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Desfavor Explica: Aborto.

| Sally | | 98 comentários em Desfavor Explica: Aborto.

Abortos combinam com bacon...

Nada melhor para comemorar o dia das crianças do que um Desfavor Explica sobre… ABORTO!

Lendo alguns comentários escritos na semana passada me ocorreu que talvez algumas pessoas defendam certas opiniões insustentáveis e incompatíveis com a realidade socioeconômica brasileira por falta de informação. Somir acha que não, que essas pessoas tem o cérebro do tamanho de um caroço de uva mesmo, mas eu vou fazer a minha parte e falar de forma técnica sobre o tema. Se uma única cabeciha ao menos repensar as merdas que disse, já terá valido a pena.

Atentem para o fato de que não pretendo mudar a opinião PESSOAL de ninguém, apenas abordar a conveniência da legalização do aborto no Brasil. O fato de ser legal não quer dizer que todo mundo tem que fazer e sim que quem quiser PODE fazer.

Mas antes de falar sobre o aborto em si, quero salpicar algumas notícias colhidas de fontes confiáveis ao longo da semana, para contextualizar a realidade fática onde isto será aplicado. Porque discurso “em tese” é fácil, eu quero ver como se contextualiza o discurso “pró-vida a qualquer preço” na realidade social do Brasil.

Notícias recentes sobre aborto, de fontes renomadas:

“Aborto supera câncer de mama nas internações do SUS”

“Aborto no Brasil é responsável por 12 internações por hora no SUS no ano de 2010”

“Só nos seis primeiros meses de 2010 foram gastos 12,9 milhões de reais para tratar mulheres com hemorragia decorrente de aborto provocado”

“Estudo do INCOR comprova que a curetagem é o procedimento médico mais realizado por ano no Brasil, em média, 250 mil por ano”

“Segundo o Ministério da Justiça e a ANVISA, 42% dos estabelecimentos fiscalizados este ano (drogarias, farmácias, laboratórios etc) vendiam medicamentos falsos, contrabandeados ou sem procedência duvidosa. No total, foram apreendidas 60 toneladas de cápsulas. Apesar de não existir um ranking da classe destas drogas clandestinas, é sabido pelos técnicos que participam das fiscalizações que os abortivos são os mais falsificados e os mais vendidos ilegalmente.”

“Em pesquisa realizada, foram entrevistadas mulheres de 18 a 39 anos e das entrevistadas, 15% declaram já ter feito um aborto alguma vez na vida. “Projetado sobre a população feminina do País nessa faixa etária, que é de 35,6 milhões, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), esse número representaria 5,3 milhões de mulheres”, diz a publicação. Segundo o texto, o perfil é “de casadas, com filhos e religião”.

Essa é velha e foi até tema do Desfavor da Semana, mas vale a pena ver mais uma vez: No ano passado, em Recife, uma menina de 9 anos, grávida de gêmeos após abusos do padrasto realizou o aborto legal. Na época, o arcebispo de Olinda e Recife, Dom José Cardoso Sobrinho, anunciou a excomunhão da garota, da mãe e dos médicos que atenderam a menina. O estuprador não foi excomungado.

Agora que vocês já tem uma perspectiva real, espero que tenha caído a ficha que existem duas opções para abordar a questão hoje, no Brasil: Aborto legalizado e praticado com condições mínimas de assepsia e segurança, ou aborto na clandestinidade. Não praticar aborto não é uma opção, inclusive não é uma opção para o Governo, que consente a prática de abortos clandestinos em vez de coibi-la. Qual vai ser? Assumir que todo mundo faz mesmo e deixar que quem quer fazer o faça em segurança ou negar uma realidade e defender hipocritamente que é crime? Quando o direito ignora a realidade, a realidade se vinga, ignorando o direito.

Ver o nosso Estado proibindo o aborto é tão desmoralizante como ver o Vaticano proibindo sexo antes do casamento. HELLO-OU! Quem quiser vai fazer, e não tem como impedir.

Algumas linhas de juridiquês: o entendimento do direito moderno é ver o direito penal como ultima ratio, ou seja, último recurso. Só deve ser considerado CRIME uma coisa muito grave que repercuta na sociedade toda e que não possa ser coibido de outra forma. Vocês acham que criminalizar e prender uma pessoa que opta por um aborto é realmente útil ou necessário? Até pouco tempo adultério era crime também, mas daí se mancaram que 1) todo mundo fazia mesmo assim 2) não existiriam prisões suficientes e 3) não trazia nada de bom para a sociedade julgar e prender estas pessoas porque seu ato não repercute tanto na vida alheia. Direito penal é para prender bandido, e mal dá conta do recado hoje em dia, abarrotado de ações. Imagina se começarmos de fato a processar e prender pessoas que fazem aborto. Pense nisso. Por mais que você ache que deva ser crime, pense se é VIÁVEL que seja. Babaquice abarrotar o Judiciário com isso.

Vamos falar do aborto em si, porque o próprio conceito pode gerar alguma confusão: Aborto é a expulsão ou remoção prematura de um embrião ou feto do útero sem que este seja viável, ou seja, esteja apto para sobreviver. Após mais ou menos os seis meses de gestação, já se considera parto a retirada do feto do útero da mãe, pois ele já estaria apto a sobreviver fora dele.

E para aqueles juristas leigos de plantão que insistem em chamar aborto de assassinato, bem, aos olhos do direito brasileiro só se pode matar quem está vivo e para que se considere como “vivo” é preciso que o bebê tenha nascido e respirado, daí sim, depois de nascer e respirar, é assassinato se você matar (pena base de seis a vinte anos). Antes disso, se não nascer e não respirar, não é “assassinato” e sim crime de aborto, com pena muito menor (entre um e quatro anos). Com uma pena dessas, entre um e quatro anos, pode ser até que a pessoa não chegue a ser presa, então, não fiquem enchendo a boca para falar que aborto é CRIIIIME, é a mesma pena que o crime de divulgação de segredo (art. 153, parágrafo primeiro), de furto simples (art. 155), da apropriação indébita (art. 168) ou de receptação (art.180). O legislador NÃO ENCAROU ABORTO COMO ASSASSINATO, pois vemos o quanto um crime é grave pela pena imposta. Encarou aborto como um similar de pegar umas balinhas das Lojas Americanas sem pagar (furto simples). A única pena alta em caso de aborto é quando se provoca o aborto SEM O CONSENTIMENTO da gestante. Então, aceitem uma verdade: quem pratica aborto não terá uma pena alta e dificilmente será preso.

Ultrapassada a questão jurídica, vamos para a área médica, na qual contei com a consultoria de um ginecologista e um geneticista (chique né?). Muito se questiona do sofrimento do feto quando da realização do aborto. As próprias opiniões médicas são controversas. Argumentos são manipulados para despertar uma falsa compaixão. Li em diversas fontes diferentes que o feto começa a desenvolver receptores que permitem sentir dor em sua pele na sétima semana de gestação. Em um primeiro momento, levei um susto e comecei a achar uma mosntruosidade um aborto após a sétima semana de gestação, foi quando um dos médicos me chamou a atenção para um detalhe que nós, leigos, jamais poderíamos saber, o pulo do gato que ninguém conta: sim, os receptores de dor podem até estar lá na sétima semana de gestação, contudo, o feto não pode sentir nada porque as ligações entre o tálamo e o córtex cerebral formam-se por volta da 23ª semana e são elas que permitem essa sensação de dor. Perceberam a sacanagem? É como se alguém afirmasse que um carro sem motor pode te atropelar, mesmo sabendo que ali só tem a lataria. Aliás, boa parte dos estudiosos do assunto, vai mais além: existe a possibilidade de que o feto não disponha da capacidade de sentir dor porque esta estaria ligada ao desenvolvimento mental, que só ocorre após o nascimento. Então, o sofrimento do feto NÃO É ARGUMENTO. Não sou eu quem diz, é a ciência. Como estas, existem muitas outras lendas médicas envolvendo aborto, que infelizmente não cabem nas minhas quatro páginas. Quem sabe um dia eu volte ao assunto.

Até o terceiro mês de gestação, pode ser aplicado o chamado “aborto químico”, onde o aborto é induzido através de remédios, sem a necessidade de intervenções mais invasivas, uma vez que este procedimento acaba gerando a expulsão do embrião. Não é 100% garantido, caso não se alcance o resultado desejado será necessário uma aspiração uterina, onde um similar a um aspirador é utilizado para sugar o conteúdo do útero. Sem cortes e sem maiores riscos. Dura no máximo cinco ou dez minutinhos e sequer é considerado um procedimento cirúrgico. Quando realizado nas condições adequadas, este procedimento é muito seguro para a mulher. Apenas 0,5% dos casos terminam em infecção. Após os três meses de gestação, o procedimento passa a ser mais complexo, sendo necessária uma curetagem, aquele método que todos conhecemos.

Eu sei que as pessoas tendem a achar que mesmo nas primeiras semanas existe “seu bebê” ali, mas sinto informar que ainda não é o seu bebê. Na quarta semana de gestação, por exemplo, nem sequer é chamado de feto, é chamado de BLASTOCITO e possuí cerca de 64 células. Nem de longe isso é um ser humano (a menos que você considere um omelete uma galinha). Um fato curioso narrado por um dos médicos me fez visualizar o quanto não se trata de um ser humano: pode acontecer, nestas fases iniciais, das poucas células que exitem pararem de ser reproduzir e em vez de evoluírem, involuirem até sumir. Elas simplesmente encolhem e somem. O dia que um ser humano fizer isto vocês me contam. Imagino que este argumento não conte muito pois existe quem defenda que se leve até o final uma gravidez de feto com anencefalia, ou seja, que vai nascer sem cérebro e com ZERO chances de sobreviver. Como você pode matar algo que nunca vai viver? (só vive quem nasce e respira, lembra?).

Sim, a partir do momento da concepção, temos um SER VIVO, mas não um ser humano. O que nos faz humanos só surge muito tempo depois da concepção. Se fosse assim, toda mulher que usa DIU – Dispositivo Intra Uterino, é uma serial killer, pois expele de forma anti-natural um aglomerado de celular já fecundadas. Que eu saiba a lei não proíbe o DIU.

Pessoas esclarecidas que vivem em países desenvolvidos aprendem todas estas informações na escola. Mas aqui não, aqui aprendemos que é “assassinato”, que Deus vai te mandar para o inferno e que é crime. Porque será?

Não é por acaso que, como regra geral, apenas os países subdesenvolvidos proibem o aborto. Vejam o “mapa abortivo” e constatem. Os motivos são os mais variados, mas todos giram em torno da conveniência de uma minoria. É bacana ter um “exército de reserva”, uma parcela de pobres marginalizados que sejam mão de obra barata e que sejam ignorantes e manipuláveis. É o ser humano explorando o ser humano, com fins gananciosos sobre o manto na nobreza do direito à vida.

O que se defende com a criminalização do aborto não é o direito à vida e sim o direito a continuar explorando uma massa de excluídos e quem não percebe isso é muito débil mental. VOCÊ pode até defender a criminalização do aborto por uma convicção SUA de respeito ao direito à vida, mas tenha certeza que os políticos que o fazem passam longe disso. Por favor, tenha esta noção. Por favor, eu imploro. Não acredite que eles querem preservar a família e os valores sagrados. Podem estar certos de que metade ali já fez ou mandou fazer um aborto em alguém.

Você não precisa fazer se não quiser. É uma escolha íntima. Mas pense na realidade social do país onde se vive. Pense que vai faltar comida no mundo em poucas décadas. Pense que pessoas criadas sem estrutura acabam virando um bandido que dentro de vinte anos pode vir a assassinar o seu filho. Pense na legalização do aborto como um direito de escolha pessoal de cada mulher. Se preciso for, que se estipulem regras para determinar um prazo limite para sua realização: dois meses de gestação, três meses de gestação… Não importa. O importante é dar às mulheres o direito de escolha. Se quiserem que punam até com uma multa ou com alguma outra forma branda, mas porra, insistir que aborto é CRIME é sacanagem!

Para dizer que este assunto merecia ser mais explorado e que eu deveria ter ultrapassado o limite de páginas, para dizer que a idéia romântica de que o blastócito é o seu bebê não vai sair da sua cabeça nunca ou ainda para continuar jogando suas pedras religiosas em mim e citar pela milésima vez Olavo de Carvalho: sally@desfavor.com


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