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Preparados para ter filhos?

Preparados para ter filhos?

| Sally | | 42 comentários em Preparados para ter filhos?

Quero falar sobre uma obviedade que, em tese, nem precisaria ser dita, mas, como vejo muita gente inteligente caindo nessa furada, sinto que o assunto tem sua função sendo pauta de um texto: o fato do seu parceiro(a) ser um bom parceiro(a) e uma boa pessoa não necessariamente significam que ele tem condições de ser um bom pai/mãe.

Antes de começar o texto, vamos estabelecer uma coisa: vou usar os termos todos no masculino, para evitar essas barras chatas: parceiro/a, pai/mãe, etc. O que não quer dizer que valha apenas para homens, ok? É apenas uma forma de ter que escrever tudo em duplicidade para abarcar ambos os gêneros. Vale para qualquer ser humano.

Parece que a muitas pessoas falta a compreensão de que as características que fizeram com que você se apaixone pelo seu parceiro não farão dele necessariamente um bom pai. Também falta a compreensão de que ser uma boa pessoa não quer dizer que será um bom pai nem que tem condições de sê-lo.

Existem algumas características específicas que tornam mais provável que uma pessoa seja um bom pai, e nenhuma delas tem a ver com simpatia, com ser um bom marido ou com as características que em média se procuram em um parceiro.

Na minha bolha, é enorme número de pessoas que já comeram ou que estão comendo o pão que o diabo amassou por não terem percebido a premissa a tempo: o fato de amar a pessoa não quer dizer que será um bom pai. O fato de a pessoa ser bom-caráter não quer dizer que será um bom pai. O fato de a pessoa ser um bom marido não quer dizer que será um bom pai.

Os atributos para criar uma criança são completamente diferentes – e seria bom que as pessoas comecem a ter isso em vista antes de reproduzir, se não, suas vidas podem virar um verdadeiro inferno. Não é o tipo de situação “quem perde é ele”, todos perdem: a criança, que acaba tendo um pai bosta e a pessoa que é obrigada a conviver com um parceiro que não ajuda (e muitas vezes atrapalha) o resto da vida.

O primeiro ponto dos atributos necessários para criar um lar saudável para uma criança é: querer ter um filho. Parece óbvio, mas eu arrisco dizer que a maior parte das pessoas que vivem neste mundo hoje tiveram filho por pressão (geralmente da mulher) ou por “acidente” (provocado ou não).

A pessoa que tem filhos pelos motivos errados (para o parceiro parar de encher o saco, para o parceiro não ir embora, etc.) em algum momento cobra essa conta. E é justamente quando mais se precisa dela presente. Só deve ter filhos o casal que tem absoluta certeza de que ambos querem muito ter filhos.

“Mas Sally, eu conheço o primo de uma amiga minha que não queria, mas quando a criança nasceu se encantou e hoje é o melhor pai do mundo”. Duas considerações: 1) será que é? Pega bem ser bom pai, as pessoas adoram ostentar isso em redes sociais, mas, na real, nem sempre são e 2) Se aconteceu, foi uma exceção. É uma burrice conduzir a sua vida achando que a exceção vai acontecer com você. Sempre conte com a regra geral, pois ela é a mais provável.

Então, se a pessoa tem dúvidas sobre querer ter um filho, é melhor não ter um filho com essa pessoa, ao menos até que ela tenha certeza. Seu tempo está acabando? Mata no peito e encara o desafio que é terminar e encontrar alguém que seja compatível com você e queira ter filhos. Forçar a barra só para não ter que passar por um término e essa busca é um motivo muito errado para trazer uma criança ao mundo.

Querer ter um filho é apenas um bom começo. É preciso avaliar se a pessoa tem o que é preciso para criar uma criança. Obviamente, os requisitos gerais para um relacionamento contam: respeito, cumplicidade, bom caráter etc. Mas, além deles, outros são necessários. Para fins didáticos, vamos tentar resumir tudo em duas categorias: requisitos objetivos e requisitos subjetivos.

Objetivos: Tempo + Dinheiro. Tem tempo suficiente para dar atenção, educar e passar tempo e qualidade nas diversas fases com diferentes demandas da vida de um filho? Tem condições financeiras de prover uma existência digna, suprindo as necessidades dessa criança?

Subjetivos: Maturidade emocional + Senso de sacrifício. Tem maturidade emocional para proporcionar um lar estável, sereno, sem brigas, sem gritos, sem violência e sem desequilíbrio para seu filho? Senso de sacrifício: tem a capacidade de se colocar em segundo plano e fazer sacrifícios de tempo, vida pessoa, financeiros, bem-estar e tudo mais que seja necessário em prol da criança?

Todo mundo acha que tem. Todo mundo acha que o parceiro tem. Mesmo quem não acha que o parceiro tem, acha que pode dar um jeito, que ele pode se esforçar, que ele vai mudar, que ele vai passar a ter, que o amor que sentirá pela criança vai se encarregar disso. Não vai. Vou repetir novamente, mais alto, para que todo mundo escute: NÃO VAI.

Pessoas em privação de sono, com uma casa fora da rotina, com menos tempo para si mesmas, afloram o que há de pior nelas. Se você está esperando que um filho mude as coisas para melhor, lamento te informar, mas não vai acontecer. Também não vai mudar para pior, ele apenas vai trazer à tona a verdade do que estava acontecendo, só que antes havia energia, tempo e disposição para camuflar.

Vamos dar uma passadinha rápida por esses quatro atributos para que vocês vejam como é mais comum do que a gente imagina que as pessoas se enganem a respeito deles.

Tempo. Quem se engana diz que tem pouco tempo para criança, mas o tempo que passará com ela será “de qualidade”. Pouco tempo e filho não combinam. Pouco tempo e filho = danos emocionais irreversíveis para a criança. É delegar a criação a terceiros (avós, babá, creche ou opções ainda piores). Criança demanda tempo. Pouco tempo de qualidade não basta. Ver a criança no café da manhã e no jantar não basta. É preciso escolher: abre mão de várias coisas na sua vida para ter mais tempo para filho ou, se não quiser abrir mão de várias coisas, não o tem. E vai ter quem diga aqui que não precisa disso não. Deixa os filhos dessa pessoa chegarem na adolescência e a gente conversa: tudo que você negligencia na infância volta em dobro na adolescência.

Dinheiro. Aqui as pessoas adoram usar a falácia do “reductio ad absurdum” para desacreditar uma verdade que dói: “quer dizer que só rico pode ter filho?”. Não, não quer dizer isso não. Quer dizer que se você não consegue suprir as exigências mínimas para uma existência digna para a criança, deve primeiro se estruturar financeiramente e só depois ter filho. E se nunca conseguir se estruturar financeiramente, francamente, não sei em que mundo você acha que pode suprir as necessidades de outro ser humano.

Maturidade emocional. O mínimo que se espera é ter uma relação bem estruturada e harmônica com o parceiro, um lar calmo, tranquilo, sem grandes desavenças e a habilidade para lidar de forma serena e equilibrada com conflitos, problemas e imprevistos. Isso inclui respeito, empatia, compaixão, coerência, responsabilidade, integridade e inteligência emocional. Pergunta para a Luana Piovani como é ter filhos com uma pessoa gente boa, mas quem não tem maturidade emocional. Nem precisa, ela mesma conta nas redes sociais.

Quer uma forma simples de avaliar a maturidade emocional? Faça o seguinte exercício mental: como seria minha relação com esta pessoa se a gente se separasse? Como esta pessoa arcaria com todas as responsabilidades relacionadas ao meu filho se eu não estivesse por perto ajudando e lembrando? Se a pessoa seria educada, justa e respeitosa após a separação e se cumpriria com todas as obrigações com o mesmo zelo e cuidado, ela tem maturidade emocional para ter um filho. Se não… não.

Senso de sacrifício. Por mais que o mundo insista em pintar tudo como um grande prazer, como um mar de rosas e felicidade, ter filhos envolve infinitos sacrifícios diários, de diferentes tamanhos e intensidades. Quem tem filhos, por mais eficiente que seja, vai ter que abrir mão de muito: tempo que usava para si mesmo, seus prazeres, trabalho, amigos e muito mais. Não é para abdicar por completo de tudo (talvez nos primeiros anos), mas as restrições serão enormes.

Não se iluda, você não vai dar um jeito, vai ter que fazer um monte de sacrifícios e sua vida, como você a conhecer hoje, vai deixar de existir. Você terá um filho para sempre, que, por no mínimo 18 anos demandará cuidados, despesas, tempo e disponibilidade emocional. Seu dinheiro não vai mais para seus prazeres, seu tempo não vai mais para você mesmo, seu sono será deficiente por muito tempo.

Está na moda passar pano para falta de senso de sacrifício dizendo “eu não posso me anular por ter um filho, eu tenho que fazer as minhas coisas”. Esse foi o argumento do ator global que, esta semana, largou a mulher com um bebê de 4 meses de idade. O infeliz disse frases medonhas para justificar meter o pé de casa como “Não lembro a última vez que fiquei sozinho pra refletir, que li um livro” e que ele se separou pois “não tive escolha, meu espírito sucumbiu”.

É uma pessoa sem senso de sacrifício. Diante de um ser humano que ele optou por colocar no mundo e que deveria ser sua prioridade máxima, diante de um ser que precisa dele para suprir todas as suas necessidades pelos próximos anos, o papai está desnorteado por não ter tempo para ler um livro, ficar sozinho e refletir. Já pensou? Ser largada sozinha com um bebê em uma fase altamente demandante pois o maridão não conseguia ler um livro?

Eu sei que dói perceber que o parceiro não está apto para ter filhos. Eu sei que dá medo ter que terminar e começar uma busca por alguém que seja um bom parceiro e um bom pai. Mas, acreditem, nada dói mais do que ter filho com uma pessoa que não tem o que precisa para ser um bom pai (lembrando sempre que vale para mãe também!), pois nesse caso, o dano não é só em você, é no seu filho também. Causar dano a um inocente que, supostamente é a pessoa que você mais ama no mundo por uma escolha bosta sua deve ser muito sofrido.

Um ponto que precisa ficar claro: salvo raras exceções, uma pessoa que não está pronta para ter filhos pode trabalhar para mudar isso e conseguir. Na maior parte das vezes, tudo pode ser trabalhado e melhorado para tornar a pessoa apta a criar filhos de forma minimamente decente, desde, é claro, que a própria pessoa queira, o que quase nunca é o caso.

O que se vê na maior parte das vezes é parceiro fazendo pressão para que a pessoa mude isso ou aqui, seja isso ou aquilo, queira isso ou aquilo. E a pessoa pressionada, por comodismo, ilusão ou sei lá qual motivo, acaba entrando nesse barco e dizendo que vai mudar. Spoiler: se a pessoa não quiser isso realmente, se não partir dela, a mudança não vem. Por isso não é sábio pressionar. Você pode mudar de pessoa, mas não pode mudar a pessoa. Só a pessoa pode mudar a pessoa.

Mas, vamos supor que estejamos falando de pessoas sem qualquer sociopatia ou psicopatia. Estas sim são pessoas que podem mudar seu comportamento, sua visão de mundo e suas prioridades se quiserem. Porém, dificilmente sozinhas. Maioria esmagadora dos casos a pessoa precisa de ajuda profissional (eu disse PROFISSIONAL, não coaching, não religião, não livro de autoajuda). Se a pessoa não topa procurar um profissional, consciente ou inconscientemente, ela não quer mudar.

Então, se você está com uma pessoa “ótima”, mas que tem questões importantes pendentes para ter o equilíbrio/maturidade emocional, senso de sacrifício, tempo livre e dinheiro, é preciso perguntar a ela se ela quer mudar (a pessoa tem o sagrado direito de não querer). Eu disse PERGUNTAR, não pedir que a pessoa mude. É patético pedir que uma pessoa mude para que ela se encaixe no seu sonho.

Se a pessoa QUER mudar, voluntariamente, sem nenhuma pressão sua, é preciso avaliar o que a pessoa pretende fazer para mudar. O simples querer não muda nada. Se a pessoa quer, por livre e espontânea vontade, e procura um profissional apto para ajudá-la, estipule um tempo na sua cabeça e observe se houve mudança. Sim, há pessoas que fazem terapia mas não querem mudar, vão ao terapeuta e mentem, se distraem, não trabalham o que tem que ser trabalhado, apenas fingem que fazem terapia. Por isso, esteja atento: se, depois de um tempo razoável, não houver progressos, sai fora. Ou a pessoa não quer ou simplesmente não consegue mudar.

Se eu tivesse que escolher um único grande erro em relacionamentos seria esse: o tempo que se espera para que o outro “mude”. É muito fácil deixar passar meses, até anos, esperando uma mudança, com base apenas na ilusão de uma promessa. As pessoas podem ser muito convincentes na hora de fazer promessas – e enganar até a elas mesmas. Se você não estipular um prazo, você vai jogar fora a sua vida. Quando a pessoa promete uma mudança ou uma melhora, estipule um prazo que ache razoável (mentalmente, sem compartilhar com a pessoa) e se nesse prazo ela não mudar, sai fora.

E, é claro, existem os casos extremos, onde não há nada que você possa fazer, não há amor ou profissionais no mundo suficiente para promover uma mudança, não há medicamentos que surtam efeito, não há macumba que dê jeito.

Existe uma minoria de casos onde sim, é possível generalizar e dizer que é melhor não ter filhos, pois, independente do esforço da pessoa, ela não tem o que precisa. Psicopatas, por exemplo. Só no seriado Dexter um psicopata coloca um filho em primeiro lugar. Psicopatas não são capazes de sentir empatia, culpa ou compaixão, portanto, zero condições de criar um filho de uma forma saudável.

O mesmo vale para pessoas com transtorno narcisista. Os maiores estragos emocionais que eu já vi em seres humanos foram feitos por mães narcisistas. É uma doença, então, não adianta promessa, não adianta esforço, não adianta tratamento, não adianta reza braba, a pessoa sempre será desta forma patológica e sua patologia implica em causar severos danos emocionais a uma criança, que ela arrastará para sua vida adulta. Curiosamente os narcisistas sempre querem ter filhos. Pega bem ter filhos, botar fotinho na mesa de trabalho, dizer que tem uma família.

Para terminar, vale lembrar que esses poucos requisitos que eu coloquei como sendo essenciais para dar um lar feliz e estruturado a uma criança são o básico, do básico, do básico. É muito justo que você acrescente outros que acha importante além desses.

“Mas Sally, se for levar tudo isso em conta, é muito difícil ter filhos”. Justamente. Ter filhos de uma forma que seja saudável e funcional para pais e filhos é realmente muito difícil. Encontrar um parceiro que, além de ser bom marido, seja um bom pai, é muito difícil. Sendo bem sincera aqui, nunca na minha vida me relacionei com alguém que eu achasse que tinha os atributos mínimos para ser um bom pai.

“Mas é meu sonho ter filhos”. Maravilha. Primeiro se torne você uma pessoa apta a ter filhos dentro do balizador mínimo que citamos aqui. Depois, e só depois, encontre um parceiro nas mesmas condições. Ter filhos de qualquer jeito, só por querer ter filhos, custa tão caro, gera tanta frustração e infelicidade que eu me senti na obrigação de vir aqui avisar.

E avalie bem se você quer de fato ter filhos. Ter filhos é enfiado na cabeça das pessoas como caminho para a felicidade e realização, mas nem de longe é o caminho mais seguro nem o único caminho. Não existem sonhos imutáveis, condições sine qua non que, se não atendidas, nos impedem de sermos felizes. Há muitos caminhos para a felicidade, se você não ficar obcecando com uma ideia. Ter filhos não é para todo mundo e passou da hora da sociedade ter essa conversa.

Para dizer que eu não sei o que é felicidade por não ter filhos, para dizer que amor supera tudo ou ainda para dizer que o grande problema é que pessoas com maturidade emocional geralmente querem outras pessoas com maturidade emocional para se relacionarem: sally@desfavor.com


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