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Desfavor Explica: Bozo

| Sally | | 118 comentários em Desfavor Explica: Bozo

O personagem foi criado nos EUA, por um elemento chamado Alan Livingston, em 1946. Inicialmente foi criado para narrar um disco de histórias infantis, tendo sido interpretado pela primeira vez por Vance DeBar Colvig, que além de emprestar sua voz para Bozo também dublava o personagem “Pateta” da Disney. Em 1949 Bozo foi para a televisão. O primeiro Bozo foi um fulano chamado Larry Harmon, que aproveitou e comprou os direitos do personagem, transformando-o em uma franquia. Era o capitalismo brotando na diversão infantil.

Bozo foi um sucesso nos EUA e fora dos EUA. Originou todo tipo de imitação e paródia, como por exemplo o palhaço Krusty do desenho “Os Simpsons”, aquele que quando desligam as câmeras fala mal das crianças e fuma. O layout assustador do Bozo (só perde para o Fofão) foi idealizado, acredite se quiser, por figurinistas de Hollywood. Alem do aspecto bizarro e assustador, era possível ver o pênis do Bozo através do tecido da sua calça. Eu não sei onde essas pessoas estavam com a cabeça.

Mais de 200 atores diferentes já interpretaram o Bozo original dos EUA, alguns com histórias bem curiosas, como por exemplo Willard Scott, que fazia o papel de Bozo em uma época em que o programa tinha patrocínio do Mc Donalds. Ao ver o sucesso do Bozo, o Mc Donalds não pensou duas vezes e decidiu que deveria ter um palhaço próprio. Não bastasse incentivar as crianças a um Mc Câncer feliz, Scott ainda recebeu uma proposta melhor do Mc Donalds e largou o Bozo para virar Ronald Mc Donalds. Vejam vocês que até no mundo dos palhaços neguinho é vendido e corrompido. Se você reparar bem, o Ronald Mc Donalds é meio que um cosplay de Bozo.

O que já era meio cagado nos EUA, ficou duplamente cagado quando chegou ao Brasil. Bozo começou a ser produzido no Brasil em 1980, na Record e só um ano depois passaria para o SBT. O dono da franquia, Larry Harmon, escolheu um comediante chamado Wandeco Pipoca para interpretar o primeiro Bozo. Infelizmente Wandeco era um boca suja do caralho sem e menor paciência com crianças e depois de mandar várias à merda e soltar muitos palavrões foi afastado. Ao longo dos anos mais de dez atores diferentes interpretaram o Bozo. O mais famoso foi Luiz Ricardo, mais conhecido pelos comerciais de “Papa-tudo” e “Tele-Sena” no SBT que faria após o fim do programa.

Não era fácil ser Bozo. Aparentemente as crianças ficavam tão deslumbradas e incrédulas na sua presença que precisavam constatar se ele era real. A forma como faziam isso? Dando chutes na canela do Bozo. Criança é isso aí, use camisinha. Vários atores que interpretaram o Bozo contam que suas canelas viviam permanentemente roxas. Era uma época muito feliz onde ainda se podia falar e fazer coisas politicamente incorretas. Não raro um Bozo revidava com um discreto beliscão em uma criança. Como diria Skylab, quanta saudade “dos velhos tempos de mulheres e homens sãos”. Eu lembro inclusive que havia uma comunidade no Orkut chamada “Bozo me beliscou” (ou algo do tipo) onde todas as crianças que haviam sido agredidas pelo Bozo davam o seu relato. O curioso é que todos pareciam muito orgulhosos e satisfeitos de terem sido agredidos pelo Bozo. Ahhh… os anos 80…

Seleção natural.

Eram tempos rudes, onde se podia revidar quando uma criança mal educada te batia e onde o Bozo podia se valer de uma psicologia do inferno e dizer coisas como “se você responder à mamãe, se não ajudar o papai, se brigar com os amiguinhos, o Bozo vai ficar seu inimigo!”. SEU INIMIGO. Depois não entendem porque toda uma geração cresceu sicagando de medo de palhaços. Era uma coisa meio “Deus vai te castigar”: Bozo te ama se você fizer o que ele quer, mas se não fizer, Bozo se volta contra você. Porque amor incondicional, perdão, compaixão e tolerância são conceitos dos anos 90. Nos anos 80 só os fortes sobreviviam.

As letras das músicas do Bozo também eram bastante questionáveis. Desde uma simples apologia à sujeira como “Chuveiro, chuveiro, não faça assim comigo, chuveiro, chuveiro, não molhe o seu amigo” evocada por centenas de crianças que sentiram validado seu desejo de não tomar banho, até coisas mais suspeitas, como um pedido para que as crianças cheirem seu “cangote” com direito a um “ai que delícia!”. Soa estranho, mas as crianças efetivamente cheiravam o cangote do Bozo. Hoje se um adulto sugere a uma criança desconhecida que cheire seu cangote existem grandes chances dele responder a um processo criminal.

Justamente por ser do tempo em que se amarrava cachorro com lingüiça, vários acidentes engraçados ocorreram. Um dos Bozos costumava dormir no intervalo do programa, que era ao vivo: enquanto passavam os desenhos ele tirava a peruca, colocava o nariz de palhaço na testa e dormia. A produção o acordava um pouco antes de voltar ao ar. Porém devido a alguns atritos, a produção começou a trollar e dar avisos falsos que o programa voltaria ao ar apenas para acordá-lo. Bozo começou a ficar puto com isso. Certa vez, após um aviso, Bozo levantou puto da vida, com o nariz ainda na testa e começou a berrar e mandar todos para a puta que pariu, só que desta vez não era trollagem, o programa realmente tinha voltado ao ar.

Invariavelmente todo Bozo já foi xingado. Era um programa ao vivo e eram tempos de liberdade de expressão. Fatalmente crianças ligavam e o mandavam tomar no cu ou para a puta que pariu e era muito engraçado ver a cara de bunda dos Bozos tentando levar a coisa com jogo de cintura. Alguns conseguiam. Por exemplo, certa vez uma criança gritou “Ei! Bozo! Vai tomar no cu!” e Bozo imediatamente repondeu “O que? Você quer suco de caju?” e cortaram a ligação. Porém, todos nós temos dias ruins… certa vez uma criança mandou este mesmo Bozo tomar no cu, mas como ele estava de ovo virado respondeu debochando “Prefiro tomar em um copo, que é mais limpinho”. Foi severamente advertido pelo Silvio Santos.

Em outra ocasião, um rapaz ficou emputecido por seu cavalinho ter perdido a corrida e pelo Bozo ter torcido para outro cavalinho (o “malhadinho”) e soltou esta: “Palhaço filho-da-puta! Depois de meia hora tentando ligar para aí… Vai tomar no cu! Enfia esse prêmio no cu!”. Cortaram a ligação e Bozo ficou alguns segundos em silêncio olhando com cara de cachorro cagando na chuva.

Além dos xingamentos, outros acidentes bacanas aconteciam. O programa durava o dia inteiro e era ao vivo, a probabilidade de mais cedo ou mais tarde dar merda era enorme. Uma vez Bozo foi chamar um rapazinho que estava na arquibancada para uma brincadeira estendendo-lhe a mão. O menino pegou na mão do Bozo, mas ficou tão deslumbrado olhando que esqueceu de descer. Bozo achou que o menino estava descendo os degraus (a arquibancada era consideravelmente alta) e deu um puxão para ajudar. Conclusão: a criança rolou arquibancada abaixo e bateu com a cabeça. As câmeras desviaram rapidamente, mas você podia ver a câmera sacudindo por causa do cameraman sicagando de rir.

Na vida real os diversos Bozos não costumavam ser modelo para ninguém: sexo, drogas e bebidas corriam soltos. Essas coisas não eram contadas às crianças naquela época e não havia internet que tornasse possível descobrir. Sim, os anos 80 foram negros, informação boca a boca era o que havia de mais moderno. Um dos Bozos foi viciado em sexo e assediava tudo quanto era mulher que trabalhava com ele, fazendo uma espécie de teste do sofá de palhaço. Só trabalhava com ele quem ele comia. E dizem que ele comia nos intervalos do programa, ainda vestido de palhaço. Mas não foi apenas ele…

Vários intérpretes do Bozo aderiam ao Rafael Pilha Way of Life. O mais conhecido devido ao grau de merdança foi Arlindo Barreto, que promovia orgias, bebia até cair e como se isto fosse pouco, acabou viciado em cocaína, remédios para dormir, remédios para emagrecer e nas horas vagas fumava maconha. Era um perigo ambulante. Apresentava o programa muito doido. É possível ver seu excesso de energia nos programas, algo fora da normalidade. Parecia que tinham enfiado uma duracell no cu do Bozo. Sim, é triste mas Bozo estava cheirado até a alma e tinha tiques estranhos. Também… apresentar um programa que durava das 8 às 18h só drogado mesmo.

E quando a gente acha que uma pessoa chegou ao fundo do poço, percebe que ela ainda pode descer mais um degrau. Este mesmo Bozo estava em casa cheirando até o cu bater palminha quando sofreu um acidente tomando banho. Supostamente teria escorregado, caído e quebrado o vidro do box. Sangrou feito um porco e acabou ficando em coma. Adivinha o que aconteceu? Um pastor passou pelo seu quarto nesse momento de fragilidade e Bozo encontrou Jesus. Largou a TV e passou a se dedicar aos crentes, trabalhando em um circo religioso chamado “Tenda das Esperanças”. Hoje é pastor evangélico. Para quem tiver paciência e quiser rir um pouco, perca seu tempo vendo este vídeo grotesco.

Ser desajustado social não era exclusividade do Bozo. Seus colegas de cena também não eram propriamente exemplo de boa conduta. Pedro de Lara, por exemplo, que interpretava Salci Fufu, vira e mexe desaparecia. Diziam as más línguas que havia sido preso. Ele tinha uma filmografia que não parece muito compatível com o trabalho de apresentador infantil. Filmes como “Emoções sexuais de um cavalo”, “ A máfia sexual” , “Bonitas e gostosas”, “As taradas atacam” e “As 1001 posições do amor” me fariam ter medo de confiar uma criança a seus cuidados. Mas era um tempo onde pessoas que faziam pornô com crianças podiam apresentar programa infantil. Os pais não pareciam se preocupar com isso.

Ninguém que passou pelo programa do Bozo parece estar bem de vida. O menos pior é o baixista da banda, Bira, que foi trabalhar com o Jô Soares, apesar de que eu considero trabalhar com o Jô Soares uma merda. Papai Papudo (Giba), por exemplo, acabou indo fazer pegadinhas em um programa do Silvio Santos. Garoto Juca virou baterista da dupla Milionário e José Rico. Um dos Bozos, Marcos Pagé, foi ao programa “A tarde é sua” relatar o quanto está quebrado, sem dinheiro e devendo aluguel. Tudo bem que não é tão indigno como ser pastor evangélico, mas vai, é uma merda. Toque de Merdas total, parece que quem passou pelo programa foi contaminado.

O programa do Bozo acabou em 2 de março de 1991. O motivo? O então Bozo, Décio Roberto, estava com AIDS e não se aguentava em pé para gravar os programas. Morreu poucos meses depois. Claro que na época não se comentou muito o assunto, afinal, naqueles tempos AIDS era tida como exclusividade de homossexuais e não pegava bem que presumissem que o Bozo andou dando ré no quibe. É o “Efeito Zacarias”. Salvo engano, a versão oficial foi a de que ele morreu por causa de um “tumor no cérebro”. Francamente, se a intenção era poupar as crianças, poderiam ter inventado algo menos assustador.

No seu lugar ficou aquela coisa medonha conhecida como “Vovó Mafalda”, porque na cabecinha do Silvio Santos, era bacana colocar um marmanjo de saia tentando falar fino para lidar com crianças. Eu fiquei traumatizada quando descobri que Vovó Mafalda era um homem e acredito que muitos também se chocaram. Por falar, nela, o ator que a interpretava, Valentino Guzzo, fumava feito uma chaminé e teve um ataque cardíaco fulminante que o matou creditado ao cigarro. Só gente saudável e regrada no programa do Bozo.

Bozo tem seus méritos. Vinte anos fora do ar e ainda é lembrado, uma espécie de Chaves. Provavelmente porque, assim como Chaves, era politicamente incorreto e autêntico. Não era essas porcarias pasteurizadas, lucianohuckizadas e coreografadas que passam hoje na TV. Tudo podia acontecer no Bozo: xingamentos, acidentes e até mesmo ver o Bozo perdendo a paciência. Bozo, apesar de ser um personagem caricato, era mais humano do que essas merdas de apresentadores robôs de hoje. Bozo batia, Bozo xingava. É isso que cativa, a verdade. A verdade incomoda mas a verdade também comove. Vivemos em um mundo tão falso, tão plastificado, tão politicamente correto que nos faz sentir falta da tosquidão dos anos 80, “dos velhos tempos de mulheres e homens sãos”. Anota aí: quem conseguir romper com isso e fizer um programa autêntico, cheio de erros, cheio de cagadas, vai explodir em audiência. Torçam para que a gente ganhe na loteria, assim criamos o Desfavor na TV.

Para dizer que quer a volta do programa do Bozo com o Pilha no papel principal, para dizer que quer Somir e eu na bancada do Jornal Nacional apresentando e comentando as notícias ou ainda para dizer que isso está mais para um Processa Eu, porque eu detonei um mito: sally@desfavor.com

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