Desfavor Convidado: Godzila

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Desfavor Convidado é a coluna onde os impopulares ganham voz aqui na República Impopular. Se você quiser também ter seu texto publicado por aqui, basta enviar para desfavor@desfavor.com.
O Somir se reserva ao direito de implicar com os textos e não publicá-los. Sally promete interceder por vocês.

Série Jornalismo Literário: Godzila.

Ainda falando em documentários, quando o diretor possui liberdade autoral para dirigir o filme, ele pode escolher entre duas grandes vertentes de linguagem documental. Uma delas é fazer parte do filme, aparecendo em entrevistas, dando depoimentos pessoais ou até mesmo sendo personagem na obra. É comum ter nesse tipo de obra a Voz de Deus, que pode ser a narração do próprio diretor. O jargão para esse tipo de documentário é “A mosca na sopa” e pode ser visto nos filmes do Michael Moore (Tiros em Columbine, Sicko, etc).

Já a outra vertente se chama “A mosca na parede”, onde o diretor ou a equipe de filmagem até chegam a aparecer em cena, mas não se envolvem com a narrativa ou se envolvem de maneira muito discreta. É comum nesse tipo de documentário os próprios entrevistados guiarem a narrativa do filme e pode ser visto em filmes como “Garapa” de José Padilha. O diretor tem a liberdade de ousar e criar linguagens inovadoras a partir dessas duas vertentes, mas é preciso ter muita experiência para sair algo de bom.

V

O Somir foi a primeira pessoa que conheci quando me mudei para Campinas, no ano de 1999. Depois conheci o Alicate, o Jão, o Beto e outros personagens que vocês costumam ler aqui no Blog. Esse era um grupo de amigos dele que não mantive muito contato, já que as ideias não batiam e me mantive em um outro circulo de amigos, um que nunca apareceu aqui no blog.

Neste circulo acabei conhecendo o Godzila, um rapaz que na época jogava basquete e era um mané de marca maior. Claro que nos odiamos à primeira vista, mas éramos obrigados a conviver, já que tínhamos um amigo em comum. Porém, ao longo do tempo, esse ódio foi virando uma grande amizade que perdura até hoje. Tanto que sou seu padrinho de casamento.

Ao longo desse tempo, vi muitas mudanças no Godzila, algumas boas e outras ruins. A primeira mudança ocorreu na adolescência, já que ele deixou de ser um mané para virar “aquele cara que pega mulher pra caramba”. Ele também gostava de tirar vantagem sobre tudo e sobre todos. A cada semana ele contava uma nova história sobre alguém que tinha conseguido enganar, claro que o Somir e eu o repreendíamos por isso, mas era como falar com uma porta.

Essa fase continuou até um fatídico dia, quando ele resolveu descer para a praia de moto com um amigo. Quando estavam quase chegando lá, sofreram um grave acidente com outra moto. Godzila e seu amigo ficaram muito feridos. O cara da outra moto faleceu.

Até então Godzila era um cara cheio de marra, malandrão e coisa e pá, mas o acidente mexeu com ele. Durante a recuperação, aos poucos ele foi percebendo que não conseguia mais fazer tudo sozinho e que precisava de ajuda. Seu orgulho foi se lapidando em força de vontade e aquele antigo rapaz marrento foi dando lugar a um homem convicto e dedicado.

Como vocês já devem saber, quando um homem muda assim é porque tem uma mulher na história. Dito e feito, já que ele começou a flertar com uma das enfermeiras durante suas sessões de fisioterapia. Como golpe do destino, eles se lembraram que já haviam se conhecido quando eram crianças e que suas mães eram grandes amigas, mas que haviam se separado por motivos diversos.

Relembrando a infância e superando o presente, essa relação virou namoro, noivado e casamento. Como um anjo a enfermeira cuidou de Godzila e o fez se livrar de uma vez por todas de um passado obscuro. Cuidou de seu corpo e de seu coração, além de aceitar os velhos amigos nerds no pacote. Após um tempo ela engravidou e estava radiante diante da ideia de segurar seu bebê nos braços.

Antes de engravidar, ela praticava esportes, tinha uma alimentação saudável, não fumava e só bebia socialmente. Porém, nada disso impediu que ela tivesse um AVC durante a gravidez. Os médicos não souberam responder de imediato o que causou o AVC, apenas trabalharam com a hipótese de que poderia ser o rompimento de uma veia com má formação.

Eu estava tomando banho quando recebi a notícia e não processei bem a informação. Sai do banho e coloquei em prática a busca por mais notícias, já que boa parte da família deles estava incomunicável. Até então continuei despreocupado, afinal de contas já tinha visto muitos AVCs quando trabalhei como assessor de imprensa de um hospital municipal aqui de Campinas. Por isso sabia que apesar de ser um diagnóstico grave, boa parte das pessoas escapava sem sequelas.

Comecei a me preocupar quando fui informado de que era um AVC hemorrágico, o que torna a situação extremamente delicada para o paciente. A sorte é que ela era enfermeira e estava trabalhando no hospital quando sofreu o acidente. Foi salva por suas amigas que a encaminharam de imediato para a internação.

Quando cheguei ao hospital em que ela estava internada, avisei o Somir sobre o que tinha acontecido e ele chegou minutos depois. Esperamos a tarde inteira e o Godzila só saiu do hospital quando já estava anoitecendo. Ele nos conto que sua esposa havia feito uma cirurgia de emergência para aliviar a hemorragia e estava viva, o que já era uma vitória.

Eu não admitia, mas estava assustado com aquela situação. Com medo de morrer ou perder minha filha. O improvável estava acontecendo com meu amigo e podia acabar acontecendo comigo também. Isso me impulsionou a procurar por ajuda, foi quando sem querer encontrei o Terreiro da Vó Benedita enquanto pesquisava sobre espiritismo na internet.

Ir ao terreiro foi minha forma de homenagear a esposa de meu amigo, já que ela era espírita. Achei que indo na religião dela daria uma força a mais na sua recuperação e cheguei inclusive a convidar o Godzila. Esse contato com a Umbanda foi relatado no primeiro capítulo dessa série e estou lá até hoje, agora colaborando como auxiliar das entidades.

Nesse primeiro dia o Godzila não pode ir ao terreiro, mas na semana seguinte ele foi. Depois de passarmos pela consulta, achei melhor dormir na casa dele, já que ele estava sozinho naquele ambiente com muitas lembranças. Naquela noite conversamos e choramos juntos diante da injustiça do que tinha acontecido. Ele me perguntava os motivos de Deus para tamanha tragédia e eu não tinha respostas para isso.

Em determinado momento ele foi dormir e eu fiquei na sala. Liguei o computador e vi uma cena que me deixou deprimido. Haviam várias páginas de internet abertas, umas com jogos do Facebook que a esposa dele gostava, outras com pesquisas de móveis para o quartinho do bebê. Percebi que aquele computador havia sido usado por ela no dia em que sofreu o AVC e não era tocado desde então. De certa maneira, eu estava profanando as últimas páginas abertas de uma mãe que estava preparando o futuro do filho enquanto distraia a mente em jogos virtuais.

Fechei as páginas, desliguei o computador e me deitei no sofá. Pensando que pouco mais de uma ano antes, era a Kitsune quem ficava no computador procurando móveis para o bebê enquanto se divertia com joguinhos. Histórias tão iguais, com finais tão diferentes… A vida é assim.

Atualmente o filho deles nasceu e é forte como um touro, mas ela continua sem acordar. Não chega a ser um coma, já que ela abre os olhos, mas também não dá nenhum sinal visível de consciência. Mesmo assim ela é uma batalhadora e conseguiu sobreviver em uma situação onde 90% das pessoas acabaria falecendo.

Essa força dela me fez voltar a ter fé na vida e tentar me reencontrar com Deus. Também me inspirou a criar essa nova série de textos e a ter uma ideia: eles serão publicados em um livro. Toda a arrecadação do livro será doada para ajudar o Godzila no tratamento de sua esposa ou nas despesas que tiver em casa. Por isso, até o final dessa série revelarei como vocês podem entrar em contato para colaborar no livro, que será revelado ao mundo até o começo do ano que vem.

Paz Profunda a todos.

Chester Chenson

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Comments (15)

  • Linda inciativa! Acompanho essa história, e tenho certeza que terá um final feliz!! FOCO, FORÇA e FÉ! Me mantenha informada, quero muito ajudar. E Parabéns, você escreve muito bem.

  • Eu pensei que amizade desse jeito não existisse mais. Só conheço gente interesseira, que só me liga quando é pra pedir alguma coisa. Fazem do tipo “Oi, fulana, liguei pra saber se vc tá bem e vc pode ver isso assim pra mim pela internet? Vc pode me fazer um favor?” Aff Dizem que as amizades verdadeiras são as da escola primária. Sempre mudei muito de escola, mas no caso do Chester não era de escola primária. Mais surpreendente ver amizade de homem, dizem que homens não tem sentimentos, parece que mulher é pior. Alguém poderia me dizer como faz pra ter amizade de verdade ou realmente não tem jeito e só 1 em um milhão?

  • Linda iniciativa!!! Vamos ajudar e aqueles que não poderem financeiramente, podem ajudar através de orações pela vida e pela saúde da nossa amada amiga Aline. Pedir também mta força, coragem para que a família permaneça unida no amor e na fé!!!! grande bjo

  • Carla Carolina

    Você é mesmo um cara sensacional!! Estou feliz e orgulhosa de ver que você voltou a acreditar em Deus e no seu amor…seja da forma que for! Estamos em oração pela sua amiga…porque toda essa força não pode ser em vão!! Saudades de você, sxu!!

  • Um acontecimento triste e repentino, do tipo que realmente faz as pessoas repensarem sobre a vida, e o quão frágil ela é. E o livro é uma bela iniciativa, mostra o quão verdadeira é sua amizade. Parabéns.

  • Gostei do relato… mas somente uma dúvida… em uma parte do texto você diz que ficou com medo de perder sua filha… isso significa que vocês dois “ficaram grávidos” ao mesmo tempo? Ou sua filha já havia nascido (sua mulher é a Kitsune)?

    Gostaria que me mantivesse informada sobre a publicação do livro. Obrigada. :-)

    • minha filha estava com um ano e alguns meses quando essa minha amiga teve o avc….
      o caso foi tao repentino que fiquei com minhocas na cabeça e com medo da morte….
      cai na paranoia de que poderia morrer a qualquer momento ou ter um problema grave de saude….
      essa paranoia se expandiu para o medo de perder minha filha por algum motivo do destino….
      se eu nao tivesse tomado cuidado, poderia ter virado sindrome do panico ou algo parecido…
      ainda bem que encontrei pessoas que souberam como me ajudar com um pouco de psicologia e espiritualidade….

  • Eu ouvi falar desse caso, uma colega de trabalho a conhecia e também recentemente foi publicada uma reportagem no Correio Popular. Eu gostaria muito de poder colaborar!

  • Seu eu não fosse tão fudido das finanças, ajudaria, mas com certeza posta aê pra comprar o livro que eu compro e ainda compro mais pra dar de presente. Vc escreve bem pra cacete.

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