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Etarismo?

Etarismo?

| Sally | | 14 comentários em Etarismo?

Vamos falar sobre etarismo e mulheres?

Durante muito tempo considerei o assunto como menor, supérfluo e até infantil, mas está ganhando destaque suficiente para merecer um texto. Esta semana uma atriz brasileira foi para as ruas protestar contra etarismo, com direito a cartaz escrito “nós não estamos velhas aos 62 anos”.

Tempo de leitura: 1 ano

Resumo da B.A.: idade não mede a idade. Ou não.

POWERED BY B.A.

Fiquei perplexa. Se no país com mais homicídios do mundo as pessoas estão achando prioridade ir para a rua com esse tipo de cartaz, o assunto precisa ser conversado. Agora eu quero falar.

O dicionário define etarismo como “um tipo de preconceito, discriminação ou intolerância contra pessoas ou grupos por causa da idade”. Então, percebam, para ser etarismo tem que ser uma afirmação infundada, fruto de preconceito, discriminação ou intolerância.

Portanto, só para citar um exemplo, dizer que aos 40 anos a mulher já está acima da idade para ter um bebê, não é etarismo, é um fato científico. Ela pode até engravidar, mas já passou da idade ideal de engravidar e existem consequências. Entre muitas, será uma gestação com maior risco de saúde para a mãe e maior probabilidade de problemas para o filho.

Então, muita calma antes de trucar e sacar a carta do etarismo. Etarismo não “alguém falou algo que me incomodou sobre a minha idade”. Pessoas envelhecem e envelhecer traz consequências. Apontar essas consequências não é etarismo.

Vamos aproveitar o caso que inspirou este texto e avaliar a situação de atores e atrizes. Um ator ou uma atriz é uma pessoa que empresta o corpo para dar vida a um personagem. Quanto mais versátil for esse corpo, maior será a quantidade de papéis que a pessoa estará apta a interpretar.

Uma pessoa magra pode interpretar uma pessoa gorda, vide Brendan Fraser no filme “A Baleia”. Mas, uma pessoa gorda não pode interpretar uma pessoa anoréxica, por exemplo. Assim como uma pessoa com sotaque latino não pode interpretar uma figura histórica americana. O corpo impõe limites de acordo com o que pede cada personagem.

E o envelhecimento está incluído. Um ator ou uma atriz jovem podem interpretar o papel de um idoso, vide Brad Pitt em “O curioso caso de Benjamin Button”. Mas uma pessoa idosa não pode interpretar um adolescente, pois seria simplesmente ridículo. Então, nessa profissão específica, uma profissão que trabalha muito com corpo e aparência, envelhecer fecha portas. Não por preconceito, mas por ser inerente à função que o corpo desempenha.

Envelhecer fecha portas para ginastas, jogadores de futebol e atletas no geral. Assim como fecha portas para qualquer pessoa que dependa do seu corpo. E percebam que, via de regra, profissões nas quais se depende do corpo costumam ser mais bem remuneradas, justamente por isso: seu tempo de vida útil para o trabalho é menor.

E ninguém te obriga a escolher uma profissão, atividade, ofício ou função que dependa do corpo. É uma escolha pessoal sua, que tem seus ônus e seus bônus. Na hora do bônus ninguém reclama, né? Parece que as pessoas querem o bônus sem nenhum ônus.

Subindo mais um degrau na escala de argumentos incômodos, vamos falar sobre como etarismo impacta cada pessoa de acordo com suas escolhas. Nós escolhemos as “armas” que usamos na vida. Algumas pessoas escolhem se afirmar, serem admiradas ou serem monetizadas pelo seu corpo ou aparência. E tá tudo certo, escolha pessoal de cada um. Só que quando você escolhe essa “arma”, tem que saber que ela tem vida curta.

Perguntem aos leitores que me conhecem, ou ao Somir: eu me considero uma pessoa bonita. Mas nunca na minha vida escolhi minha aparência como meu principal recurso de apresentação ou sustento, justamente por saber que ela tem prazo de validade. Aqui vocês conhecem minhas ideias, minhas opiniões, minhas pesquisas.

Diferente da mulher cujo principal atrativo, principal chamariz, principal foco está no corpo, no físico, na aparência. Se a pessoa fez fama postando foto de biquini no Instagram, eventualmente, quando ela envelhecer, a audiência pode reclamar, pois, para aquilo que ela escolheu, que é mostrar um corpo atraente, a idade vai comprometer a qualidade do conteúdo.

“Mas Sally, é um absurdo que corpos velhos sejam considerados menos atraentes”. Eu também acho. Mas as coisas são como elas são, não como a gente gostaria que elas fossem. É uma herança evolutiva: o ser humano está programado para achar atraentes mulheres que têm características físicas que indicam que ela pode ser uma boa reprodutora. Passou dessa fase? Não será tão atraente. Desculpa, é como as coisas são e não será um protesto com cartaz a mudar isso.

Não dá para colher todos os benefícios de usar corpo e rosto bonitos como cavalo de batalha para a vida (que, diga-se de passagem, facilitam muitíssimo as coisas) e depois, na hora em que o recurso previsivelmente esgota, reclamar, sair na rua com cartaz. Não dá. Quando convinha, jogou as regras do jogo e se beneficiou muitíssimo dele. Quando não convém mais, quer mudar as regras do jogo. Se é ofensivo que pessoas jovens sejam consideradas bonitas, não explore sua beleza quando for jovem. Mas, novamente, as pessoas querem o bônus sem o ônus.

O problema de protestar e militar por essa causa é: não se pode obrigar ninguém a te achar atraente. Acredito que todo esse bolo fecal de body positive já tenha provado isso. O máximo que você consegue é constranger as pessoas de dizerem que não te acham bonita. E, francamente, pra quê? Para não ferir seu ego, só se for. Não vai ser um ego ferido de uma mulher +40 que vai fazer com que as pessoas achem bonito um corpo que não exala mais jovialidade.

Quem não quer perder oportunidades ou admiração por envelhecer não tem que pautar sua vida, sua produção, sua entrega em corpo, em rosto, em aparência. E aí vai ter que trilhar um caminho muito mais difícil, mas em compensação, mais duradouro, pois a idade vai jogar a favor, não contra. Quanto mais experiência, mais conhecimento e mais você tem a dizer. Escolheu pautar em aparência? Lamento, seu recurso tem prazo de validade – e você sempre soube disso, não vem fazer o Pikachu surpreso.

“Mas Sally, empresas demitem pessoas pela idade”. Empresas são, em sua maioria, lugares nos quais mulheres são contratadas levando em conta sua aparência. Ao menos no Brasil. E como qualquer lugar que trabalha com aparência, você pode ser descartado ao envelhecer. Tem maridos que casam com a aparência, e vão te largar quando ela decair. Tem empregos que contratam com base na aparência, e vão te demitir quando ela decair.

Saiba escolher. Se você se vender (no bom sentido) usando a aparência como seu maior atrativo, é nisso que as pessoas vão focar e você vai atrair pessoas que buscam a sua aparência – e quando ela decair, essas pessoas provavelmente vão embora. Escolha melhor se não quer esse desfecho. Se posicione melhor. Valorize outras coisas suas. Na hora de posar para a Playboy ninguém reclama que só corpos jovens são valorizados, não é mesmo? Muito pelo contrário, reforça essa indústria.

E, percebam, não há qualquer carga de julgamento aqui. Acho perfeitamente válido que uma mulher explore sua beleza até dizer chega, faça um belo pé de meia e viva dessa renda até o fim da vida. Minha crítica não está aí.

Minha crítica é fingir demência e achar que esse prazo de validade ligado a aparência e a estética não existe ou que é uma barreira a ser derrubada. Ele existe, não vem dizer que você não sabia ou não concorda. As coisas são como elas são, não como a gente gostaria que elas fossem. A realidade é essa. Tem o bônus de conseguir dinheiro com muito mais facilidade, tem o ônus de ter uma vida útil menor.

Subindo mais um degrauzinho, seria o caso da gente se perguntar que tipo de pessoa precisa levantar um cartaz dizendo que não está velha. Sinceramente, é tão importante assim o que as pessoas pensam de você? Beleza, feiura, juventude, velhice… são todos conceitos subjetivos. Talvez para algumas pessoas eu pareça mais velha do que a Demi Moore, que tem quase 20 anos a mais do que eu. Para outras talvez eu pareça mais jovem. E tá tudo certo, as pessoas têm esse direito a uma percepção sobre a jovialidade de alguém.

A partir do momento em que uma pessoa não tem mais o direito de olhar para você e te achar velha, entramos em um mundo de faz de conta, de hipocrisia, de coação social que sabemos muito bem onde desemboca: mulher de 450kg ganhando concurso de Miss para que os organizadores do concurso pareçam inclusivos, disruptivos e recebam aplausos de uma bolha.

Quer me achar velha? Sagrado direito seu. Quer achar que meu corpo está meio caído? Sagrado direito seu. Veja bem se eu vou me incomodar com o que desconhecidos acham de mim ou com os adjetivos que eles me atribuem. Não sobra tempo para viver se a gente se importar com isso. Ao menos a mim não sobra tempo, provavelmente porque eu cuido do cachorro que adotei, que dá um trabalho danado, em vez de bater nele com cabo de vassoura e devolver para o abrigo.

Pessoas vão achar a todos nós velhos um dia, isso é um fato e é um direito delas. E isso só é um problema quando corpo é tudo o que você tem a oferecer, caso contrário, não tem que fazer disso uma questão muito menos se sentir incomodado. Por sinal, tem questões muito mais importantes para serem trabalhadas nas pessoas e no mundo.

E finalmente, subindo o último degrau, vamos para o ponto mais desagradável da conversa: pega bem falar que idade é apenas um número e não te define, mas não é verdade. Por mais jovem que você se sinta, um corpo de mais de 60 anos é diferente e funciona diferente de um corpo de 20. Não é à toa que após os 60 as pessoas são consideradas idosas por lei e tem uma série de direitos especiais. Limitações físicas e cognitivas aparecem, quer você queira, quer não.

O corpo é uma máquina que envelhece pelo decurso do tempo. Por mais que você se cuide muito, por mais que você faça tudo certo, vai perder em capacidade. Os reflexos não serão os mesmos, a força não será a mesma a capacidade mental não será a mesma. E é normal. Perde-se massa muscular, neurônios morrem, células oxidam. Querer convencer o mundo de que idade “é só um número” é negar a ciência tanto quanto dizer que vacina causa autismo.

O que não quer dizer que uma pessoa idosa seja inferior a uma pessoa jovem. É possível argumentar, por exemplo, que com o ganho de experiência, vivência e maturidade se compensa essas outras perdas, inclusive sobrepassando-as, o que te torna uma pessoa ainda mais perspicaz. Mas querer empurrar que envelhecer não faz qualquer diferença no corpo e na mente não dá. É negar algo cientificamente comprovado. Faz a causa parecer esquizofrênica. Chega a ser ofensivo para quem tem um pingo de inteligência.

Idade é só um número? Vai lá ser ginasta com 62. Tenha um filho, engravide com 62. Bebe, vira a noite e vai trabalhar no dia seguinte. Come tudo que você comia com 20 anos, nas quantidades em que você comia e me conta o resultado. Não toma reposição hormonal, já que idade é só um número e me diz o que acontece com seu humor, sua pele e seu cabelo.

Você, jovem, não caia nesse devaneio de adolescente de cabelo branco: idade não é só um número. Ocorrem mudanças físicas, hormonais e cognitivas no corpo. Isso quer dizer que sua vida acabou? Não. Se você souber se adaptar, a vida pode ficar até melhor. Mas chegar na terceira idade esperando tudo igual à juventude não vai ser uma experiência agradável.

Imagina se a moda pega: “peso é só um número, eu me sinto magra”, aí vai a pessoa fazer ginástica olímpica e estoura o joelho. “pênis é só um órgão, eu me sinto mulher” aí não faz exame de próstata e acaba morrendo de um câncer que poderia ser tratado. Meus queridos, foda-se como vocês se sentem, contra a realidade e a ciência o querer humano nada pode.

Nada mais digno e bem-resolvido do que admitir que o corpo e a mente mudam com o passar dos anos e estar de bem com essas mudanças, em vez de carregar cartaz dizendo que idade é apenas um número. Faça as pazes com essas mudanças. Ame-as. Descubra tudo que elas podem te trazer de bom.

Essa negação-lacração, que ainda constrange as pessoas a contestarem, é muito infantil e causa muito mal, inclusive para as pessoas que já estão experimentando os efeitos da idade, mas não tem um arsenal de médicos e procedimentos estéticos para camuflá-los.

Muito fácil falar que idade é só um número quando se está entupida de reposição hormonal, cheia de procedimento no rosto, cabelo pintado, personal e suplementos de todas as cores. Faltou um pouquinho de senso da realidade.

Para tentar mostrar ao mundo quão jovial é, a pessoa faz um desfavor criando uma falsa expectativa que certamente faz todo mundo que tem uma limitação em função da idade se sentir muito mal. Era mais fácil e mais correto resolver essa questão dela com idade e com querer ser vista como jovem por todos na terapia.


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