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Publiciotários: Foi pra rua!

| Somir | | 26 comentários em Publiciotários: Foi pra rua!

Mais um dia, mais gente nas ruas protestando. E não só mais nas grandes capitais, o movimento se espalhou até mesmo para cidades bem mais acanhadas e interioranas. Autoridades, analistas e especialistas de todos os lados tentam explicar o que está acontecendo no Brasil: descaso do poder público, repressão violenta da polícia, proximidade de grandes eventos esportivos… Só que tem uma “culpada” que está passando despercebida nessa história toda: a publicidade.

A campanha da Fiat, baseada na música grudenta cantada por Falcão (não confundir com o outro, que é cantor brega assumido e não se vendeu) acabou virando hino das manifestações recentes. O refrão que chama para a rua caiu como uma luva para inflamar os ânimos de quem anda encarando esse frio maldito de Junho para participar do movimento.

É até poético que uma música alienante como essa (torce aí macaquito!) seja apropriada pela maior prova de engajamento político dada pelo povo brasileiro nas últimas décadas. Música feita para publicidade é planejada nos mínimos detalhes para ser agradável e vazia o suficiente para não fazer os consumidores pensarem muito. Nem cabe muita mensagem nos formatos mais comuns de mídia mesmo…

Até por isso em todo esse caso, a Fiat e a agência criadora da campanha acabaram tratadas como meras casualidades nesse movimento popular. Evidente que a empresa mal sonhava com essa relação, e evidente que eles queriam mesmo é aproveitar a onda da Copa do Mundo para empurrar sua marca um pouco mais fundo na cabeça das pessoas, como de costume.

Quando eles dizem que a campanha sairia do ar mesmo nessa semana, parece bem razoável mesmo. Não são os protestos, é o chamado plano de mídia: campanha começa um dia, termina um dia. E depois de quatro meses, faz sentido mesmo que se dê uma renovada. A campanha nas redes sociais foi reduzida, porque essa deveria durar mais tempo. Sinal de que mesmo que seja bacana ter uma peça publicitária tão famosa, empresa desse porte NUNCA vai se arriscar a tomar uma posição passível de represália. Ver a música montada num vídeo com violência e vandalismo pega mal.

Nada de novo no fronte, certo? Certo e errado. Duas frases de efeito fizeram muito sucesso nesses últimos dias: “Vem pra rua” e “O gigante acordou”. Campanha da Fiat, como já vimos; e campanha da Johnny Walker. Antes disso, outra frase feita em laboratório por uma agência de publicidade também estava sendo usada e abusada para criticar as ingerências e abusos do governo: o “Imagina na Copa” da Brahma.

A publicidade está fazendo o de sempre, mas NÃO é coincidência que essas campanhas babacas e ufanistas estejam tão infiltradas assim nesse surto de contra-cultura que se espalha pelo país. Muito se fala sobre o momento atual de atenção mundial e proximidade com a Copa potencializarem os efeitos dos protestos, mas pouca gente parece ter prestado atenção em como esse clima de orgulho nacional misturado com revolta foi se armando nos últimos tempos.

E isso pode botar na conta da publicidade, sim senhores. Quando chega um evento como uma Copa do Mundo desses num país cujo orgulho passa muito pelo futebol, a forma mais segura de se trabalhar em campanhas para essas marcas gigantes é bater na tecla do ufanismo. As propaganda viram todas Galvão Bueno, ensandecidas com a paixão do brasileiro pelo esporte. Povo orgulhoso bota mais a mão no bolso. Criar clima de confiança e esperança faz muito bem para as vendas.

E nesse samba de uma nota só, enaltecendo o povo brasileiro e sua passionalidade pelo futebol, a publicidade foi lentamente armando a bomba que estourou nos últimos dias. Se não fosse a reação bisonha das tropas de choque, tudo correria como planejado. Mas depois de muito gás lacrimogênio, spray de pimenta e balas de borracha, ocorre um fenômeno de dissonância cognitiva (termo fresco para confusão) entre a realidade escrota que o brasileiro vive e a felicidade artificial empurrada goela abaixo pela publicidade.

Imagens como as da campanha da Fiat – com gente na rua unida para celebrar – tem um poder inconsciente muito grande! Se foram as cenas poderosas e inimitáveis da realidade dos protestos em São Paulo, Rio e Brasília que botaram fogo no povão para entrar de vez nesse movimento, antes mesmo disso tinha uma imagem psicológica de união popular dentro da cabeça do brasileiro. A pessoa sabe que aquilo parece certo, mesmo sem conseguir apontar direito o motivo.

Em publicidade, chamamos isso de “ativação”. Quando se exibe um material para os consumidores que os lembra de todas as mensagens colocadas sorrateiramente em suas cabeças em momentos anteriores. A própria Fiat vai partir para essa fase depois da campanha do “Vem pra Rua”, porque musiquinha por si só não vende carro. Tem que te chamar para comprar logo depois, preferencialmente com aquela ideia “alienígena” de confiança e esperança na cabeça.

Eu acho hilário que um bando de manifestantes do Movimento Passe Livre tenha começado algo que ATIVOU ANTES DA HORA meses… ANOS de preparação das grandes marcas aqui no Brasil. Aquelas imagens de povo unido na rua foram planejadas para vender coisas para você. Mas sem o menor aviso, tudo veio à tona para tirar o brasileiro do berço esplêndido e colocá-lo gritando palavras de ordem nas ruas!

Queimaram as campanhas. Queimou o filme da Copa. Sem querer o brasileiro passou uma rasteira LINDA nos safados que estavam querendo enfiar essa merda de ralo de dinheiro público nas nossas vidas, certos da impunidade. Claro que não vai acabar com as marcas, claro que a economia não vai entrar em colapso, mas as empresas e agências que estavam contando com a estratégia da ativação para a Copa vão ter que rebolar agora.

Existem muitas vitórias nesse movimento, mesmo que ele pareça uma amálgama de frustrações sem muito objetivo. Não existe algo como mais de duzentas mil pessoas saindo às ruas não causar nenhum estrago nos planos de gente rica e poderosa.

Mesmo que eu tenha cantado essa bola, fica a dica: Vá para a rua! Ative esse veneno ideológico ufanista colocado na sua cabeça nos últimos meses da forma menos lucrativa possível para as grandes empresas, governos e entidades escrotas como a FIFA. Ative nem que seja marchando por meia hora e xingando o vento gelado, aposto que a sua vontade de comprar coisas vai ficar um pouco menor. E protesto que vai no bolso deles dói o dobro.

E pode apostar que pelo menos para você não vão ser vinte centavos.

Para me chamar de anti-corporativista, para reclamar que não fizeram essa porra toda no verão, ou mesmo para dizer que não vai para a rua porque tem muita gente por lá: somir@desfavor.com


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