Prêmio Ig Nobel 2024

Recentemente aconteceu a cerimônia de entrega do Ig Nobel, uma premiação especial no mundo da ciência que escolhe as pesquisas mais… inusitadas do mundo. São dez categorias, e falaremos sobre os ganhadores hoje. É muita ciência!

Já falamos do Ig Nobel várias vezes aqui, então apenas um resumo para refrescar a memória: a ideia não é ridicularizar pesquisas “inúteis”, e sim brincar com a ideia de que muitas vezes a ciência precisa buscar conhecimento em lugares inesperados. O próprio mote do prêmio fala sobre pesquisas que te fazem rir, e depois pensar. Até por isso, a imensa maioria dos contemplados acham divertido ganhar o prêmio, muitos até participam do evento ao vivo.

Se você quiser ver a cerimônia de entrega que aconteceu dia 12 de setembro, está neste link.

Antes de tudo, mais uma explicação sobre experimentos científicos. Você começa com uma hipótese, ou seja, uma ideia para testar; faz o experimento, de preferência repetidas vezes de forma mais transparente possível para coletar dados confiáveis, e depois compara sua hipótese contra as evidências para gerar uma conclusão. Não tem problema a hipótese estar errada, ainda é um experimento válido mesmo se “der errado”.

Tem que ser ciência de verdade para disputar o Ig Nobel, a diferença é que premiam as ideias mais engraçadas ao invés das mais impactantes como na versão normal do prêmio.

Categoria Paz

B. F. Skinner com uma pesquisa sobre a possível utilização de pombos como sistema de guia para mísseis. Sim, o Skinner famoso pelos estudos sobre comportamento e a caixa homônima, onde demonstrava como animais poderiam ser treinados com repetição ao ponto de desenvolverem gatilhos comportamentais. Se uma pessoa sempre faz um gesto antes de dar comida para o cachorro, eventualmente o cachorro começa a salivar ao ver o gesto, mesmo que não esteja vendo ou sentido cheiro de comida.

Durante a Segunda Guerra Mundial, Skinner pensou sobre a possibilidade de trocar os complexos sistemas de guia de mísseis por pombos. Afinal, os animais já faziam isso naturalmente, e muito bem, por sinal. Pombos são famosos por encontrar o caminho certo de volta para casa com uma precisão impressionante.

A ideia era prender o bicho no míssil e fazer com que seus movimentos fossem traduzidos para o explosivo. Infelizmente, ou felizmente, a pesquisa não rendeu nenhum resultado prático.

Categoria Botânica

Zero Nobels, mas no Ig Nobel o Brasil tem história. Mais um vencedor! Dessa vez, analisando se uma planta verdadeira imitaria o formato de folhas de uma planta de plástico. O americano Jacob White e o brasileiro Felipe Yamashita se debruçaram sobre uma espécie de planta encontrada no Chile que tinha a habilidade de imitar o formato de folhas de outras plantas ao seu redor. A hipótese é que essa planta imita o formato das folhas de outras plantas que usa como suporte para escapar de ser comida por animais herbívoros.

O que foi testado é como a planta consegue saber como são as folhas das plantas próximas. Uma hipótese era baseada em troca de DNA ou algum outro processo biológico que a deixava descobrir como a outra planta fazia suas folhas. Por isso, testaram ela ao lado de plantas de plástico. E para a surpresa de muitos, ela aparentemente imitou o formato da planta artificial, o que levanta a dúvida sobre a capacidade de plantas enxergarem, de alguma forma. Não tinha DNA nem nenhuma outra característica fisiológica possível de copiar no plástico… realmente fascinante.

Categoria Anatomia

Um grupo de cientistas franceses e chilenos estudou se a sua localização no mundo influencia a direção na qual o seu cabelo cresce. Já se sabe que a água gira em direções opostas enquanto escoa dependendo se você está no hemisfério norte, sul ou na região do equador (não gira, só desce). A ideia do estudo era pegar um monte de bebês e observar o crescimento do seu cabelo, se ele tinha alguma propensão a seguir numa direção de acordo com o hemisfério.

Spoiler: crescem diferente. O estudo foi limitado, pouco mais de 50 cabeças, não é nem perto de um resultado confiável, mas percebeu-se uma propensão de quem está no hemisfério sul ter o cabelo crescendo no sentido anti-horário, e o no norte, horário. Os pesquisadores pedem mais pesquisas sobre o tema para descobrir se sua posição no mundo impacta o desenvolvimento do corpo.

É só vir para o Brasil para descobrir como os cérebros crescem menos aqui. Pode ficar para uma próxima pesquisa.

Categoria Medicina

Cientistas europeus fizeram um estudo para identificar como o ser humano lidava com efeitos colaterais dos remédios. A hipótese era que as pessoas acreditavam mais na eficiência de um tratamento incômodo ou doloroso do que num sem efeitos colaterais. Deram sprays nasais com analgésicos para pessoas que passariam por uma dor (controlada pelos cientistas). Mas, nem todos os sprays eram de verdade: alguns tinham analgésico, outros não tinham nada. Mas tinha mais uma variável, os sádicos colocaram um pouco de pimenta em alguns deles, para arder.

Resultados: as pessoas que receberam o spray com pimenta disseram que o remédio para dor funcionou melhor dos que o que receberam o remédio puro. A mesma coisa aconteceu com quem recebeu o placebo (sem o analgésico). O ser humano parece ter um sistema interno de crenças que sugere que nada vem fácil, que sempre precisa pagar um preço por um benefício.

O incômodo da pimenta aumentou a crença das pessoas na potência do remédio que receberam, e fez com que elas relatassem resultados melhores. Que placebo tinha sua função todos sabiam, mas que placebo que incomoda ou dói é ainda melhor era algo que precisava de testes. Bizarro enfiar pimenta no nariz dos outros, mas que é ciência interessante, não se pode negar!

Categoria Física

Americanos testaram a forma como trutas mortas nadam. Para mim, bastava essa frase para ganhar o prêmio. Mas podemos nos aprofundar na lógica da coisa: a hipótese era que trutas, assim como outros peixes, tinham uma forma de nadar em correntes e turbulências aquáticas que maximizava o movimento reduzindo o gasto de energia.

Movimentos ideais que usavam a água em movimento para gerar propulsão sem fazer esforço. Começaram os testes em trutas vivas, analisando a ativação de cada grupo muscular e vendo como reagiam a diferentes desafios. Será que as trutas estavam reagindo de forma consciente ou a natureza tinha colocado ali uma construção corporal que tendia ao movimento perfeito?

Aí que entra a truta morta. Analisando como o animal sem vida reagia ao movimento da água, perceberam que muitas das características das trutas vivas se repetiam. Era como se tudo no peixe fosse otimizado para reagir dessa forma à água. Não precisava nem estar vivo para subir correnteza. Não só colocaram peixe morto para nadar, como ele… nadou. Merecem o prêmio.

Categoria Probabilidade

Vários cientistas europeus se juntaram para arremessar uma moeda mais de 350.000 vezes e descobrir que lado era mais provável de cair. Se fosse só isso, seria de uma inutilidade inútil demais para o Ig Nobel. Tinha um porém: a hipótese era que o lado que a moeda começava antes do lançamento tinha impacto no resultado.

Em testes aleatórios, a moeda obedeceu às regras da probabilidade conhecida, sem nenhuma preferência por cara ou coroa. Mas, quanto mais as mesmas pessoas arremessavam as moedas, mais as moedas começavam a cair do mesmo lado que começaram na mão. Não foi uma diferença muito grande, mas a ideia que o estudo gerou é que com mais treino, uma pessoa consegue fazer a moeda ficar mais estável nos giros no ar, e isso aumentaria a tendência dela cair do mesmo lado que começou.

Agora sabemos que uma pessoa bem treinada pode ser capaz de manipular a média de caras e coroas ao jogar uma moeda para cima. Ou não… precisaremos jogar mais algumas milhões de moedas para confirmar.

Categoria Química

Eu li e reli o estudo umas 5 vezes. Fui vencido. O resumo é que cientistas holandeses e franceses fizeram testes para descobrir a diferença entre minhocas sóbrias e minhocas bêbadas usando uma técnica de análise química chamada cromatografia.

Por algum motivo era útil conseguir perceber quais minhocas estavam bêbadas (foram colocadas em álcool) sem fazer o teste do bafômetro. Se bem que nesse caso eu imagino o problema: nunca se sabe direito qual é o buraco certo na minhoca, não sei se peido ativa bafômetro. Mas deixando a bobagem de lado, afinal, este é um blog sério que fala sobre temas sérios, o álcool foi usado deliberadamente para deixar as minhocas lentas e poder diferenciar das minhocas sóbrias.

O que eu entendi é que as minhocas são formas de analisar “robôs” minúsculos ou mesmo orgânicos futuristas, e conseguir descobrir se eles estão trabalhando direito olhando para o grau de atividade deles. Um robô funcional teria resultados parecidos com a minhoca sóbria, um robô defeituoso pareceria com a minhoca bêbada. Pode ser útil no futuro, afinal, pode ser difícil demais colocar sistemas de análise em nanorrobôs ou formas de vida desenvolvidas para fazer trabalhos por nós. Mais fácil perceber e separar elas por contexto do que perguntar individualmente.

E se não for nada disso, peço perdão, porque as minhocas no meu cérebro estão em coma alcóolico depois desse.

Categoria Demografia

Saul Newman descobriu que pessoas centenárias são mais comuns em locais com dificuldades de registro de dados e ganhou o prêmio por isso. Mais um daqueles casos em que a descrição é engraçada pela obviedade. Se você está boiando: a hipótese é que boa parte das pessoas que dizem ter mais de 100 anos não tem mais de 100 anos, às vezes nem por quererem mentir, mas porque perderam a conta mesmo ou porque alguém próximo insistiu nisso.

Ele identificou uma correlação entre locais com históricos ruins de registro de nascimentos e dados demográficos gerais com quantidade de pessoas que se dizem centenárias. E mais, que se você sair contando quantas pessoas em tese passaram dos 100 pela documentação e quantas realmente estão vivas, vai perceber que muita morte não é registrada, especialmente em pessoas muito idosas.

Além do momento “dã”, tem também um alento: pode parar de escutar os conselhos de quem passou dos 100, porque o mais importante deles é mentir a idade. Pessoas morrem muito antes disso, e não é nem um pouco realista esperar que mesmo gente que se cuida muito chegue nessa idade.

Categoria Biologia

Vacas expelem leite se você estourar um saco de papel na frente de um gato que está sobre o lombo dela? Essa foi uma das hipóteses testadas no estudo americano “Fatores Envolvidos na Ejeção de Leite” publicado em 1941.

Os cientistas queriam descobrir quanto o estresse impactava na produção de leite das vacas, e fizeram vários testes com elas para gerar números. Para confirmar a diferença entre um “susto normal” e injeções de adrenalina, por exemplo, acharam várias formas de incomodar os animais. E uma delas gera uma das melhores frases que eu já li num documento científico:

“O amedrontamento consistiu inicialmente em colocar um gato nas costas da vaca e explodir sacos de papel a cada dez segundos por dois minutos. O gato foi dispensado depois por não ser necessário.

Eu ri que nem um idiota dessa frase final. Eles precisaram fazer o teste para descobrir que o gato era desnecessário! Fenomenal. Prêmio pra lá de merecido.

Categoria Fisiologia

Japoneses e americanos se uniram para responder à pergunta que não nos deixava dormir: seriam mamíferos capazes de respirar pelo ânus? Já se sabia que alguns outros animais eram capazes de absorver oxigênio pelo “lado errado”, mas o quanto nós, mamíferos, poderíamos nos beneficiar disso?

O teste, cruel, colocava ratos e porcos em situação de baixa oxigenação, e ao invés de inserir o oxigênio pelas vias áreas, o fizeram por enemas. Em comparação com animais que não receberam oxigenação anal, os resultados foram bem melhores. O intestino de mamíferos é capaz de mandar oxigênio para o sangue, muito mais cagado que um pulmão, mas ainda melhor do que nada.

Não é surpresa que o intestino consiga absorver coisas e mandar para nossa corrente sanguínea, até porque é a porra do trabalho dele, a parte de fazer as fezes é o subproduto do processo. Se você quiser um coma alcoólico rápido, basta encher o cu (literalmente) de pinga. E se o estudo anterior teve a melhor frase de todos os tempos, esse tem a melhor ilustração:

Precisa dizer mais alguma coisa? Merece, e muito. Mas já fica o meu pedido aqui: se eu precisar de respiração pelo cu algum dia no futuro, podem me deixar morrer. Obrigado.

Para dizer que a ciência foi um erro, para me explicar a porra do experimento da minhoca bêbada, ou mesmo para dizer que mísseis guiados por pombas é perfeito para um cenário steampunk: comente.

Se você encontrou algum erro na postagem, selecione o pedaço e digite Ctrl+Enter para nos avisar.

Desfavores relacionados:

Etiquetas: , ,

Comments (8)

      • É simples. Cromatografia (especialmente de filtraçao em gel, conhecida como molecular sieving) é uma técnica usada para separar moléculas pela forma e tamanho. Eles usaram as minhocas como se fossem modelos de moléculas longas (polímeros) para testar se a cromatografia poderia separar moleculas da mesma forma e tamanho, mas com graus diferentes de atividade (em termos moleculares, isso corresponde a rotação e translação de grupos químicos) que foram simulados tratando as minhocas com temperaturas e álcool. É um trabalho belíssimo. Bizarro, mas lindo mesmo. Paguei um pau aqui.

  • Essa da Demografia me lembra um brasileiro que virou notícia uns tempos atrás, um sujeito conhecido por ser o “O Terror do INSS” porque de acordo com seus documentos registrados numa cidadezinha no cafundó do Judas, ele teria atualmente 123 anos, mas visivelmente ele aparenta ter no máximo uns 80.

  • Caralho, Somir… Peixe morto que nada, animais respirando pelo cu, embriaguez de minhoca… Só maluquices! Quando eu começo a achar que já vi coisas bizarras demais na minha vida, você me vem com essas! Eu nem consigo dizer qual dessas pesquisas é a mais escalafobética, mas sei que não podemos nos deixar levar só por uma primeira impessão superficial. À primeira vista, tudo isso pode parecer apenas uma grande coleção de bobagens, mas há método (científico) nessa loucura e também é importante lembrar de algo que você mesmo disse no seu texto: “muitas vezes a ciência precisa buscar conhecimento em lugares inesperados”.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado.

Relatório de erros de ortografia

O texto a seguir será enviado para nossos editores: