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Politicamente Incorreto

Politicamente Incorreto

| Sally | | 148 comentários em Politicamente Incorreto

Você assistiu ontem à estreia do seriado semanal “Politicamente Incorreto”, no canal FX, às 22:20h? Se não assistiu, pode ler o texto mesmo assim, que ele vale a pena, mas não deixe de assistir. O sinal estava aberto para todos e continuará aberto até a próxima segunda-feira 22.

Eu já tinha avisado que não ia escrever este texto, por achar que me faltaria imparcialidade para isso. Mas, desculpa, não dá para não falar, porque o seriado “Politicamente Incorreto” do Danilo Gentili está escrevendo uma nova página na história da TV. Goste você ou não dele, é inegável que o que está sendo feito cruza a linha daquilo “socialmente aceito” hoje em dia, mesmo para TV fechada.

Para quem não sabe do que se trata, a série conta a história do Deputado Atílio, um mix de Tiririca, Maluf, Lula, Collor e outros da mesma laia, só que com o cabelo da Dilma. Um político medíocre, burro, corrupto e que fala português incorreto. Por um golpe de sorte, o Deputado Atílio se safa de um escândalo em meio a um mal entendido e é alçado à categoria de herói nacional por ser “honesto”, como se político honesto fosse herói e não uma obrigação.

Graças a esta súbita popularidade, o partido decide coloca-lo para concorrer à Presidência da República. O Deputado Atílio é uma fraude, mas como a imprensa brasileira constrói verdades nunca questionadas pelo povo, ele não é desmascarado. Começa então uma estratégia de marketing para torna-lo mais palatável ao eleitorado brasileiro. E olha, as cenas envolvendo Deputado Atílio e sua marqueteira são as mais “dedo na ferida” de todo o seriado. Simplesmente sensacional.

Em um período onde é proibido pela lei eleitoral de ser falar nos candidatos, Danilo Gentili conseguiu falar mal de TODO MUNDO de forma escrachada, debochada e sem piedade. Sua marca registrada tantas vezes elogiada aqui continua se fazendo presente, o que eu apelidei de humor-cebola, pois tem várias camadas. Tem piada para todos os intelectos. Desde um “outdoor de xereca” (a clássica piada-palavrão que não precisa nem de contexto para fazer rir) até o humor mais sutil, chegando inclusive a parafrasear candidatos reais.

Ele já começou à la Tiririca, questionando o que faz um Deputado. Ele mesmo respondeu, nos levando a refletir: um deputado faz o que qualquer brasileiro médio faria se tivesse essa mesma remuneração e essa mesma certeza da impunidade. Muita gente riu, mas nem todos perceberam a grande esculhambada dirigida ao povo brasileiro. Ainda bem, essa gente ofendida costuma ser bem patriota, melhor que não percebam para não encher o saco.

Entre tropeços no português e falta de postura, o Deputado Atílio começou a desferir seus impropérios. Sobrou para todo mundo. Para os gays (com um projeto de lei que os autoriza a fazer sexo com heteros), com os negros (dizendo que não tem nada contra mas “se bem que tem uns pretos que são foda”), contra mulheres (atribuindo os seguintes defeitos à sua adversária política: mulher, baranga e sapatão). Foi um corredor polonês contra todos os “intocáveis”, do começo ao fim.

Não ficou grosseiro. Ficou engraçado. Nada melhor do que a conversa que tive em um ônibus com uma senhorinha que parecia ter uns 200 anos hoje (na verdade ontem, que o texto só vai ser publicado amanhã) quando voltava para casa. Comentei que estava com pressa para chegar em casa e ver o programa e para meu espanto ela disse que também queria ver: “Esse menino fala umas bobagens meio pesadas, né? Mas eu não consigo ficar com raiva dele não… ele é um bom menino, eu dou risada”. Achei antropológico.

A série dura apenas meia hora, então, se eu ficar contando tudo, não tem graça, acaba que quem não assistiu nem vai ter mais o que ver quando for assistir. Não vou entrar em mais detalhes, mas queria narrar apenas uma discussão de dois membros do partido, um negro e gay e o outro paraplégico e idoso. Ambos estavam discutindo para ver quem era mais “intocável”, até que o paraplégico pergunta ao negro “Por acaso tem assento preferencial para negro? Tem?”. Anota aí: você não vai ver piadas com esse conteúdo em NENHUM programa nacional, seja ele da TV aberta ou paga.

Mal comparando, dizem que as coisas são mais fáceis para o irmão mais novo, pois o irmão mais velho abriu muitas portas antes, ele já as encontrará abertas. Pois Danilo Gentili está sendo o “irmão mais velho” de todos os humoristas nacionais. Ele está abrindo portas para que esse tipo de humor que o Desfavor e tantos outros fazem possa começar a ser digerido pelo brasileiro. Está educando o povo a não se ofender com humor. Isso, minha gente, é um feito muito maior do que uma série engraçada, audiência alta, ou TrendingTopics. ISSO é o que mais merece aplausos e, no entanto, é de uma sutileza que poucos vão perceber.

Estamos falando aqui de uma transformação social. De “calejar” o brasileiro médio para todo tipo de humor. Estamos falando de educar os ouvidos para não se ofender com piada. Absurdo viver em um país onde se o político rouba o reelegem e o toleram, mas se o humorista erra mão da piada e ela não é do gosto do ouvinte, merece ser execrado, ameaçado, agredido, perseguido e jogado no ostracismo. Está mais do que na hora dessa inversão de valores acabar. Vamos parar com esse policiamento do humor!

Estamos vendo nascer alguém que consegue brincar com tudo e ainda assim receber aplausos do brasileiro. Quem mais consegue isso atualmente? Ninguém. Em parte porque ninguém tenta (quem tem patrocinador, tem medo), em parte porque ninguém consegue (juntar carisma com timing é para poucos). Então, desculpa, foi mal aí, mas eu vou cobrir o Danilo Gentili de elogios mais uma vez e pau no cu de quem não gostar, passa amanhã!

Danilo conseguiu mais uma coisa que eu não julgava possível: ele tem carta branca para fazer piada no Brasil. Isso é mais ou menos como aquela cartinha que te livrara da prisão no Banco Imobiliário: um trunfo que desequilibra o jogo. Ele coloca a audiência no bolso. Ele dita o tom e não importa qual seja, todo mundo ri com ele. Não dele, COM ele. Eu já vinha acumulando indícios desta percepção assistindo ao The Noite, mas o grande insight me veio assistindo ao Politicamente Incorreto

Lembra do EXTINTO “Agora é Tarde”? Então… naqueles tempos a revista VEJA criticou Danilo Gentili dizendo que ele não fazia humor, fazia bullying. E não é que o mundo deu voltas e a mesma revista VEJA agora trata ele com todo o prestígio e estampa uma matéria com o título “O riso contra o poder”? Danilo Gentili conquistou o país. Senhoras e Senhores, eu lhes comunico oficialmente, direto do meu achismo, o qual vocês conhecem a taxa de acerto: Danilo Gentili pode tudo agora. Ele caiu no gosto do povo, qualquer coisa dita por ele será humor. O tempo das ofensas já passou, não porque ele tenha mudado seu repertório, que continua o mesmo, e sim porque o espectador mudou sua forma de ouvi-lo.

Isso mesmo. Caiu no gosto popular, pode tudo. A mesma piada contada por ele hoje, se fosse contada anos atrás, poderia destruir sua carreira. Hoje ele está acima disso, ele já tem a presunção de simpatia e admiração, nada do que ele fale será mais ouvido/visto/lido com aquele filtro de má vontade, de belicosidade, de agressão. Agora, Meus Queridos, quem coloca Danilo Gentili em lista negra é que vai parar em uma lista negra. O mundo é redondo, e dá voltas.

Estou muito feliz pelo Politicamente Incorreto ser o sucesso que foi já no primeiro episódio e mais feliz ainda por achar que o Danilo Gentili se elevou do patamar de humorista comum e inaugurou um camarote VIP do humor onde ele e outros poucos tem acesso a um plus que os demais não tem: Liberdade de Expressão. Se ainda houver alguma limitação a ele, é por questão de anunciante, porque o povo brasileiro está apaixonado de verdade e não vai se voltar contra ele tão cedo.

Mérito dele, já falamos isso nos textos com as críticas aos programas Agora é Tarde e The Noite. Ele desarma com auto-humor e conquista o espectador, para depois poder fazer piada com terceiros. Carisma, uma história/experiência de vida tocante e uma equipe muito competente colaboram, mas, em última instância, mérito pessoal dele e de seu “je ne sais quoi” conseguir desarmar um espectador potencialmente ofendido, bélico e complexado. Não tenho como não tirar o chapéu para alguém que consegue isso.

Danilo Gentili é, na minha opinião, a virada do pêndulo. A gente sempre fala que a história é um movimento pendular: se o pêndulo está tendendo muito para um lado, fatalmente com o tempo vai se voltar para o outro. O politicamente correto está sufocante, chato, babaca. O pêndulo VAI virar. E vai ser sob o comando dele: Danilo, mais uma vez, de coração, o parabéns que você nunca aceita sem relutar. O parabéns que você até duvida ser merecedor. O parabéns que por méritos inatos você talvez nem mesmo sinta merecer. Parabéns, parabéns, parabéns!

Para tentar desmerecer meus elogios ignorando a coerência deles ao longo dos anos, para dizer o que achou do Politicamente Incorreto ou ainda para fazer a si mesmo o favor de assistir o primeiro episódio que você perdeu: sally@desfavor.com


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