Direita cacareco.

Precisamos falar sobre Pablo Marçal?

Não.

Para dizer que achou o texto eficiente, para dizer que finalmente concorda com tudo, ou mesmo para dizer que curtiu o novo formato: comente.

Mas podemos falar sobre a Guerra Civil da Direita. De um lado, a família Bolsonaro, de outro, seus antigos dissidentes e o fenômeno Pablo Marçal. A história de um candidato maluco ganhando a preferência do povão é tão antiga que muitos o chamam de Cacareco, rinoceronte fêmea que ganhou mais de 100.000 votos nas eleições para vereador de São Paulo em 1959.

Infelizmente, Cacareco não pode assumir o cargo para descobrirmos suas políticas para a cidade, mas Marçal pode muito bem vingar o povo paulista para finalmente colocar o rinoceronte na loja de cristais e ver o que acontece. O Cacareco moderno vai despontando como líder nas últimas pesquisas, e deixando os antigos rinocerontes políticos furiosos com o destaque.

Não deixa de ser engraçado ver os Bolsonaros se contorcendo para apontar para o povão como Marçal é maluco demais para ser prefeito, especialmente porque são obrigados a assumir que ele defende bandeiras muito parecidas. A tática da vez é dizer que ele está apenas fingindo ser de direita conservadora, o que ainda não parece ter muito resultado entre o povo que vota pensando em defender essa direita conservadora.

O que estava marinando na minha cabeça nos textos anteriores sobre o caos da eleição paulistana agora fica muito claro: Marçal é melhor em ser Bolsonaro do que… Bolsonaro. É isso que está enlouquecendo a “velha guarda” do bolsonarismo. Estão vendo o marido que parecia fiel sorrindo para uma versão mais jovem e bonita.

O problema de ser para-raios de maluco como Bolsonaro é desde que começou aquela fatídica campanha presidencial de 2018 é que você é mais objeto do que pessoa. O movimento até pode se chamar bolsonarismo, mas não quer dizer que Bolsonaro seja tão importante assim. Especialmente depois da fantasia ser despedaçada com um governo inteiro. Precisa ser muito ruim para não se reeleger no Brasil, até a Dilma conseguiu.

A direita brasileira estava com o Bolsonaro porque ele já estava lá, daria trabalho achar outra pessoa e fazer com que todo mundo concordasse no mesmo nível. Marçal resolveu fazer esse esforço e parece estar colhendo os frutos. É boa gente? Não, claro que não. É coach e trambiqueiro, tem que ser muito otário para achar que Marçal é melhor que Bolsonaro no aspecto de honestidade e/ou capacidade técnica. Para sorte de ambos, otário é commodity no Brasil, o mercado está sempre bem suprido.

Mas aí que todo o argumento de ser um outsider da política voltou para morder a família Bolsonaro na bunda: se o ponto central do argumento deles era que não eram iguais aos outros políticos de carreira (e eram, mas colou), a barreira de entrada fica pequena. Todo mundo que está fora do mundo político atual é mais outsider do que eles. Novamente, Marçal se mostra como mais Bolsonaro que Bolsonaro.

Tem um lado idealista meu que se deleita com gente ruim (ruim no que faz, preguiçosa, encostada) se ferrando por ser ruim. É divertido que Marçal surja causando confusão na direita porque a direita foi muito vagabunda para se organizar politicamente, achando que dava para empurrar com a barriga na base do “contra tudo isso que está aí”. Se você ficar só com isso, é muito mais fácil alguém se posicionar da mesma forma que você.

Fingir que é super temente ao deus cristão, que defende a família e que é contra os bandidos é uma posição tão estupidamente simples de tomar que quase todo semianalfabeto brasileiro diz que é exatamente assim que pensa. Porque basta falar isso, pode fazer a merda que quiser por fora do discurso que não dá problema. Bolsonaro e sua turma colocaram essa fantasia e acharam que ninguém mais ia conseguir? O brasileiro vive de fazer isso, sai naturalmente.

Só precisava de alguém com recursos e carisma para fazer a mesma pose e eles teriam concorrência. Então, por mais que Marçal demonstre ser todo errado, é divertido ver como a estratégia da preguiça ideológica está cobrando seu preço. Se era só isso que Bolsonaro tinha, alguém mais novo e mais disposto a bagunçar o mundo pode roubar dele o título de rei da direita tupiniquim.

Que fique claro: se for eleito, Marçal vai se acomodar nos milhares esquemas que já existem. O dinheiro vai falar mais alto, e justiça seja feita: Bolsonaro foi esperto o suficiente para dividir o bolo da corrupção e comprar sua estadia no poder. Bandidos muito gananciosos como o Witzel no Rio são engolidos pelo sistema. É tudo muito revolucionário na campanha, mas quem está no poder raramente é burro de jogar tudo para o alto.

“Ah, mas a esquerda é vazia também!”

Sim, mas não. Esse papo de “todes” costuma ser tão superficial quanto a fé cristã da direita, estamos falando do Lula demonstrando como o discurso lacrador não se sustenta desde o começo de seu mandato. Mas, goste ou não, a esquerda tem um pouco mais de conteúdo prático. E essa é uma questão histórica, direita não é uma ideologia do mesmo jeito que a esquerda, para o bem e para o mal. A direita teve um tanto de neoliberalismo nas últimas décadas, mas não era a alma da coisa, tanto que os novos líderes são todos populistas extremamente inconsistentes nessa coisa toda de Estado mínimo.

A direita calhou de se parecer com o libertarianismo por um tempo, mas não era a identidade dela. E isso provavelmente porque a ideia de conservador não é exatamente uma política. É só não querer… mudar. É mais fácil para a esquerda se posicionar politicamente, porque é um movimento baseado em mudanças de regras sociais. Pode colocar o mais cabeça-oca na esquerda e vai parecer que ele está defendendo alguma causa. Na direita é mais complicado.

Tanto que Marçal aconteceu. Não tinha muita coisa de verdade protegendo a liderança de Bolsonaro e cia. no movimento. Aliás, é meio complicado até explicar que movimento é esse. Direito a ter arma de fogo e achar que ser gay é errado não é uma fundação sobre a qual se possa construir muita coisa.

Não precisamos falar de Marçal porque ele é um objeto de adoração de uma parcela da população que nem tinha muita ideia do que queria para começo de conversa. Mas é importante falar sobre como a direita brasileira não faz muito sentido. Eu até consigo ver alguma coisa nos movimentos anti-imigração da Europa, mas por aqui? Estamos conservando o quê? A nossa rede de esgoto deficitária?

Eu acho saudável que direita e esquerda existam e que discutam sobre políticas, mesmo sendo centrista (ou isentão, como chamam); só que os dois lados precisam ter algo a dizer. Algo mais profundo que dizer que o outro lado é ruim, e acabarem ambos sendo populistas preguiçosos do mesmo jeito. Porque sim, a esquerda deveria ter mais profundidade, mas cada dia que passa seguem mais a cartilha do outro lado de muito barulho e pouco resultado.

Se eu fosse de esquerda, não estaria muito feliz com o caos na direita, primeiro porque quem sair vivo vai sair muito mais forte, e segundo porque logo logo alguém jovem e carismático percebe que o trono do Lula é baseado em baboseira populista, e aí o mesmo processo pode começar do outro lado. É fácil mentir ideologia política se a ideologia política é toda de mentirinha mesmo.

Enquanto isso, eu pego a pipoca e torço pela briga. Briguem, briguem!

Para dizer que preferia o primeiro texto, para dizer que o seu maluco populista é melhor que os outros malucos populistas, ou mesmo para dizer que não precisamos falar de política: comente.

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Comments (10)

  • Se o Marçal tem um mérito gigante, é que ele trata jornas com uma descortesia absurda e cômica. Ver a expressão de incredulidade das jornas da Globonews diante da completa falta de sutileza do sujeito foi uma diversão. Acho que nunca ninguém falou com elas naquele tom. Sem falar a felicidade de ver alguém ser doido de chamar o presidente da república de ex-presidiário com todas as letras.

    Além disso, ver a Batata Amaral tentar agir como linha auxiliar do Boulos e tentar de todo jeito minar a campanha do Marçal e ver os tiros saindo pela culatra espetacularmente não tem preço. Marçal é desprezível, mas Boulos e Batata são piores.

  • A pipoca eu vou pegar depois que Marçal ganhar e começar a botar em prática (ou ao menos tentar) toda a agenda que ele diz representar. Escolas públicas (e tudo que elas significam) e padre Júlio Lanceloti (e tudo que ele significa) que se preparem… eles serão os primeiros!

    A Merda (com M maiúsculo) é que São Paulo é o centro de onde irradia tudo que é idéia errada (importada ou não). Funcionando as dele (ele tem costas quentes na Faria Lima), elas serão a base para o candidato à presidência em 2026 que – profetizo – ganhará. Aí sim o Brasil vai se foder de verde e amarelo pra valer.

    Oremos.

  • “Estamos conservando o quê? A nossa rede de esgoto deficitária?”

    Conservando pautas de costumes. As pessoas do entorno deste dito “conservadorismo” acham melhor defender certos retrocessos, como manter o aborto criminalizado (o que penaliza quem não tem condições de viajar para um país digno), ou achar que se não falarmos sobre a questão das drogas, uma hora o problema some.

    É por isso que mesmo não sendo de esquerda, sinto que não há espaço para me definir como “de direita”: ambos “lados” foram cooptados por gente espetacularmente burra, mas a direita ainda precisa vencer o obstáculo de que certas pautas não combinam com progresso.

    • “Gente espetacularmente burra”. Adorei esse adjetivo! Dá licença de eu também usá-lo pra me referir a algumas pessoas assim que conheço?

  • “(…) Otário é commodity no Brasil, o mercado está sempre bem suprido”. Achei essa frase ótima, mas, ao mesmo tempo, também fiquei triste…

  • “(…) é meio complicado até explicar que movimento é esse.”

    Inclusive por ainda ser mostrada com orgulho “aquela medalha” mostrada numa das “entrevistas” que foram ao YouTube…

    “É fácil mentir ideologia política se a ideologia política é toda de mentirinha mesmo.”

    Sou definitivamente centrista / “isentão” e possivelmente ainda visto como esquerda pelo meu entorno, uma das próximas atrocidades pode chegar diretamente aqui…

    “Enquanto isso, eu pego a pipoca e torço pela briga. Briguem, briguem!”

    Se isso seguisse com mais algo até pelo menos novembro só que de 2026/8, não seria mau cenário…hahahahaha

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