Suborno pessoal.

Sistemas cagados como o brasileiro são terreno fértil para a corrupção. Uma das formas mais comuns é o ruim e velho suborno: oferecer vantagens para um agente público (ou privado) agir de acordo com o seu desejo, contra a lei ou as diretrizes do seu trabalho. Sally e Somir concordam que isso é um câncer no país, mas não sobre qual dos envolvidos é mais culpado. Os impopulares respondem pelas vias oficiais.

Tema de hoje: quem é pior, quem oferece ou quem aceita suborno?

SOMIR

Quem aceita é pior. Quem está sendo corrompido é quem aceita o suborno. Quem oferece o suborno já está todo errado, não tem mais nada o que discutir nessa pessoa. Quem está diante da opção de aceitar ou não o suborno ainda está numa “superposição” de honestidade e corrupção, que só vai ser definida quando responder.

Numa sociedade com tanta desonestidade como a brasileira, é importante entender esse tipo de sutileza, porque é dela que deriva boa parte da podridão que vemos ao nosso redor. A pessoa não se dói por ser corrompida, a sua defesa interna para esse tipo de comportamento fica enfraquecida por ver quão pouco os outros ligam para isso.

E esse ciclo se quebra um exemplo por vez. Quem oferece o suborno já desistiu de qualquer semblante de honestidade, é uma pessoa perdida. Mas ainda existe um elemento não corrompido na história. É isso que eu gostaria que mais pessoas entendessem: você ainda tem a escolha de fazer a coisa certa. Não importa que o outro tenha se corrompido, você ainda pode fazer melhor.

E tem algo fundamental aqui: quem aceita o suborno está subvertendo a sua função. Seja você um funcionário público ou privado, existe um conjunto de regras e expectativas sobre o seu trabalho. Você está nessa posição porque presume-se que vá conseguir cumprir. E especialmente no caso do serviço público, muita gente depende de você.

O escroto que oferece suborno para um funcionário da Secretaria de Educação trocar ingredientes da merenda escolar por produtos de baixa qualidade não tem o trabalho de cuidar da qualidade da educação de crianças, o funcionário que aceita o suborno tem. Quem oferece o suborno não é parte do sistema sendo corrompido. Quem aceita é.

Quem aceita o suborno aceita fazer algo errado mesmo tendo prometido que não faria, mesmo tendo a confiança tácita de outros que faria o seu trabalho direito. Se a oferta de quem suborna fosse melhor para a entidade para qual o subornado trabalhasse, convenhamos que não precisaria desse incentivo extra, não?

A pessoa que prometeu vigiar o portão para não deixar lobos entrarem no pasto das ovelhas… deixou o lobo entrar. Não quer dizer que o lobo não seja lobo, mas quer dizer que ninguém esperava dele fazer qualquer coisa que ajudasse na segurança das ovelhas. O maior escroto é quem traiu a confiança dos outros no trabalho que disse que ia fazer.

Não é função social do vendedor de remédios oferecer o melhor custo-benefício para os pacientes, mas é função dos técnicos que aprovam e estocam os hospitais com eles. O subornador não prometeu fazer a coisa certa, o subornado sim.

E nessa questão de ovo e galinha, eu tenho uma resposta: o subornador só existe porque sabe que existe gente que aceita. A ideia que você pode pagar para fazer o que quiser em shitholes como o Brasil é sustentada pelos escrotos-mór que pouco se importam com as consequências negativas de sua incompetência corrupta.

Não sei se é uma questão psicológica oriunda das religiões monoteístas, mas essa coisa de viver colocando a culpa de tudo no Diabo é terreno fértil para justificar comportamentos errados. A pessoa não se sente responsável pelas escolhas que faz, sempre tem um elemento externo que praticamente a obrigou a fazer besteira. Parece que está todo mundo com uma arma na cabeça sendo “mandado pelo Diabo”.

E essa mentalidade se muda também com mais cobrança sobre se permitir ser subornado o tempo todo. A verdade é que toda essa história de ter um país onde as coisas funcionam é baseado no desejo interno do cidadão de ter um país onde as coisas funcionam, desejo e esforço para isso acontecer. Esforço personalíssimo de obedecer às regras combinadas, não porque alguém pode te punir, mas porque você quer que as coisas sejam assim.

O subornado é a raiz do problema. Não vem de fora, vem de dentro.

Para dizer que tudo que é bom tem custo, para dizer que pior é você que é honesto à toa, ou mesmo para dizer que a culpa é do capeta: comente.

SALLY

Quem é pior, quem oferece ou quem aceita suborno?

Ambos são muito ruins, mas, na minha opinião, é pior quem oferece. O ativo geralmente costuma ser um pouco mais desfavor do que o passivo.

Tirando circunstâncias extremas nas quais todos nós tentaríamos deixar a lei de lado, reagir com suborno a uma negativa diz muito sobre a pessoa. Alguém que se acha tão importante que não aceita não como resposta e está disposto a violar as regras para conseguir o que quer. Muita preguiça de gente assim, acho um câncer.

Ok, quem aceita é tão bosta quanto, mas pode ser uma pessoa fraca que caiu em tentação ao ver uma oferta como essa cair no seu colo. Continua tão errado quanto, mas eu consigo entender com um pouco mais de facilidade quem não resiste a uma mala de dinheiro na sua frente do que quem premedita e monta uma mala de dinheiro para conseguir o que quer.

A gente não sabe a situação de vida de quem aceita suborno. Nunca na minha vida aceitei nem um alfinete (e olha que fui funcionária pública, já me ofereceram muita coisa), porém, se a pessoa estiver em uma situação de vida ruim, com dívidas, com filhos passando privações ou coisas do tipo, ainda que seja errado, consigo não achar um completo filho da puta.

Muito diferente do caso da pessoa que quer algo e, diante do não, decide comprar o sim. Esse é apenas filho da puta. Pessoa que passa por cima dos outros e da lei para conseguir o que quer. Pessoa que se acha superior ao resto. Pessoa que trilha sua jornada sem mérito algum, apenas escorada em dinheiro.

Se algo não é permitido, acredite, grandes chances de que exista um bom motivo para isso. Ainda mais no Brasil, lugar onde as pessoas conseguem fazer cagadas que até o diabo duvida. Se não é permitido, não é permitido a ninguém. Saber respeitar as regras é um dos princípios basilares da decência. Achar que não é permitido a ninguém, mas você merece uma exceção é um atestado de pessoa lixo da qual eu quero distância.

Mas o brazuca ultimamente anda numa vibe de que regra é violação de direitos dele ou, pior, de que regra é censura. A pessoa quebra uma regra e quando a consequência vem ela se sente cerceada ou acusa censura. Vemos isso até aqui, no nosso micro mundinho, quando banimos alguém: a pessoa fica chorando por ter sido “censurada” por “discordar” da gente. A pessoa não entende ou não aceita que violou uma regra, seu comentário só pode estar sendo vetado por discordar da gente! Símio incapaz de seguir regras sempre bota a culpa na suposta tirania alheia.

E, no mundo real, essa mentalidade gera muitos danos sociais, mais do que aqueles que são óbvios e visíveis em uma primeira análise. Como todo mundo se acha especial, como todo mundo acha que está lutando por seus “direitos”, por sua “liberdade” ou “contra a censura”, todo mundo começa a desobedecer regras em algum ponto e isso se torna um modo de funcionar que gera a sensação coletiva de que não é tão necessário assim seguir as leis.

Aí vira um país no qual “a lei tal não pegou”, um país no qual cada um faz o que quer ou o que acha justo, no qual só se segue a lei com a qual se concorda, no qual quem tem dinheiro para subornar se rege por outras regras mais benéficas. Simplesmente nojento. É assim que se constrói um país corrupto. E isso impacta a todos. Todo mundo perde vivendo em um país corrupto.

Oferecer suborno é se achar especial a ponto de tentar burlar uma regra que deveria valer para todos. Uma mente rudimentar vai achar que “se deu bem” fazendo isso, mas uma mente mais consciente perceberia que escaralhar com as regras de um país nunca termina bem. Uma mente negadora vai achar que só o seu suborno específico não faz mal pois “não prejudica a ninguém”. Prejudica sim. Prejudica todo mundo. Custa tanto assim ser uma pessoa decente?

“Mas Sally, eu não concordo com essa regra ou proibição”. Você tem duas opções: tentar mudar a regra pelas vias legais se ela for pública ou deixar de frequentar o ambiente no qual essas regras vigoram se as regras forem privadas. Subornar não tem que ser uma opção. Espernear que a regra não é como você quer e insistir também não. É um mínimo de dignidade o que a gente está pedindo.

Seguir regras é um pacto social que todos fazemos para tentar manter uma sociedade minimamente civilizada – e não existe outra forma de se conseguir isso. Então, aceita tua insignificância (você não é melhor do que ninguém) e segue as regras do país, da cidade ou do ambiente privado no qual você está.

Mas parece que agora quem segue regras é “gado” é “pau mandado” ou é frouxo. Ahhhh o Brasil… que alegria não morar mais aí. Esse país não tem jeito não.

“Mas Sally, então quem aceita também é filho da puta”. Olha, se fosse filho da puta pediria suborno, ou insinuaria que quer. Não é esse o caso do tema de hoje, hoje é só sobre quem aceita. Se foi oferecido suborno, é pelo fato da pessoa ter dito um “não” para o pedido. Errado? Claro, e tem que ser punido. Porém, me parece menos pior.

Em uma sociedade composta por símios que não sabem escutar um “não”, pessoas que se regem por suborno são muito mais nocivas. Hora de começar a punir exemplarmente qualquer pessoa que não aceite uma negativa dentro das regras, antes que isso saia do controle de vez.

Para dizer que quando a restrição recai sobre você ela é sempre injusta, opressiva e censura, para dizer que suborno é errando quando os outros fazem pois você tem sempre um bom motivo ou ainda para dizer que eu não tenho que me preocupar pois o brasileiro perdeu o dinheiro do suborno no tigrinho: comente.

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Comments (2)

  • “A gente não sabe a situação de vida de quem aceita suborno. Nunca na minha vida aceitei nem um alfinete (e olha que fui funcionária pública, já me ofereceram muita coisa), porém, se a pessoa estiver em uma situação de vida ruim, com dívidas, com filhos passando privações ou coisas do tipo, ainda que seja errado, consigo não achar um completo filho da puta”.

    Embora em um contexto diferente, me fez lembrar quando contou aqui a estória do menino que topou virar traficante para a mãe ter garantido o suprimento caro de remédios necessários para seguir vivendo. Uma das poucas vezes em que a fiquei prostrada de tristeza e de raiva diante desse extremo de impotência.

    Pessoa que passa por cima dos outros e da lei para conseguir o que quer mereceria fuzilamento. Se por um exercício de imaginação pudesse governar o País nem que fosse por um dia, cada uma dessas pessoas teria esse destino (pessoalmente puxaria o gatilho), nem que fosse fuzilada logo em seguida. Com ou sem suborno envolvido.

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