Praga do ano.

Para começar o ano perdendo todas as estribeiras, Sally colocou um tema quase como uma piada e Somir concordou. Imaginando qual seria o pior cenário para 2024, os dois discordam muito. Os impopulares participam do caos.

Tema de hoje: entre uma nova pandemia e uma onda de calor o ano todo, o que seria menos ruim em 2024?

SOMIR

Pandemia. Podem jogar pedras. Calor é um destruidor de civilizações, pandemias são formas de reconstruir. Eu não estou pensando só no meu conforto térmico, eu estou pensando no quadro geral. Ok, o meu conforto térmico tem uma parcela de culpa no pensamento, mas não é só ele.

Durante milhares e milhares de anos, a humanidade tentou montar suas civilizações próximas da linha do equador. Não estou criticando os esforços, os povos da Mesopotâmia e do Egito realmente começaram a humanidade como conhecemos, mas tinha um limite de até onde conseguiam ir com esse clima horrendo de calor constante.

Limite que foi testado e conquistado por povos de temperaturas mais amenas algum tempo depois. Eventualmente todos os povos de temperaturas elevadas acabaram sob o domínio dos europeus com seus invernos rigorosos. Repito que não concordo e nunca vou concordar com abusos e escravidão, mas o resultado prático é fato histórico.

Se sua sociedade se desenvolve em um ambiente mais frio, sua capacidade de desenvolver tecnologia aumenta consideravelmente. Num mundo ideal, os povos do frio dividiriam esses avanços e viveriam em paz com os povos presos no atraso forçado criado pelos climas equatoriais, desérticos e tropicais. O mundo não era ideal.

O aumento das temperaturas cria uma mentalidade mais hedonista, imediatista e francamente, preguiçosa. Frio extremo é horrível para o corpo, muito mais que calor extremo, mas se for algo um pouco mais tolerável, o frio traz muitos benefícios para o desenvolvimento social.

Já as pandemias são problemas sérios, jamais vou negar isso, mas historicamente tiveram papel de controle populacional e forçaram a humanidade a evoluir rapidamente. Ninguém gosta de ficar doente, ninguém quer ver pessoas queridas passando por doenças, mas se você olhar para o quadro geral, as pandemias foram molas de propulsão para o avanço das sociedades.

Foi a peste negra que acabou com o sistema feudal na Europa. Forçou todo mundo a se mexer e valorizar mais o trabalhador. Os ricos não podiam mais tratar todo mundo feito escravo com a redução drástica na mão de obra disponível. Com esse avanço nas relações de trabalho, a classe média europeia cresceu e começou a tender mais para sistemas democráticos.

O que eventualmente desembocou na Revolução Francesa e na Revolução Industrial. Some isso aos povos do frio europeu invadindo os países de calor interminável ao sul e vemos como esse combo de pandemia fortalecendo sociedades e calor enfraquecendo criou o mundo moderno.

O Brasil teve uma pandemia, foi muito ruim, mas pelo visto não aprendemos nada. É como se tivesse caído um meteoro e matado um milhão de pessoas, todo mundo achando que foi azar. Não foi azar, foi mentalidade de povo do calor, que não queria pensar no futuro e não desistia de sair na rua para ir ao baile funk ou na igreja evangélica.

Talvez mais uma pandemia tão próxima de uma que foi empurrada com a barriga (foram os países frios que se mexeram para criar vacinas) possa finalmente ensinar a lição de que o cidadão precisa ajudar e até mesmo demonstrar como na hora do vamos ver, o governo “de esquerda” vai dar um jeito de negar a ciência com outras alegorias. Talvez seja o choque de realidade que o Brasil precisa, não uma, mas duas pandemias.

E se for uma que pegue os jovens também, seria mais eficiente ainda em passar a mensagem. Muita gente entrou nessa ideia egoísta de que “só mata velho” e não deu a mínima para se proteger. Mentalidade de calor, de achar que não vai ter nada lá fora que vai te pegar, que as coisas vão sempre ser confortáveis.

Agora, se esse calor escroto continuar o ano inteiro, eu prevejo a sociedade brasileira se desfazendo aos poucos, com as pessoas com a bunda cada vez mais de fora e com aquela sensação perene de que nada importa. Mentalidade de calor deixa as pessoas mais relaxadas e hedonistas. Não duvido que o número de assassinatos exploda (e olha que já somos campeões nisso) por gente cada vez mais bêbada e sem limites.

A qualidade dos serviços deve cair também, não é comum que lugares muito quentes sejam bons nisso. Vamos ver a nossa sociedade se deteriorando aos poucos, gente cada vez mais despreocupada, relaxada e preguiçosa pelos efeitos do calor. Ninguém vai aprender nada, vai parecer tudo normal.

O ser humano precisa passar por alguns sustos para se mexer. Não existe conforto na zona de evolução e não existe evolução na zona de conforto. Calor é um assassino silencioso de sociedades, pandemia é um choque de realidade doloroso, mas que eventualmente gera algum resultado. O problema do Brasil é que não foi choque o suficiente. As vacinas caíram do céu e salvaram a gente, sem que tivéssemos nos mexido de verdade.

E se acontecer uma pandemia de verdade, eu não vou me sentir culpado por este texto, porque eu não tenho poder de mudar a realidade do fuckin’ planeta inteiro escrevendo algumas linhas. O que eu quero é que não tenha pandemia e o calor diminua para níveis mais toleráveis, mas se for uma escolha de menos pior, eu realmente acredito que o mundo evolua mais com um ano de pandemia do que com um ano de calor infernal.

Pode ser ruim no curto prazo, mas no longo é de longe a melhor alternativa. Chega de calor. Chega.

Para dizer que até o final do ano eu vou estar falando sobre subcelebridades, para dizer que eu vou “atrair” coisa ruim, ou mesmo para dizer que me entende: comente.

SALLY

Provavelmente todos vocês estavam esperando um tema razoável, condizente com a data, coisas como “2024 vai ser melhor do que 2023?” ou “vale à pena fazer resoluções de ano novo?”. Pois é, normalmente é o que acontece, mas o aquecimento global mudou essa realidade.

Como está muito calor no Brasil, Somir está transtornado, mal-humorado e fora de si, por isso o tema de hoje é: O que você preferia que acontecesse em 2024, muito calor ou retorno da pandemia com necessidade de quarentena?

Qualquer ser humano de posse de suas faculdades mentais prefere calor a uma pandemia, mas, como eu disse, Somir está fora de si e fora de controle. Eu, do conforto do meu Natal a 9°, estou escrevendo este texto trajado minha dignidade e sanidade mental, portanto, prefiro um ano onde faça mais calor, muito calor, calor o ano todo, mas que não tenhamos aquele pico de pandemia no qual todo mundo tem que ficar em quarentena.

Quando seu cérebro não está transtornado pelo calor, inchado e batendo contra sua caixa craniana, fica fácil de entender que calor pode ser solucionado de forma individual por diversos caminhos, por exemplo, ar-condicionado. E nem precisa ser o seu ar-condicionado, pode ser o dos outros.

Durante muitos anos da minha vida eu passei tardes em cafés e livrarias de shopping estudando e até trabalhando para usufruir de ar-condicionado e wi-fi. Boa parte dos textos do Desfavor foram escritos assim. Em muitos desses lugares nem sequer é preciso consumir para ocupar uma mesa.

Se você trabalha em uma empresa, eu suponho que lá tenha ar-condicionado. Se você não trabalha ou trabalha de casa ou estuda em casa, tem vários lugares abertos ao público nos quais você pode sentar e ler, trabalhar ou estudar desfrutando de ar-condicionado, muitas vezes sem pagar nada. Bibliotecas, livrarias grandes com área de leitura, praça de alimentação de shopping, centros culturais e muitos outros.

“Mas Sally, eu não gosto de ar-condicionado”. Nunca mais me dirija a palavra, pois não falo com degenerados! Falando sério, existem opções até mesmo para quem não gosta de ar-condicionado, como procurar uma praça ou lugar arborizado ou usar apenas um climatizador de ambiente. Pior dos mundos toma muitos banhos, bebe água com gelo, anda pelado em casa, sei lá. Sua criatividade é o limite.

Agora se aparece uma mutação de um vírus para o qual não temos vacinas, que se espalha pelo ar, que mata e que ainda não podemos combater você vai fazer o que?

Você só pode esperar que cientistas estudem essa desgraça, entendam e desenvolvam vacinas para depois serem xingados por serem da malvada indústria farmacêutica. É uma situação que implica restrições muito maiores e que você não pode fazer absolutamente nada para resolver.

Por mais que calor extremo represente alguma risco de vida, uma pandemia de uma doença letal com certeza representa um perigo maior. Quantas pessoas que você conhece morreram de covid-19 e quantas pessoas que você conhece morreram de calor? Não é só sobre nossas vidas, é sobre a possibilidade de perder pessoas amadas também.

“Ah mas com covid eu podia sair tomando alguns cuidados”. Sim. Com calor também. E se der merda, no máximo, você vai sentir seu cu suar. Com covid sem vacina se der merda é UTI e morte sozinho, sem poder ver ninguém da sua família.

É uma desproporção comparar ambos. Preferir que um vírus mortal circule pelo ar que todo mundo respira a passar calor é uma grande red flag para insanidade, mas fiquem tranquilos, estou controlado o Somir, se chegar ao ponto de internação, as postagens continuarão normalmente.

Calor é ruim, eu sei disso, eu morei 40 anos no Rio de Janeiro, um lugar onde a sensação térmica pode chegar a 60°. Não venham me falar de calor. Enquanto o Somir está perecendo com 40° eu vivi toda a minha vida em um ambiente mais quente. E eu sei que dá para viver. Não é o melhor dos mundos, mas dá. Ser obrigado a ficar trancado dentro de casa não tem comparação. Pessoas perdem seus empregos, sua saúde mental, sua vida social.

“Mas Sally, com calor eu também tenho que ficar trancado em casa”. Não, não, não. Com calor, muitas vezes escolhemos ficar trancados por ser mais confortável. Porém você não tem que. Se sua avó passar mal você pode levar ela ao médico sem correr risco de vida. Se acabar o papel higiênico e tiver que ir ao mercado comprar você pode ir sem risco de vida. Se quiser ir a qualquer lugar climatizado você pode ir sem correr risco de vida. Falsa simetria.

Por mais que não controlemos o calor, podemos controlar o efeito do calor no nosso corpo, resfriando o corpo ou indo para um ambiente climatizado. No caso do vírus, não controlamos nem o vírus nem o efeito que ele tem no nosso corpo. Quando seus neurônios não estão ofegantes no canto do crânio arfando de calor é bem fácil perceber isso e fazer as contas do que mais compensa.

Não se esqueçam do que é uma pandemia nesse estágio de quarentena: mil mortos todo dia, hospitais colapsados (até quem precisa de uma cirurgia de apêndice morre), conhecidos morrendo, empresas fechando, economia emburacando, ignorantes espalhando mentiras, ciência sendo vilipendiada. Melhor passar calor, ao menos está ao seu alcance fazer algo para atenuar seu desconforto.

Como último argumento, gostaria de pontuar que se o calor é tão escroto assim para você, sempre existe a possibilidade de se mudar para um lugar que não seja tão quente. Claro, não é algo que possa ser feito do dia para a noite, é um plano a longo prazo, mas é possível. Inclusive dentro do próprio Brasil existem lugares que não são tão quentes. Então, mais razoável planejar e se mudar do que topar um vírus mortal no ar que obriga a você a todo o planeta fazer quarentena, não é mesmo?

Só faltava essa, porque a madame está com calor o planeta todo tem que pagar o preço…

Para dizer que está preocupado com a saúde mental do Somir (é isso aí sempre, só mudou o foco do chilique), para dizer que também prefere pandemia com quarentena (procure um psiquiatra) ou ainda para dizer que com a sorte que o Brasil tem é capaz de passar por ambos em 2024: comente.