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Publiciotários: Funciona?

| Somir | | 14 comentários em Publiciotários: Funciona?

Pior que...Quando a quinquagésima pessoa me perguntou se aquela campanha dos pôneis malditos servia para alguma coisa, resolvi escrever a coluna. Um dos truques mais valiosos da publicidade é se esconder à plena vista. O importante para qualquer marca é que você se lembre dela na hora de botar a mão no bolso.

Os pôneis malditos foram um hit publicitário daqueles, evidente que uma parte da verba da campanha foi para contratar gente para divulgar o vídeo nas redes sociais, mas não se pode negar que a curiosidade das pessoas alavancou o sucesso. Era uma bobagem, uma bobagem engraçada e bem bolada, mas mesmo assim, nada mais do que computação gráfica e uma música grudenta.

Muita gente veio me dizer que aquilo podia até ser engraçadinho, mas não servia para nada, já que nem se lembravam qual a marca do carro que ela deveria vender. Analisando friamente, o comercial não dava tanta ênfase ao produto como deveria. Os pôneis malditos viraram moda, o carro ficaria atolado, certo?

No mês da veiculação da propaganda, a picape Nissan Frontier teve um aumento de 110% nas vendas. A marca em geral, 81%. Digam o que quiserem sobre a propaganda, mas ela funcionou.

Quando me diziam que não se lembravam de qual era o carro dos pôneis malditos, eu fazia uma pergunta simples: “Você vai comprar uma picape?”. Não foi nenhuma surpresa descobrir que nenhum deles tinha esse objetivo. A ideia da maioria das propagandas não é te tirar do sofá e te fazer comprar algo, é fazer você se lembrar dele quando estiver afim de comprar.

Exemplo desagradável: Eu sempre vi propagandas de absorventes, mas elas nunca registravam nada na minha cabeça, quer dizer, nada além de piadas com aquele líquido azul. Evidente, eu não era o público-alvo. Mas um dia, pressionado a comprar um pacote em caráter de urgência para uma namorada (o que eu acho desnecessário até dizer chega, eu não deixaria uma namorada comprar fraldas para mim…), cheguei até a farmácia e descobri que não tinha nem ideia de qual era a marca dela. Foi quando aquelas propagandas agiram… “Sempre Livre”. Não tinha a porra da menor ideia se era melhor ou não, mas era a marca que eu lembrava.

Pior foi passar no caixa, um cara estava comprando camisinhas. E eu Sempre Livre. Tenho certeza que o filho-da-puta deu um sorrisinho debochado para mim. De qualquer forma…

É muito bonitinho dizer que propagandas tentam te convencer das vantagens de um produto, mas não é a verdade. Assim como eu comprando absorvente, boa parte dos consumidores desse mundo mal sabem o que caralhos estão comprando. Falta referencial para tomar decisões baseadas em qualidade. Qual a melhor picape do mercado? A mais bonita? A mais forte? A mais rápida? A mais barata? E mesmo que o cidadão saiba o que prefere, dificilmente sabe compará-las de uma forma minimamente objetiva. A picape da Nissan é bonita, mas a da Mitsubishi também. O que define a melhor delas?

Sabem a triste verdade? A maior motivadora de qualquer decisão de consumo é a necessidade de tomar uma decisão. Tem quinhentas marcas de quase qualquer coisa que você pode comprar, e na maioria dessas coisas você passa LONGE de ser um especialista. É quase um uni-duni-tê. Produtos muito caros não costumam ter um serviço de pós-compra muito bem desenvolvido à toa: É absolutamente natural bater uma insegurança depois de torrar muito dinheiro em algo que você nem sabe se precisa. Tem um nome chique: “Dissonância Cognitiva Pós-Compra”. Eu chamo de “Entendi Como Funciona”.

Para a sorte das empresas, esse entendimento dura pouco. Logo logo surge mais uma propaganda para deixar o consumidor seguro que fez algo de bom com seu rico dinheirinho. Não podemos arriscar que as pessoas percebam que boa parte das vezes suas escolhas por marcas não significam muita coisa.

Não estou dizendo que TUDO o que você compra é um desperdício de dinheiro. Longe disso. A questão é que tudo é muito mais subjetivo do que escolher o produto com as melhores características. A propaganda da Nissan falou sobre pôneis viadinhos e vendeu um carro supostamente de macho até cansar. Quem queria comprar uma picape chegou na concessionária com a marca e o modelo na cabeça. E mesmo que isso passe longe de ser garantia de venda, o simples fato de ter uma marca e modelo na cabeça facilita demais a escolha.

As pessoas ainda pesquisam, ainda consultam especialistas, mas no final das contas o máximo que podem fazer é escolher um produto. Se a pessoa faz a pesquisa com pessoas influenciadas por uma marca, tende a seguir o bando. Difícil escapar do discurso publicitário.

Principalmente quando ele ainda não foi digerido pelo grande público. Propaganda ainda tem um caráter muito imperativo no imaginário popular: A pessoa acha que a campanha só funciona se ela resolver comprar o produto anunciado na sequência. Se você prestar atenção, virtualmente nenhuma propaganda atual tenta mandar nas pessoas. Funcionou muito bem dar ordens há algumas décadas atrás, mas o povão já está vacinado.

Você não vai ver mais um “Compre o produto X” em nenhuma peça de empresa grande (e agência profissional) nos dias atuais. Isso já foi a regra, é isso que está no inconsciente coletivo de muita gente, mas não é mais assim que se vende alguma coisa hoje em dia.

A sociedade JÁ é consumista. Ninguém precisa mais te mandar tirar a bunda do sofá e gastar seu dinheiro, você já vai fazer isso e um jeito ou de outro. E quando você estiver fazendo o famoso processo de auto-validação pelo consumo (não é papo comunista, é a realidade), que se lembre da marca que buzinou na sua cabeça nos últimos tempos.

A tendência é que você se lembre também de alguns benefícios do produto, mas convenhamos que raramente eles fazem muito sentido para você. É bacana comprar uma lâmpada 20% mais brilhante, muito embora você nem saiba com o que diabos ela está sendo comparada, ou mesmo se isso faz alguma diferença na sua vida. No final das contas, ela é 20% mais brilhante! E isso já está bom.

Não é à toa que você se depara com comerciais dizendo que o xampú “Seboso Frutas Vermelhas D4” une a refrescância das frutas vermelhas com a proteção da vitamina D4… Nem os químicos que desenvolveram a fórmula sabem o que isso significa. Mas a pessoa precisa ter algum parâmetro de escolha. Nem que ele que precise ser inventado.

As propagandas não são exatamente uma bênção social, mas aposto que você detestaria entrar num supermercado sem ter visto nenhuma. São essas baboseiras que tornam o mercado de concorrência livre minimamente tolerável para o cidadão médio.

A Nissan mostra pôneis malditos porque tem mais umas 80 empresas fazendo a mesma coisa que ela, mas também porque é absurdo exigir que cada pessoa comprando uma picape entenda o que está fazendo. Aliás, é de minha nunca humilde opinião que gente com esses carrões nem sabe porque tem um. Pode apostar que a mula passando lombada em primeira marcha e atravancando a rua toda está num carro gigante com tração suficiente para subir uma parede! Você fica olhando aquele monstro cuja suspensão é mais alta que o seu carro pisando em ovos na rua e começa a entender como a propaganda dos pôneis funciona…

Em nota relacionada: Sally me mandou um e-mail com a propaganda do Fiat Cinquecento com o Dustin Hoffman e o Cigano Igor (esse é o nome dele para sempre). Ela já tinha mandado a do Biafra para o Bradesco Seguros. Nas duas vezes me perguntou o que a empresa e o sacaneado ganhavam com elas. Em tempo: Achei as duas campanhas muito boas também.

Percebam que é o mesmo caso. Para a empresa e para os sacaneados. Por mais que as propagandas tenham boas ideias para divulgar suas vantagens, o produto vendido aqui também não é a estrela. Ele é o acessório para botar a marca na cabeça das pessoas e com um pouco de sorte, desencadear o processo de compra posterior.

É provável que você não se lembre exatamente marca e produto toda vez que quiser, mas eles estão guardados em algum canto da memória. Um canto que vai acender assim que você estiver deparado com uma escolha. Parece que fica só registrada a piada/sacada do comercial, mas o cérebro sempre pega um pouco mais… Algo que eu já mencionei na coluna anterior do Publiciotários.

E é esse um pouco mais que vale trilhões para as empresas de todo o mundo. Também não é por vontade de jogar dinheiro fora que lojas estão sempre abarrotadas de propagandas e que designers cobrem os olhos da cara para desenvolver embalagens. Tudo o que ajudar a refrescar aquela memória da propaganda vale ouro. Propaganda em loja não é para te convencer de nada, é para te lembrar da sementinha plantada anteriormente. Lembrou do pônei, a Nissan está lá. Lembrou do Biafra, o Bradesco está lá. Lembrou do Cigano Igor, a Fiat vem junto. Mesmo que não surja em casa ou conversando com um amigo, experimente lembrar de uma propaganda DENTRO de uma loja onde se vende aquilo. Tenho a impressão que você vai ficar surpreso(a).

E na derivação “falem mal, mas falem de mim” dessa noção de publicidade, estão as pessoas que se sacaneiam na propaganda. Porra, quando que o Biafra conseguiria se reavivar na memória das pessoas se não fosse por isso? As novas gerações não viram o Cigano Igor em seu esplendor de canastrice. Bacana para quem praticamente só é conhecido por isso voltar a mídia. Ser ruim também dá dinheiro. Rebecca Black que o diga…

E, honestamente? Tanto faz ser lembrado pelos grandes talentos quanto pela ruindade, não digo do ponto de vista de realização pessoal, mas ajuda a pagar as contas. Um país que escuta funk e sertanejo não tem referencial para realmente achar a música do Biafra ruim. Assumir que é tosco é capaz de ter feito muita gente desencavar discos dele do fundo do armário.

E país que gosta de Big Brother e Fazenda caga e anda para talento de atuação. Se o Cigano Igor decidir fazer um monólogo, ESSA É A HORA. As pessoas vão, nem que seja para rir. Não é bonito imaginar que aparecer preda o talento, mas é a mais pura verdade.

Lembra que as pessoas vivem acuadas por escolhas? Alguém conhecido tende a ser todo o alento necessário. Melhor do que começar algo do zero. Isso sim é assustador.

As propagandas mais complicadas de fazer, e as que tendem a falhar com maior frequência, são aquelas que tentam fazer o público mudar de hábito. Fazer um alcoólatra mudar de marca preferida é fácil, quero só ver fazer ele tomar chá. A tendência atual é deitar e rolar num mercado apinhado de pessoas que fazem questão de comprar, mesmo que seja apenas pelo prazer de comprar.

Essa ficha ainda não caiu na cabeça da maioria acachapante das pessoas. Você VAI comprar, a briga é para saber quem fica com o seu dinheiro. Por enquanto, o modelo de se esconder na memória funciona. E assim como o modelo imperativo do meio do século passado, vai cair.

E quando o Google te diz que você provavelmente quer comprar uma máquina de limpeza a vapor pressurizada enquanto você discute com sua namorada que ela precisa limpar melhor os fundos, ele também está dizendo quem vai substituir o modelo atual. Se vocês acham que está invasivo agora, não perdem por esperar.

Mas não vamos adiantar problemas. Respondendo a pergunta do título: Funciona, e nada disso seria possível sem você.

Para dizer que começou a achar os advogados mais agradáveis, para reclamar que esperava temas como propaganda subliminar aqui (erm…), ou mesmo para dizer que você sempre faz compras conscientes (continue assim!): somir@desfavor.com


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