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Desfavor convidado: Vida de diabético.

| Desfavor | | 38 comentários em Desfavor convidado: Vida de diabético.

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Desfavor Convidado é a coluna onde os impopulares ganham voz aqui na República Impopular. Se você quiser também ter seu texto publicado por aqui, basta enviar para desfavor@desfavor.com.
O Somir se reserva ao direito de implicar com os textos e não publicá-los. Sally promete interceder por vocês.

Desfavor Convidado: Vida de diabético

Vida de diabético não é fácil… ahh não é mesmo! Ainda mais quando tu tem que aguentar falas e mimimis baratos de gente que sequer entende do assunto metendo o bedelho na tua vida como se nada, ou antes, como se entendesse de tudo sobre o assunto, e tu lá… Tem que aguentar muitas vezes calado, ouvir aquelas besteiras descomunais!

Ok, o que vocês lerão hoje é baseado em alguém (eu! hehe) que foi diagnosticado com a doença aos 12 anos e vive com ela até hoje. Bom, acho que ninguém melhor do que uma pessoa que convive diariamente com a doença por mais de dez anos para relatar certas peripécias e percalços que passamos, né? Ou em outras palavras, uma visão de dentro para fora. Ao menos é o que pretende este texto.

Breve explicação sobre a doença:

Bom, resumindo ao máximo e no bom português sem tentar entrar muito naquela aulinha chata de “bioquímica” do ensino médio que você faltou, a diabetes é o seguinte: quando você come e ingere carboidratos (le-se: açúcares de qualquer espécie, chocolates, balas, massas e até fritura) a digestão começa na amilase (leia-se: saliva!) e vai terminar só lá no intestino delgado, transformando os carboidratos em partículas menores (dextrinas, sacarose, maltose, lactose) até serem transformadas em glicose, frutose, galactose e outras “oses” que vão lá para o fígado serem armazenadas na forma de “glicogênio hepático”.

Esse “glicogênio” (atente-se: glicogênio não é glicose como muita gente pensa! Glicogênio é um “composto” de glicose, frutose e várias “oses” que ficam estocados como reserva energética lá no fígado!) é como se fosse um combustível, gasolina para o seu corpo. À medida que o corpo vai precisando de energia pra gastar, o fígado vai liberando na corrente sanguínea a dose necessária de glicogênio para as células absorverem e realizarem a tal “respiração celular” (prefiro nem entrar na histologia e fisiologia profunda aqui porque… né?). É aqui que entra o pâncreas com a insulina: não pode entrar todo o glicogênio de uma vez nas células! A insulina, no caso, atua aqui como uma “chave” abrindo e fechando as células na medida exata para que o glicogênio (que está circulando na corrente sanguínea, lembra?) entre e realize sua função. Em uma pessoa normal todo esse processo ocorre naturalmente. Já em um diabético não: o pâncreas tem dificuldades em fabricar insulina, e consequentemente, o glicogênio que está lá circulando pelo sangue não entra nas células e fica se “acumulando” cada vez mais, aumentando o nível glicêmico no sangue. Ta, e qual o perigo disso? O perigo consiste basicamente em que: sangue mais “doce” = sangue mais grosso. E quanto mais grosso, mais difícil de circular tanto em veias e artérias de grande porte, quanto em microvazinhos que atingem pés, mãos, extremidades e até olhos. E quanto mais difícil de circular o sangue, menos transporte de oxigênio, e de vários nutrientes pelo corpo.

Pois bem, em um diabético, as vezes o pâncreas funciona de menos, outras vezes funciona de mais… Para diferentes níveis de funcionamento, diferentes tipos de diabetes! As mais comuns são a tipo 1 (a minha) e a tipo 2. Muito embora, fato curioso e desconhecido, haja por aí 5 tipos de diabetes já registrados, fora tantos outros casos particulares a serem estudados e quem sabe catalogados. Pois bem, no diabetes tipo 1 o pâncreas não produz uma gotinha sequer de insulina, daí a pessoa é obrigada a – além de ficar de olho no que come – aplicar insulina por meio de injeções subcutâneas. Já no tipo 2 o pâncreas funciona mais ou menos, não fabrica a quantidade necessária de insulina, e o que não é “absorvido” acaba virando gordura. É por isso que a maioria (leia-se: não são todos, ok?) dos tipo 2 são obesos. Daí quem é tipo 2 em alguns casos tem que fazer uso de insulina, em outros nem tanto, é necessário fazer uso apenas de remédios que controlam o metabolismo.

Já o diabetes tipo 3 é o contrário dos dois tipos anteriores: o pâncreas funciona até demais, e com muita insulina acaba que provocando quadros de hipoglicemia (le-se: baixa glicemia no sangue, faz a pessoa ficar trêmula, sem força, sem energia, e as vezes até mesmo tonta. Atente-se também para o fato de que hipoglicemia pode acontecer com qualquer pessoa, até mesmo não diabética!). O que obriga a pessoa a carregar uma verdadeira bomboniere na bolsa porque se não… já viu!

Já o diabetes tipo 4, também conhecido como diabetes LADA, é uma variação da diabetes tipo 1 misturada com a 2 (sim! dá a louca no pâncreas e ele funciona quando quer!), pode aparecer também com o nome de “diabetes tipo 1,5”. Nesse tipo há a presença das características do tipo 1 e 2, só que a única separação que os especialistas fazem é em relação à idade do aparecimento: o tipo 1, via de regra, aparece em pessoas mais jovens; já o lada aparece em pessoas mais velhas, acima dos 30 anos. Só que, por incrível que pareça, isso também é contraditório, já que – para além da tipo 1 “normal” – existe a diabetes “mody” que é caracterizada pelo aparecimento e desenvolvimento da tipo 1 em pessoas jovens, adolescentes e crianças. Estudos por aí mostram que esse tipo está relacionado à mutação genética, uma vez que, em casos estudados, apareceram diabetes em crianças que não tinham nenhum gene – seja ele dominante ou recessivo – adquirido dos pais.

A diabetes tipo 5, que já apareceu na literatura como “diabetes tipo 3, é relacionada ao “mal de Alzheimer” (há bastante controvérsias mas…), e à resistência à insulina. Explicando melhor: o cérebro é um dos maiores consumidores de glicose no corpo. Se as células não internalizam a glicose, o seu funcionamento fica comprometido, causando, dentre outras coisas, o Alzheimer.
Há também a diabetes gestacional (seria uma tipo 6? não aparece na literatura assim, mas sim como um caso isolado), que pode ser uma manifestação da tipo 1 ou 2, mas apenas em período de gravidez. Pode ocorrer de a mulher continuar com diabetes, e o bebe nascer com diabetes, como pode ocorrer o contrário também, sendo apenas um período passageiro.

Adendo: para além de todos esses tipos, há também o diabetes “insipidus” que não tem nada a ver com a descompensação da glicemia no sangue. Pasmem! A insipidus é relacionada à falta do hormônio ADH (anti diurético), produzido pela hipófise e que controla a quantidade de retenção de água pelos rins, ou é relacionada à insensibilidade dos rins na presença desse hormônio. Em outras palavras: há um excesso de perda de água pela urina, sintoma bem parecido com a diabetes tipo 1, mas não há elevação da glicemia no sangue. Óbvio que aqui o tratamento não é com insulina, mas sim, com remédios controladores de metabolismo.

Como tudo começou e falácias mais comuns:

Pois bem, permitam-me agora relatar como tudo aconteceu, bem como algumas frases tensas que sou obrigado a ouvir quase todo santo dia, e que por vezes, me causam raiva e indignação.
Bom, eis que estava eu lá voltando de férias de verão, janeiro, calor e tal, quando de repente começo a apresentar sede elevada, fome elevada, micção exagerada, bem como perder peso rapidamente e desidratar. Não demorou muito até que – em exames de rotina, antes de voltarem as aulas, sabem como é… – o médico me diagnosticasse com um quadro de diabetes tipo 1. Daquele dia em diante, tudo mudou. Me via obrigado a primeiro adotar uma “dieta”, mesmo não querendo, e ainda por cima me acostumar às picadas no dedo pra medição de glicemia, e às injeções subcutâneas pela manhã. Confesso que o começo do tratamento, os primeiros dias, semanas e meses, foram terríveis! Pelo seguinte: tomava eu uma dose de insulina pela manhã e outra à noite. Media a glicemia, e estava alta. Ligava para o médico passando os resultados, ele ia lá e alterava tanto os horários da insulina quanto a dosagem dela. No outro dia o fazia, a glicemia continuava alta. Ligava para o médico de novo, e era a mesma palhaçada. Em outro dia, já era o contrário: tinha crises de hipoglicemia direto, ligava pro médico de novo… e assim ia! Arrgh! Vocês não sabem o quão horrível é se fazer de marionete e ficar nessa luta diária contra o controle glicêmico. Mas também não façamos alarde! Nesse período de descoberta e adaptação há que se ter paciência, muita! No sentido contrário, acho que entrar em desespero e descabelar-se por isso, não vale a pena. Se achar que o médico não te acompanha bem, não te trata bem, mudem para outro.

Logo nesse período de descoberta, eu com 12 anos na cara, além de ter que me acostumar a esse “mundinho novo”, tive também que aprender a lidar com certas falas de certas pessoas. A começar pelo fato de ter que usar seringas todo santo dia, alguns diziam “tadinho”. Poxa, que vitimização é essa pra cima de mim? Tadinho nada, é necessário oras, é normal. Outras vezes esse “tadinho” era pronunciado no sentido de “olha, coitadinho! Mal tem essa idade e já sofre de um mal tão…” bahhh gente, pelamor! Tadinho porque, ein? Um diabético pode viver uma vida normal, praticar exercícios físicos, fazer sexo, beber… Enfim, uma vida normal, basta ele querer e se cuidar! Aliás, dica para as mamães impopulares: se o teu filho for diagnosticado com diabetes, ensine a ele desde o primeiro dia a lidar com a seringa e com agulhas! Se ele tem medo, faça-o perder este medo! É um exercício demorado, claro, requer paciência mas… Não deixe que ele seja dependente de outra pessoa para a aplicação, coisa que é VITAL na vida de um diabético.

Breve pausa: caso a pessoa não queira viver aplicando injeções, há a solução da bomba de insulina: é um aparelhinho computadorizado (tu regula ele para injetar insulina automaticamente quando for preciso), com um estoque de insulina e um cateter (daqueles de plástico) que fica dentro da tua pele a todo o momento. Pasmem! Tu pode correr com ele, pular, dançar que não incomoda! Eu mesmo já usei por uns tempos mas… Sinceramente? Por certa “teimosia inexplicável” não gostei da ideia de carregar pra lá e pra cá um aparelho junto ao meu corpo, mesmo considerando que a agulha não incomoda e não atrapalha em nada. Para além deste aparelho, já tentaram fazer uma insulina oral aí, mas parece que não deu certo até hoje.

Pois bem, voltando, outras vezes esse “tadinho” já o ouvi como forma de deboche/bullying [mas oi?] na escola, quando um guri ficava comendo doce na minha frente, se insinuando e dizendo “tadinho… não pode comer!” Por um momento de raiva confesso que uma vez tive vontade de bater nele, mas como era maior que isso… Porém, sabem como é o tal do “destino” ou coisa que o valha né? Da vez que ele ficou intolerante à glúten e lactose, fiz questão de comer um danoninho na frente dele e dizer “tadinho!”.

Dentre as outras coisas que ouvi nesse período foi o tal do “diabetes pega”! Não querido, diabetes não pega, ok? Eu posso tocar em ti o quanto quiser que não acontecerá nada! Meu deus! Como pode em pleno século XXI tanta ignorância assim? É como eu já comentei uma vez aqui na RID, as vezes chega a me dar preguiça de ficar se explicando e argumentando sempre!

Mas não para por aí não! Já ouvi também o tal do “quem mandou comer muito doce…”. Olha só, escuta aqui queridinha, existem estudos até hoje sobre o tema, mas nada taxativamente comprovado. Não há indícios de que comer muito doce cause a diabetes, já que, via de regra, em uma pessoa normal, independentemente de quanto açúcar ela ingira, é necessário que o pâncreas “de conta do recado”. E em se falando sobre as causas, há “hipóteses” pra todo lado, mas nada, absolutamente nada hoje é conclusivo. O que a ciência mais chegou perto até hoje é o fato de que as células tronco terem poder de regeneração celular e de tecidos, e que há certas mutações genéticas (ainda inexplicáveis) na fase de “mórula” que é quando o embrião está desenvolvendo o sistema digestivo, e as células alfa e beta (que fabricam insulina!) fazem parte da formação do pâncreas. Mas não se sabe explicar ainda a relação entre essas células na fase embrionária e a morte delas na fase adulta do indivíduo.

Além desses, já ouvi também que “se toma muita insulina, é porque tem diabetes muito alta”, como se insulina servisse APENAS para baixar a glicose. Nããão minha gente, quanta ignorância! Pra começar com a utilização dos termos: não é diabetes alta, e sim “glicemia” alta! Segundo que essa relação “numérica” não se sustenta. Já vi casos de pessoas diabéticas tipo 2 que tomam muito mais insulina que eu, e mesmo diabéticos tipo 1 que tomam pouca insulina e a glicose mantêm-se normal. Enfim, cada um tem uma certa “resistência” à insulina. Agora vai explicar tudo isso pro sujeito, bem como aquele processo todo que expliquei no início do texto? Bahhh!

Como se não bastasse, já tive que ouvir também que “diabetes faz com que a imunidade fique baixa.” Ok, então vamos lá… Essa frase até se sustenta sim, caso o índice glicêmico no sangue esteja alto. É fato: se tu estiver com a glicemia alta e sofrer algum machucadinho qualquer, um corte de dedo qualquer, vai demorar cicatrizar! (Lembra do sangue mais doce = sangue mais grosso? pois é!) Mas tirando isso especificamente, diabetes não faz com que a imunidade do corpo diminua! Já fiz testes de contagem de linfócitos t3 e t4, contagem de hemoglobina, CD4… E não foi apresentada nenhuma baixa destes no organismo. Então, não é motivo para alarde a ponto de achar que qualquer resfriadinho de mudança de estação vai te matar, ou mesmo a ponto de começar a inserir vitaminas e bla bla bla na tua dieta diária. Bom, de novo: ao menos que o médico mande!

Bom, mas de todas essas frases, o que mais me irritou e continua me irritando mesmo, são as específicas que ocorrem só em encontros de família (ahh família! rsrs). Tais como a tal da “erva milagrosa” ou o “chá milagroso” ou o “suco de não sei o que”, que ajuda a “baixar” a diabetes. Ou em uma versão mais conformada, ajudam a “controlar” a diabetes. Poxa, que saco, em todo jantar em família é isso, ainda mais naqueles jantares com aquele parente distante que mora láááá… no interiorzão e tu só vê de vez em quando, sabe? Nãããão benhee! Mil vezes nããão! Os únicos que podem meter o bedelho no que tu come é teu endócrino e teu nutricionista! Jamais coma qualquer coisa indicada por sabe lá quem que sequer entende do assunto e nem é médico! Porra, o pior de tudo é a insistência da pessoa, e ainda ter que ouvir argumentos do tipo “ahh mas sua tia com N tantos anos de idade na cara tem muito mais experiência de vida do que esses médicos novos por aí”. Não, pera lá? Então a experiência de vida de uma pessoa invalida o conhecimento aprofundado de outra, em detrimento da pouca idade? Bahhh!

Ok, passando a fase “ge surtado”, então vamos lá, uma versão mais racional: há sim estudos aqui e acolá que comprovam que determinados alimentos, como a couve e a canela, ajudam sim no controle da glicemia. Mas isso não significa necessariamente que a pessoa diabética tenha que parar de tomar insulina e consumir constantemente apenas estes alimentos. Eles podem sim ser um adendo, um auxiliar no tratamento, mas JAMAIS substituir a insulina!

Ainda na categoria “encontros de família”, há também o “não, você não pode comer isso” de um lado, e de outro, o “vai, come só um pedacinho! Poxa, fiz com tanto carinho! Um pedacinho só de vez em quando não faz mal não.” Bom, para o primeiro caso, eu acho lindo a pessoa falar que “você não pode comer batata porque é carboidrato, não pode comer tal fruta porque tem muita frutose, não pode comer isso porque tal coisa, não pode comer aquilo porque…” como se fosse nutricionista, ou teu médico, entendesse TUDO sobre a doença, entendesse todo o seu caso clínico e soubesse muito bem que tal dieta ou tal alimento vai fazer bem ou mal pra ti! Tudo porque “aconteceu com minha amiga porque ela comeu isso aquilo e tal e passou mal…” ou porque “ouvi dizer/li em algum lugar, numa reportagem barata de um fantástico da vida ou algo do tipo”. Arrghh! Ódio mortal, viu? Me pergunto, até quando mel dels, ATÉ QUANDO teremos pessoas com opinião “formada” sobre determinado assunto baseando-se apenas na mídia barata, ein? E mais uma vez, poxa que saco! Eu sei muito bem o que eu posso comer ou não, larga de querer meter o bedelho e controlar minha vida porran!

Já para o segundo caso, faz referência de novo àquela tia parente distante do interiorzão… queridinha, olha só: tu devia aprender que – considerando circunstâncias de um diabético estritamente controlado e que faz contagem de carboidratos certinho – pode-se sim, SE ELE QUISER, comer um pedacinho daquele bolo maravilhoso ou do pudim não sei das quantas. Mas tu deveria aprender também que nem todo diabético é igual, nem todos têm o mesmo controle (e não é por falta de vontade viu?), e por mais que tu queira ser agradável com aquela sobremesa maravilhosa, um pedacinho sequer de pudim ingerido por alguém que não tem um bom controle, pode fazer zuar a glicemia level hard! E não será tu quem irá lutar pra colocar ela de volta no lugar! HAM! Então, minha filha, larga de ser pé no saco e querer agradar até demais, que tu acaba se passando por desagradável!

Quando não são essas perguntas, é aquela clássica “você pode comer isso?”. Poxa, é um saco, em todo lugar que tu vá, seja em almoços ou jantares em família, ou mesmo um happy hour com colegas é a tal dessa perguntinha chata do caralho! É chato tu ter que ficar respondendo toda hora e ter que ficar se justificando… Vai lá explicar em 2 minutos como funciona a contagem de carboidrato e dizer que “sim, eu posso comer de tudo desde que com minha insulina por perto”. ARrgh!

Não menos pior que essas frases, há também aquela “toma… é light!”. Isso sempre acontece quando, por exemplo, tu está lá com teu amigo no supermercado fazendo comprinhas e ele te oferece algo. Arrgh! Como se o sujeito soubesse muito bem a diferença entre light e diet, né? Então deixa o tio ge aqui explicar: via de regra, “light” se refere à redução parcial de algum ingrediente, já “diet” se refere à restrição total. Só que, mercadologicamente, convencionou-se dizer light para alimentos com baixo teor de gordura, e diet com restrição total ao açúcar. Ta, mas cadê os produtos com baixo teor de açúcar, ou lactose, por exemplo? Sacaram a coisa? Esses também são considerados “light”. E pois bem, considerando essa convenção mercadológica, são os produtos diet que são direcionados ao público diabético, e os light ao público… (o que dizer aqui? obesos? gurias que vivem na dieta? Enfim, completem com quiserem). Mas o que me irrita mesmo nisso tudo, para além do desconhecimento da pessoa sobre os termos light e diet, é a pretensão de achar que diabéticos podem comer SOMENTE alimentos light/diet. Nãão poo! Mais uma vez, NÃO! De novo: depende da dieta específica que o diabético segue, depende se ele faz contagem de carboidratos ou não, depende de várias coisas! E poxa, sinceramente? Há alguns alimentos diets por aí que são simplesmente horríveis, horripilantes! Fora que, alguns chocolates como o GOLD (chocolate em pó), e os da linha diatt pode não ter açúcar, mas tem gordura que pelamor! As vezes, dependendo, é melhor comer um pedaço de chocolate “normal” (um diamante negro da vida), do que um diet, já que o excesso de gordura também contribui, em partes, para o aumento glicêmico. Aqui de novo estou fazendo referência à contagem de carboidratos: é só tu contar quantos carboidratos há naquela barrinha, aplicar a ultra rápida e pronto! Seja feliz!

Bom, sobre diabetes e alimentação, é claro que a mídia aí, ou qualquer site que tu entrar, vai dizer que um diabético precisa de uma alimentação equilibrada, rica em fibras e bla bla bla. Mas, mais uma vez, reitero: é teu médico, e somente teu médico (endócrino e nutricionista) quem pode meter o bedelho e falar alguma coisa a respeito de tua alimentação ou tua dieta. É ele quem vai saber determinar qual tipo de insulina é mais adequado para você, bem com qual tipo de dieta ou restrição é boa ou não. Pode acontecer as vezes da contagem de carboidratos – que é um bom método para mim – não funcione bem para você, e por aí vai.

Bom, havia dito mais acima que o início foi tenso, e o controle bem difícil de se estabelecer. Foi só depois de muito tempo que consegui controlá-la, e no começo era restrição total ao açúcar! Só depois de alguns anos é que o médico me liberou a certas extravagâncias, me apresentando outro modelo de tratamento que muito funcionou em mim: o método de contagem de carboidratos.
Em resumo, ele funciona assim: ao invés de a pessoa tomar uma dose fixa apenas uma vez ao dia de insulina lenta (NPH por exemplo), ela toma (além de uma ultra lenta como a lantus) várias doses de insulina ultra rápida (novorapid por exemplo) no decorrer do dia, de acordo com cada refeição. Em cada refeição a pessoa tem que contabilizar quantas gramas de carboidratos serão ingeridos, daí há uma relação entre insulina X carboidrato, que é determinada pelo seu médico endócrino e pelo nutricionista, e a pessoa aplica uma pequena dose necessária àquela refeição. O legal disso é que a pessoa literalmente pode comer de tudo, sem precisar sofrer necessariamente com dietas (a não ser em casos raros que ela seja realmente necessária!), e permite uma maior flexibilização e autonomia para a pessoa, ou ao menos em partes, já que é possível carregar a insulina e as seringas, ou mesmo uma “caneta” aplicadora bem discreta, numa caixinha e guardá-la na bolsa e carregar por aí.

Confesso que no começo deste método (depois de usar somente a NPH com doses fixas por 4 anos) fiquei um tanto confuso, afinal, havia uma tabela enorme com mais de 4 mil alimentos lá pra ser consultada e decorada, e toda hora que eu ia comer alguma coisa tinha que ficar lá pesquisando na tabela quanto de carbo tem tal ou tal alimento, bem como fazer a continha lá de quanto de insulina iria precisar. O mais foda era, por exemplo, eu ir a um restaurante ou a uma pizzaria e ter que carregar comigo uma bolsa, um nécessaire ou algo do tipo, que tivesse dentro meu aparelho de medição de glicose (sim! diabéticos tem que carregar isso pra todo lado, não importa como, mas tem!) e minha tabelinha lá de contagem de carbos para pesquisar. Me lembro de uma vez que estava tão atônito com essa tabela que, distraído, fui comprar água mineral e estava lá eu dando uma olhada no rótulo pra ver quanto de carboidrato tinha hehe… Só depois de um momento é que lembrei que água não tem carboidratos. Enfim, mas apesar dessas peripécias, com o tempo me acostumei a este método e já “decorei” literalmente grande parte dos alimentos que há na tabela, daí não preciso ficar consultando sempre.

Nessas peripécias, me lembro também de uma vez em uma boate em que bebi e obviamente levei minha insulina no bolso, e após fazer minha contagem e tal, fui ao banheiro aplicar insulina. E não é que quando me viram com uma pequena seringa na mão aplicando um negócio branco no braço, acharam que era drogas? Tive problemas em relação a isso, os caras da boate realmente acharam que era droga, mesmo estando escrito na seringa e na ampola bem visíveis “insulina humana NPH/use only for insulin”. Oras! Se nem assim eles acreditaram, que prova maior haveria? Eles chegaram a querer ligar para o meu médico (peensa? as 3 da manhã? bahh!) para comprovar se eu era diabético mesmo!

E em se falando de diabetes e bebida alcoólica… Os impopulares mais chegados sabem que sou um apreciador nato de vinhos e whiskyes, o que me leva a ter certos cuidados. Mas é o seguinte: via de regra, fermentados (cerveja!) fazem aumentar a glicemia, e destilados (vodka!) fazem abaixar a glicemia. Não é a toa que diante de um quadro de coma alcoólico a primeira coisa que injetam na pessoa é “glicose”. Quanto aos drinks, talvez alguns hão de pensar que sejam bons, já que muitas vezes é uma mistura de destilado com coisas doces do tipo leite condensado. É aí que se enganam: drinks com destilados e com alimentos doces podem ser um perigo, uma verdadeira bomba que pode causar a famosa “gangorra glicêmica”: os níveis de glicose no sangue descer e subir a níveis extremos em poucos segundos. Isso é extremamente prejudicial ao organismo. Bom, no mais, siga a risca sua dieta (ou contagem de carboidratos) e jamais exagerem na dose!

Por fim, não chegando a ser falácias ou frases tensas, mas sim mitos e verdades sobre a diabetes, tem aquela “diabetes brocha” e “insulina pode ser usado como anabolizante”. Pois bem, a primeira frase procede desde que a glicemia esteja lá em cima! Nunca aconteceu comigo, mas já ouvi relato de um amigo que foi transar com a glicose lá em cima e… Não deu conta de “segurar o tranco” por muito tempo. Já quanto à segunda frase, não é bem por aí não! O que acontece é que, em dietas de hipertrofia, alguns suplementos como maltodextrose, dextrose, e hipercalóricos fazem com que a glicemia vá lá em cima rapidamente, e consequentemente (em uma pessoa normal!) faça com que libere muita insulina. Isso é bom na medida em que mais glicose, mais insulina = mais transporte de nutrientes (proteínas!) para os músculos. Isso não é necessariamente válido para diabéticos, já que utilizando um desses produtos é necessário reajustar as doses de aplicação de insulina. Numa palavra: se quiser fazer uma dieta de hipertrofia junto à musculação, procure antes um nutricionista.

Bom gente, acho que é isso! Dentre as várias e várias frases, acho que as mais comuns que ouço no dia a dia são essas. No mais, eu digo sempre: informação é sempre bom. É a melhor arma em relação às prevenções e cuidados, bem como serve pra desmistificar certos conceitos já incrustados na cabeça da galera que, por vezes, sequer entende do assunto. Pra finalizar, diria que, em certo sentido, ter sido diagnosticado como diabético teve lá seu lado positivo também. Principalmente porque me levou a, desde cedo, ter de criar responsabilidade e saber dos meus limites. Não que eu não tivesse isso anteriormente, ainda mais com uma educação sempre rígida, quase militar, desde os tempos de bolshoi; mas, viver com diabetes ajudou a atenuar ainda mais esse senso de rigidez e responsabilidade. Pra fechar de vez, só digo: para além de estigmas e preconceitos e vitimizações baratas, dá sim para um diabético ter uma vida normal como qualquer outro, basta ele querer e se cuidar.

Ge


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