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Somir Surtado: Não fode!

| Somir | | 42 comentários em Somir Surtado: Não fode!

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A natureza encontra uma forma. Essa não é só uma citação de Jurassic Park, é também uma das maneiras de se analisar uma matéria recente lançada pelo jornal inglês The Guardian intitulada “Por que os jovens japoneses pararam de fazer sexo?“. As taxas de natalidade por lá nunca foram tão baixas. E não é mais por causa de poucos filhos por casal, é por falta de casais mesmo. Bem que dizem que animais em cativeiro tem mais dificuldades para cruzar…

E se você achou que eu passar o texto todo falando do lado negativo disso, não prestou atenção que coluna é essa. O negativo todo mundo percebe, mas qual a graça de ter essa coluna nerd se eu não usar um tema desses para especular sobre coisas além de sexo e relacionamentos? Leia a matéria “traduzida” no UOL se quiser algo mais tradicional. Pois bem: Redução da natalidade e “atraso” para formar famílias são características de sociedades avançadas, mas principalmente das saturadas com toda essa coisa de viver uma vida que vai além da subsistência.

Apesar do Japão levantar a bandeira desse novo caminho no desenvolvimento social humano, não dá para botar tudo na conta de excesso de gente. Países que já são populosos continuam com estatísticas de natalidade crescentes. A população mundial ainda vai aumentar consideravelmente antes de começar o processo de estagnação e queda. São países com altos níveis de desenvolvimento humano que estão encolhendo de forma mais rápida.

Estatísticas apontam relação direta entre educação e número de filhos, em qualquer lugar do mundo. Mais educado, menos filhos… Isso parece positivo até que surja uma (justa) preocupação com toda nossa cadeia de produção de valor e programas sociais, resultante do envelhecimento da população. Realmente, tem que ter um meio termo para não acabarmos extintos ou afogados por imbecis à lá Idiocracy.

Quando matérias como a que ilustra este texto surgem na mídia, a primeira coisa que passa na cabeça das pessoas é que essa gente que não está se reproduzindo de acordo com o esperado está passando por problemas psicológicos sérios ou mesmo que são aberrações sexuais. Há lógica nessa ideia, mas… e eu só estou trazendo o assunto à tona… e se isso não fosse nada além de um caminho natural para a evolução humana? A tendência verdadeira do ser humano?

Porque mesmo países como China e Índia vão acabar passando por essa fase. Não vai ser proibição que vai impedir as pessoas de gerarem descendentes, vai ser um padrão de vida que coloca em perspectiva o “milagre da família”. Os japoneses da matéria falam sem meias palavras: Essa coisa de casar e ter filhos é mais problema do que eles podem e/ou querem lidar. O Japão passa LONGE de ser um lugar onde se leva uma vida mansa, mas há um grau de sofisticação tão elevado no que tange necessidades básicas da vida humana que toda essa experiência de subsistência meio que se funde com outras prioridades, desejos e opiniões.

Ter dez filhos para “vingar” uns cinco e ter alguém para pagar as contas na velhice é resquício de tempos anteriores à civilização. De quando o espaço era vasto e os recursos limitados pela sua possibilidade de criá-los. Estamos seguindo a passos largos para algo bem diferente: Um mundo apertado e com todo mundo disputando mais ou menos as mesmas coisas. Nessa realidade ter filhos mais atrapalha do que ajuda. O que é bom para os planos de previdência social normalmente não anima demais a população mais jovem.

Pode ser um amontoado de problemas quando fazemos as contas localmente, mas do ponto de vista da natureza, do quadro mais geral possível, é a solução! Esse grande ecossistema que sustenta a vida em nosso planeta nunca foi conhecido por ter planos muito bem definidos… A evolução e o acaso sempre deixam tudo para a última hora. Pior de tudo, quase sempre com resultados desastrosos. Somos mero resquício de bilhões e bilhões de espécies extintas, ganhadores de uma loteria genética cujas chances de acerto fariam a Mega Sena parecer um cara-ou-coroa em comparação!

Mas mesmo assim, pelo menos sob o nosso ponto de vista, o plano criado “na hora” pela natureza funcionou bem até demais. Para um mundo muito explorável, reprodução e adaptabilidade são receitas de sucesso. Tivemos tanto sucesso com essa obsessão por fazer filhos que ganhamos a disputa de uma vez por todas e somos a espécie dominante do planeta. Mesmo não sendo uma das mais fortes… Ganhamos pela inteligência, mas muito também pelos números.

E com essa vitória, um espólio inesperadamente indesejável: O que fazer com esse mundo? Entramos recentemente no século onde somos finalmente obrigados a responder essa pergunta sob o risco de perder o ânimo para continuar. Claro que muita gente nesse mundo ainda é miserável demais para partir para esse lado mais abstrato, mas a queda na taxa de natalidade que se observa atualmente em vários países demonstra que para muita gente a era das Conquistas já deu o que tinha que dar.

Sobra para essas pessoas um mundo mais lúdico e egoísta. Onde as linhas entre realidade e virtual vão se perdendo aos poucos e formar relacionamentos físicos com outras pessoas começa a se tornar não mais um risco (aceitável), mas um desperdício de tempo. No Japão, seguindo o exemplo, é muito forte uma cultura de desumanização do real e humanização do lúdico. As pessoas vão se tratando de forma cada vez mais fria; ao passo que personagens de filmes, games e desenhos animados vão se tornando cada vez mais uma escapatória idealizada do contato humano.

Vou ganhar o troféu nerd virgem do ano com esse parágrafo, mas lá vai: A questão sobre essa parcela da humanidade não é mais entender porque tem gente preferindo depositar seus sentimentos e fetiches em personagens de desenho animado ao invés de pessoas de carne e osso. E sim saber quanto tempo vai demorar até que isso seja inevitável. Por que vai ser. Os países mais pobres vão segurar essa tendência ainda por várias e várias décadas, mas não para sempre.

Ao invés de pensarmos apenas em como isso é triste, que tal tentarmos enxergar o processo como um todo e nos prepararmos melhor para esse admirável mundo virgem? Negação é um caminho certeiro para ser pego de surpresa (essa frase fora de contexto me faz parecer um idiota). Quando uma notícia sobre a redução acentuada da reprodução entre os jovens estiver vindo de um país como a Índia, a coisa pode estar feia demais para tratar.

E ai de nós como espécie se nesse meio tempo não tivermos nos preparado para trocar reprodução por manutenção. No dia em que a maioria da população mundial tiver até nojo de fazer sexo com uma pessoa de carne e osso, nossa única esperança é uma forma de viver indefinidamente. E não ache que eu estou viajando demais não, o que configurava encontro sexual “normal” nos últimos séculos desencorajaria a maioria de nós atualmente. Principalmente no que tange consequências (gravidez e/ou compromisso) higiene (banho uma vez por dia? Isso é coisa de gente porca que fica se sujando!) e aparência (se você torce o nariz para um pouco de pelos, ficaria só com sua mão se estivesse no “mercado” há uns vinte ou trinta anos atrás). Estamos mais e mais frescos com sexo a cada dia que passa (nem é reclamação, é constatação mesmo).

Os sinais estão aí. Isso não é só o reflexo de uma sociedade castradora como a japonesa, os nipônicos nada mais são do que um balão de ensaio extremamente concentrado do que é a humanidade. Até por isso eu acho uma bobagem querer tratar esse assunto exclusivamente incentivando as pessoas a fazer mais sexo. Mal não vai fazer, mas é burrice não ter um plano B.

A natureza está dando seu jeito e fazendo seu trabalho de controlar a infestação humana, cabe a nós começar a entender que as coisas acontecem por motivos mais complexos do que inadequação sexual de bicho genérico. Tem mais coisa aí. Pena que todo mundo vai acabar discutindo SÓ como os japoneses da matéria são otários e piores do que eles por não quererem sexo.

O ideal seria que a discussão passasse TAMBÉM por esses pontos: Dado que reprodução está ficando obsoleta, como estender com qualidade a vida das pessoas que já estão nesse mundo? Como “terceirizar” a reprodução para garantir a reposição das peças perdidas? Como usar a “indústria de fuga” dessas personagens lúdicas para incentivar o encontro de mais casais? Não basta apontar o dedo e chamar de aleijado emocional. A merda de usar deslocamento para forçar alguém a se adequar ao bando é que eventualmente os deslocados ganham números e se sentem mais seguros.

Atenção: Isso já acontece com muita frequência por causa da internet. Gente que se apaixona por personagens ficcionais, gente que se concentra exclusivamente em uma atividade virtual… Todos eles já são capazes de se agrupar e fortalecer um a escolha do outro. Reforço positivo tem o hábito de ganhar de goleada do reforço negativo. Se mil pessoas ridicularizarem e meia dúzia apoiarem, o apoio vai ter mais poder. Tudo bem que falta de bullying é um problema em nossa sociedade, mas temos de entender quando a maré muda e uma tática começa a perder sua força.

Talvez a humanidade se acabe na punheta se não souber lidar com os nerds virgens! Seria um final irônico, pelo menos.

Para dizer que esse texto seria muito mais divertido se a Sally escrevesse (tem lógica), para dizer que esse papo de celibato por opção é sempre por opção dos outros (também tem lógica), ou mesmo para dizer que falta de sexo é e sempre será o problema desse mundo: somir@desfavor.com


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