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Usina Nuclear de Zaporizhzhia

Usina Nuclear de Zaporizhzhia

| Sally | | 22 comentários em Usina Nuclear de Zaporizhzhia

O atual modo de funcionar da mídia, criando uma polêmica diária para manter as pessoas engajadas, às vezes desvia nossa atenção de eventos realmente importantes. Por isso tentamos estar vigilantes e jogar luz no que consideramos assuntos que não merecem ser esquecidos no meio do turbilhão de polêmicas diárias. Hoje queremos falar sobre a Usina Nuclear de Zaporizhzhia (se pronuncia “zaporíja”).

A Usina Nuclear de Zaporizhzhia se localiza na Ucrânia, em uma região que é palco de uma guerra pela invasão Russa. Ela é a maior instalação nuclear da Europa. Ela é tão potente, que por muitos anos forneceu energia não apenas para a Ucrânia, mas também para Belarus, Polônia, Hungria, Romênia, Moldávia, Eslováquia e outros países. Ela conta com seus reatores e está entre as dez maiores usinas nucleares do mundo.

Talvez você, como qualquer pessoa de bom-senso, esteja pensando que uma estrutura dessas proporções seria poupada, mesmo em caso de guerra. Bem, ao que tudo indica, não é isso que está acontecendo. Não estamos afirmando que haverá um acidente nuclear, estamos afirmando que os devidos cuidados não estão sendo tomados e o mundo inteiro parece muito mais empenhado em outras causas do que em olhar para isso.

O problema é antigo, o que significa que vem escalando desde então. Já era esperado que a Rússia fosse querer tomar a usina, e em uma questão de dias após a invasão de fato o exército começou a marchar para lá. Vamos fazer uma rápida cronologia para que estejamos todos na mesma página.

Em 2022, poucos dias após a invasão, o exército russo avançou em direção à cidade de Enerhodar, na qual se localiza a usina de Zaporizhzhia. Os moradores locais foram às ruas tentar impedir que o exército entrasse, mas, por estarem desarmados, não tiveram sucesso. Atiraram na multidão que tentava impedir sua passagem e obviamente conseguiram passar com facilidade.

O exército ucraniano, por sua vez, tentou impedir, mas, nesse processo de resistência, um bombardeio russo acabou causando um incêndio nas dependências da usina. Depois, o exército russo impediu que os bombeiros cheguem ao local enquanto as tropas ucranianas não se retirassem, colocando em risco a todos os presentes.

Em entrevista, um trabalhador da usina que conseguiu fugir na confusão, afirmou que enquanto durou esse impasse, os moradores da cidade entraram em pânico e se mobilizaram para comprar pílulas de iodeto de potássio, já esperando por um desastre nuclear.

Finalmente, temendo um mal maior, as tropas ucranianas se retiraram e os russos permitiram a entrada dos bombeiros, que controlaram o incêndio. O que significa que os russos invadiram a usina no mesmo dia e passaram a controlá-la desde então.

Nesse ponto você também pode pensar que não deve ter sido bem assim, afinal, não convém a ninguém um acidente nuclear, por isso ninguém jogaria uma bomba e que obviamente quem quer que esteja no controle da usina vai tomar os cuidados necessários. Novamente não.

O exército russo é composto, em sua maioria, por pessoas altamente despreparadas, muitos analfabetos, outros assassinos ou criminosos perigosos que foram soltos para lutar. Some-se a isso o fato de que, para evitar pânico e deserção, muitas informações incorretas foram passadas aos soldados e até a seus superiores, coisas como “a usina está desativada, não tem nenhum risco, os ucranianos só querem assustar vocês com essa ameaça de acidente nuclear”.

Após tomar a usina, funcionários da estatal nuclear russa assumiram o controle operacional da usina e a Rússia declarou que agora a usina lhe pertence. Sim, eles roubaram uma usina nuclear. Roubaram a maior usina nuclear do continente. E ninguém fez nada. Nenhum organismo internacional, nenhum país, ninguém fez nada relevante o suficiente para reverter o quadro.

Talvez você esteja aliviado pensando que se funcionários da estatal nuclear russa estão no controle da usina, então está tudo em boas mãos. Pensando friamente, nem parece tão ruim assim, afinal, essa usina foi construída na década de 80, uma época na qual Ucrânia e Rússia eram um só país, logo, eles conhecem a usina e sabem o que estão fazendo. Certo? Errado.

A usina original, construída em tempos de União Soviética, foi totalmente reconfigurada (assim como várias outras) depois de um acidente em Fukushima, que mostrou ao mundo que as usinas padrão não eram assim tão seguras. Por isso, em função das muitas mudanças e atualizações (das quais a Rússia não tem a menor ideia), os funcionários russos não foram capazes de operar a usina.

Isso faz com que eles dependam dos funcionários ucranianos, o que significa que é necessário mantê-los como reféns no local. Apesar dos reatores estarem desligados, ou seja, a usina não está produzindo energia, o perigo nuclear ainda existe. Mesmo desligados, o material que está lá dentro ainda é radioativo e ainda precisa ser resfriado caso contrário, é certo um acidente nuclear.

Esse processo de resfriamento não é simples. Ele requer um grupo multidisciplinar de funcionários trabalhando em conjunto (desde físicos até mergulhadores) e com treinamento específico para aquela usina. Não, usinas nucleares não são todas iguais. Vamos colocar da seguinte forma: um mecânico que conserta um fusca talvez não conserte uma BMW. A diferença é que neste caso a BMW explode e joga material radiativo no mundo em caso de erro.

Então, dado o risco, não há lugar para falhas. Portanto, a forma correta de proceder é que as pessoas responsáveis pelo bom funcionamento da usina se alternem em turnos curtos com outros profissionais de mesma especialidade e capacidade, assim todos trabalham com a cabeça fresca e com menos chance de erros. A escala de trabalho deve respeitar a regras da Agência Internacional de Energia Atômica.

Além disso, a AIEA também estipula regras sobre quem pode entrar na usina, que funcionários podem entrar em quais partes e mexer onde. Ninguém pode improvisar o trabalho do outro, muito menos cobrir outro funcionário de uma área diferente, pois as tarefas são de tal complexidade que muitas vezes se demora cerca de dez anos para capacitar uma pessoa para aquela tarefa específica.

Além disso, todos os funcionários deveriam passar por avaliações periódicas, inclusive por psicólogos, para que se tenha certeza de sua saúde mental e capacidade de trabalhar de forma concentrada e segura.

Você acha que tudo isso está acontecendo agora? Não está. Uma usina que antes era colocada em funcionamento por mais de dez mil pessoas agora tem menos de 3 mil pessoas trabalhando, e a maioria não apta para tarefas de maior complexidade.

Então, temos pessoas presas contra sua vontade na usina, sequestradas mesmo, trabalhando muitas horas extras, nervosas, sem saber como estão suas famílias, ameaçadas constantemente e até agredidas. Não parece um bom começo.

O exército russo, segundo seus próprios soldados, promove torturas físicas e emocionais que eu me permito não escrever aqui para não estragar o dia de vocês, mas fazem parecer a ditadura militar do Brasil brincadeira de criança. Alguns funcionários teriam chegado a morrer por causa das torturas, como foi o caso de um dos mergulhadores mais experientes do local.

Entre outras coisas, pessoas foram obrigadas a adotar cidadania russa e assinar contratos de trabalho com o país. Os primeiros que se recusaram foram convidados a uma sala na qual lhes teria sido mostrada a cabeça de um de seus entes queridos, avisando que se não assinassem matariam os demais e submetidos a tortura física.

Então, quando falamos em risco de acidente nuclear, não é apenas Putin fazer o louco e soltar uma bomba deliberadamente lá dentro. Falamos também em técnicos que estão exauridos não só por longas horas de trabalho, mas também com dor, com sequelas de agressões físicas, com medo e com suas famílias mortas ou ameaçadas. É um trabalho que exige muita precisão e pessoas executando-o nesse estado tornam mais provável a ocorrência de acidentes.

Além disso, os próprios russos parecem não se importar em majorar os riscos. Não temos motivos para duvidar disso, a julgar pelo comportamento irresponsável do exército russo em Chernobyl, estocando armamento explosivo dentro da usina, cavando trincheiras em locais contaminados e outras barbaridades. Por sinal, o comportamento do exército russo é conhecido, desde sempre, como irresponsável: pessoas com baixa escolaridade e bêbadas que já causaram muito estrago involuntário.

Há relatos de morteiros russos disparados de dentro de Zaporizhzhia, de armamentos (inclusive explosivos) estocados no interior da usina, inclusive na sala onde ficam as turbinas, perto dos reatores. Os funcionários que ousam se opor ou alertar são severamente espancados e torturados.

Para agravar a situação, não se tem notícias sobre o que está acontecendo do lado de dentro. Já vimos funcionários dando entrevistas dizendo que está tudo bem, mas eles claramente estão sob coação. Porém existem alguns indícios, graças à tecnologia moderna. E não são bons.

Em setembro de 2023, o Greenpeace divulgou um relatório obtido através de imagens de satélites que mapearam partes visíveis da usina e em suas proximidades. Se houvesse um teste de Anti-QI, os russos teriam gabaritado. Toda sorte de imbecilidades foi detectada, coisas como guardar um blindado (um tanque) em uma zona destinada a evacuação e colocar lançadores de foguetes assustadoramente perto de materiais inflamáveis.

Qualquer usina nuclear no mundo está sujeita ao direito internacional (afinal, um acidente afeta a todos nós) e a inspeções regulares pela Agência Atômica da ONU. Qualquer usina que não tenha nada a esconder permite essa inspeção. Pergunta se a usina de Zaporizhzhia está permitindo?

Obviamente estas inspeções não estão ocorrendo como deveriam. Quando ocorrem, é de forma muito limitada. Não foi permitido aos agentes entrar nas áreas mais importantes, não lhes foi passada informação crucial, foi só um passeio no pátio. E mesmo assim, perceberam irregularidades graves.

Foi constatado que a usina não tem um número suficiente de funcionários para mantê-la em bom funcionamento e que desde sua ocupação, ocorreram diversas falhas técnicas, inclusive a falta de luz (que é algo gravíssimo quando se precisa resfriar toneladas de material radioativo).

Todas as linhas de energia externas para a planta estão inoperáveis. Isso significa que se faltar luz (e já aconteceram diversos apagões), não tem uma fonte de luz alternativa para mover as turbinas e resfriar o material nuclear. Se o material nuclear não for resfriado, na melhor das hipóteses, ele esquenta tudo até derreter a usina e contaminar o ambiente externo.

Ainda segundo a ONU, a situação é tão precária que em oito ocasiões diferentes a falta de luz foi contornada com geradores a diesel para continuar o resfriamento. Quem entende um pouco do funcionamento de uma usina sabe que o uso de geradores a diesel é o último dos recursos contra um acidente nuclear. Configura uma temeridade que a situação esteja nesse ponto.

Calma que piora. Em casos extremos, como aconteceu em Fukushima, no desespero por resfriamento diante da falta de luz, sempre se pode recorrer à água, molhando a estrutura a se resfriada. Mas em Zaporizhzhia não mais. O reservatório de Kakhovka (uma barragem que estava sob controle dos soldados russos), que era usado como principal fonte de água para resfriar os reatores (inclusive em casos de emergência), não é mais uma opção, pois foi explodido no ano passado.

Outro ponto relatado pela ONU é que os funcionários que foram fazer as inspeções encontraram minas terrestres enterradas em volta da usina, escutaram o claro barulho de tiros explosivos na área e perceberam que o número de funcionários está cada vez mais reduzido. Hoje, a usina de Zaporizhzhia é considerada a instalação nuclear mais vulnerável do mundo.

Nota-se que o direito internacional e a ONU não parecem capazes da autoridade necessária para botar ordem nessa bagunça. Basicamente, não há nada que se possa fazer legalmente contra uma nação que desistiu de cumprir a lei. Ou a usina é invadida à força e se trava uma guerra pelo seu domínio (colocando-a em risco por causa dos explosivos e munições) ou se torce para que nada aconteça.

E tem mais: mesmo com os seis reatores desligados, o combustível nuclear dentro deles tem um período de vida útil, que está próximo de expirar. Estamos falando de alguns anos, que parece muito para nós, mas para a complexidade da operação é pouco tempo. O material deve ser removido antes desse prazo, ou pode haver um vazamento.

A melhor parte é: não é possível saber como está esse combustível nuclear a menos que ele seja inspecionado, um procedimento caro e que poucas pessoas no mundo tem o conhecimento técnico para fazer. Tem alguém neste momento em Zaporizhzhia com conhecimento técnico para realizar essa inspeção? Não tem.

Então, você pode pensar, já que não tem como saber seu atual estado, é melhor remover preventivamente, antes do prazo de vida útil expirar, para evitar um acidente. Pois é… Tem alguém neste momento em Zaporizhzhia com conhecimento técnico e acesso a infraestrutura para realizar essa remoção? Não tem.

Então, meus queridos, o risco deixou de ser sobre bombardear a usina faz tempo.

Tem muitos outros riscos: erros de funcionários exaustos, sabotagem de funcionários que já não tem mais nada a perder (pessoas que viram suas famílias serem mortas), sabotagem de pessoas que perderam completamente sua saúde mental e só querem que isso acabe (lembrando que tem gente ali contra sua vontade faz bastante tempo), sabotagem dos próprios soldados russos para acabar de uma vez com essa guerra na qual eles estão sendo mandados para morrer, sabotagem de ambos os governos para fazer o opositor sair como vilão ou a boa e velha burrice mesmo.

Esperamos que nada disso aconteça, mas… parece realmente algo impossível de acontecer?

Não dá mais para acreditar que tem alguém de olho nisso preocupado em impedir um acidente. Não tem. Ninguém quer comprar a briga que tem que comprar para tirar os russos dali. Até onde sabemos, estamos nas mãos da sorte.

E se algo der errado, pode ser que demoremos para descobrir eventuais acidentes nucleares na região. Os russos não são conhecidos por sua transparência em acidentes nucleares, não é mesmo?

Me parece uma questão que deveria ser olhada com um pouco mais de atenção e talvez fazer um pouco mais de pressão para que seja solucionada.

Para dizer que eu tirei seu sono, para dizer que tá longe e não pega nada não ou ainda para dizer que importante mesmo é Elão x Xandão: comente.


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