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Dés Potas: A raiz de todos os problemas.

| Somir | | 11 comentários em Dés Potas: A raiz de todos os problemas.

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Para quem não sabe o que é a coluna Dés Potas: vá se informar, pois esses textos não seguem a mesma lógica de outras colunas daqui. Um saco ter que explicar toda vez. Obrigado. Tirando isso do caminho… finalmente descobri tudo o que está errado com todos os sistemas de governo: os governados.

É comum dizermos por aqui que democracia é uma merda, mas é a melhor merda que temos. Pois bem, no fundo essa não é a verdade. Todos os sistemas de governo são bons, dos mais liberais aos mais autoritários. Democracias, ditaduras, monarquias e até teocracias são excelentes formas de organizar uma sociedade e fazê-la florescer. Todas podem terminar em estados virtualmente utópicos de felicidade e realização pessoal para todas as pessoas.

Desde, é claro… que as pessoas façam exatamente o que se espera delas em cada um desses sistemas de governo. Não, sério… até mesmo numa teocracia as coisas funcionariam muito bem. O povo teria que seguir exatamente a mesma religião de seus líderes e os líderes seguirem à risca quaisquer escrituras sagradas que se comprometerem a aceitar como verdade absoluta. Colocando isso em prática, e o povo anuindo com essas regras, não tem porque não dar certo.

Imagine uma sociedade onde mulheres não podem estudar. Onde elas todas são obrigadas a casar com quem sua família escolheu e cuidar tanto da casa como dos filhos como seu único objetivo na vida. Agora imagine as mulheres dessa sociedade fazem mais do que obedecer essas regras: elas acreditam de verdade nelas. Fazem o que se espera delas com grande orgulho por isso.

Depois de várias gerações, teremos mães e esposas extremamente competentes no que fazem. Não estou falando só de carinho e dedicação, mas de um senso de dever intimamente ligado com o sucesso de suas crias. Especialistas! Reconhecidas por seus pares como indispensáveis, cobradas por resultados, valorizadas por mérito. E se a filha for mulher, vai aprender desde cedo qual o seu lugar e chegar na vida adulta com um potencial ainda maior de sucesso.

Entendam que eu não estou retirando o valor dos estudos aqui, neste exemplo ele é irrelevante. O sistema de governo não permite isso e o povo concorda integralmente. Se você elimina a rebeldia da equação, a tendência do ser humano é ficar cada vez mais hábil nas funções a qual é designado. Imagine também que nessa mesma sociedade o adultério (feminino) também é punido com uma pena capital. As “maçãs podres” vão ser eliminadas com frequência, passando para frente genes e formas de pensar menos afeitos à essa rebeldia passional, por assim dizer. A quantidade de casos de ofensa aos costumes estabelecidos tende a cair com o tempo também.

Essa é a história humana: ficamos cada vez melhores no que fazemos. Não estou nem considerando bem e mal aqui… Dos honestos aos corruptos, todos evoluíram. O que me leva ao governo da sociedade. Mesmo que no começo a devoção à causa dos líderes seja tão turva quando a dos liderados, ninguém é eterno. Um povo composto de pessoas que acreditam e seguem suas leis invariavelmente vai colocar representantes dignos no poder, questão de tempo. Os menos capazes de praticar o que pregam vão sendo substituídos, até que todos no governo sejam defensores tão ferrenhos do código de conduta local como o povo.

Lembrando: mesmo que as leis te pareçam injustas, isso não muda o fato que a sociedade hipotética aqui perceba-as de forma oposta. O que configura retidão neste exemplo é só o que precisamos para continuar no caminho utópico. Perfeito também é um termo relativo. Com o povo cada vez melhor em seguir essas regras e os governantes cada vez melhores em não violá-las em nome do poder, temos uma vitória social sem precedentes em nossa história.

Tudo funciona. Todos aceitam seus lugares e a percepção de injustiça dilui-se na satisfação média popular. Se todos os elementos de uma sociedade decidem seguir o mesmo caminho ao mesmo tempo, temos um sistema de governo ideal. É fácil assim. Mas é claro que na vida real as coisas não funcionam assim… as pessoas insistem em não compartilhar objetivos e trabalhar em uníssono pelos mesmos resultados.

A única coisa que afasta o injustiçado de um sistema praticamente perfeito é a crença que ele é injustiçado. A partir do momento em que ele acredita que é assim que as coisas tem que ser e que ele deve se tornar cada vez mais eficiente em cumprir seu papel, os problemas começam a desaparecer. Não importa se ele vive num estado democrático ou numa monarquia absolutista, desde que ele aceite o estabelecido como caminho correto, todo mundo tem uma chance maior de ser feliz.

Desde, é claro, que sigamos à risca as regras que nos foram estabelecidas. Pensem bem: as coisas fariam sentido para quem manda e para quem obedece. O problema de todos os sistemas de governo está nas mãos dos detratores. Até mesmo em cenários de capitalismo ou comunismo… O mercado se regula e nos regula. Se soubermos que o lucro é o objetivo final e acreditarmos de coração nisso, sabemos para onde ir! Os sacrifícios acontecem por um motivo, finalmente. E melhor, fica fácil definir quem é útil ou não para esse objetivo: e como estamos num estado de concordância, os mais aptos serão incentivados e os menos corrigidos.

Que o miserável derive orgulho de sua miséria. Que entenda que é seu papel não ter para que outros tenham. Que comece a viver com ainda menos do que vive para permitir que os ricos façam o que fazem com ainda mais eficiência! Quem sabe seu sacrifício seja o começo de uma especialização genética em sobreviver com quase nenhum alimento? Seus filhos serão miseráveis, claro, mas serão miseráveis com menos sofrimento que seus antecessores. Imagine só um rito de passagem de um jovem, encarando uma semana sem colocar uma migalha de pão sequer na boca… e ao sobreviver, sendo reverenciado por toda a sociedade! Imagine o orgulho!

Inocente quem acha que isso não poderia acontecer. Somos seres sociais e temos programados em nós uma satisfação instintiva em pertencer. Numa ditadura comunista, por exemplo, desde que todos trabalhem em prol da igualdade as coisas vão funcionar extremamente bem. Novamente: a pessoa sabe por que está fazendo o que faz. Chega dessa coisa de não ter propósito na vida… você faz parte da coletividade e segue as regras. Você é uma engrenagem perfeita numa máquina muito maior.

As religiões que não me deixam mentir: adoramos essa sensação de pertencimento. Propósito! Metas alcançáveis, estabilidade e previsibilidade. A pessoa nasce, é criada para cumprir uma função social e é justamente isso o que ela faz. Vai dizer que você não gostaria de saber exatamente o que fazer para se sentir realizado(a)? Quantos não gastam os frutos de seu suor justamente procurando por essa resposta?

Escolha o sistema, escolha as regras… não importa quais sejam, se o povo cooperar, vai funcionar. E dado o devido tempo, vai não só se acostumar como defender ativamente a manutenção de ambos. Vão acreditar nisso e se esforçar para ficarem cada vez melhores nesse jogo. Injustiça não é um conceito universal e imutável, ele só existe se você o perceber. Esse gato sempre está vivo e morto.

O caminho da felicidade passa pela aceitação. Pela estagnação. Quando você aceita o sistema, o sistema faz sentido. Sério, é só isso. Todas as revoltas que tivemos contras governos até hoje foram desnecessárias… as coisas funcionariam se tivéssemos insistido o tempo suficiente nelas. As linhagens dos primeiros déspotas escolhidos pelos deuses poderiam estar nos governando até hoje e você estaria com um sorriso no rosto.

A norma era sacrificar virgens para os deuses e matar aqueles que aprendiam a ler e escrever? Tudo bem. Era só ter fechado com essa ideia e não mudado uma vírgula. Deveríamos ter ensinado geração após geração que manutenção era o caminho perfeito. Essas virgens hoje em dia provavelmente seriam reverenciadas e tratadas como rainhas por todas suas curtas vidas. Milênios de especialização e reverência por funções sociais fixas valorizam muito o ser humano. Ainda no exemplo, analfabetismo não seria vergonha alguma. Seria algo digno de grande orgulho. Pessoas felizes com o que são, oras.

A única forma de fazer um sistema funcionar perfeitamente é obedecê-lo perfeitamente. É exatamente por isso que nunca se chegou a um consenso sobre qual deles é o melhor: no final das contas eles são irrelevantes. São os governados que fazem o sistema funcionar. Só eles.

Chega de botar a culpa nos políticos, eles são apenas sintomas da doença da rebeldia. Você só precisa aceitar as coisas como são para resolver todos os problemas e finalmente partirmos para a tão sonhada sociedade ideal. Simples, não?

Para ignorar o primeiro parágrafo, para dizer que não gosta desse tipo de texto indireto, ou mesmo para agradecer por alguém finalmente explicar o que você tem que fazer: somir@desfavor.com


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