupção, mas incompetência é o que realmente ancora a esculhambação nossa de cada dia.

Para dizer que nem leu, para dizer que passou em concurso público e não é autista, ou mesmo para dizer que eu só tenho ENVEJA de quem decide as coisas de verdade: somir@desfavor.com


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