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Ambiente sujo.

Ambiente sujo.

| Desfavor | | 12 comentários em Ambiente sujo.

Garimpeiros invadiram o Rio Madeira, no interior do Amazonas, com centenas de dragas e balsas para exploração ilegal de ouro. Há pelo menos 15 dias, eles se instalaram na região e formaram uma espécie de “vila flutuante” para a atividade. A presença de garimpeiros com balsas atuando na extração de ouro ao longo do rio Madeira não é novidade. Porém, a grande quantidade de dragas e balsas atuando no mesmo trecho chamou atenção, e a imagem impressiona. LINK


É novidade? Não. Mas é um excelente exemplo da escala do que realmente está causando problemas ambientais. Desfavor da Semana.

SALLY

A notícia em si não traz nenhuma novidade: preservação do meio-ambiente nunca foi o forte do país. Mas, tem nuances nessa premissa que acreditamos não estarem sendo discutidos, e é sobre eles que vamos falar.

O primeiro ponto é: não tem nenhuma novidade na forma como se trata o meio-ambiente no Brasil, em governos anteriores era um descaso também, só que Bolsonaro não se dá nem ao trabalho de esconder, de maquiar, de pedir desculpas dizendo que vai melhorar para depois não fazer nada. Basicamente, a diferença no governo Bolsonaro é que está escancarado.

Então, não dá para sustentar esse discurso de que o governo Bolsonaro está acabando com o meio-ambiente como se os anteriores tivessem o maior cuidado e zelo. Não. A diferença é o grau de dissimulação, a preocupação em maquiar dados e o discurso. Tá todo mundo errado, faz tempo. Só que os anteriores, escondiam o erro e, quando algum vinha à tona mesmo camuflado, pediam desculpas e prometiam melhoras – que não vinham.

Outro desfavor é pensar que o Brasil é o único que faz cagada. O mundo todo, salvo honrosas exceções, está tratando o meio-ambiente como lixo. O Brasil apanha mais por ter “mais natureza” para destruir e por ter um imbecil no poder que parece achar graça nisso. Não vamos deixar que sentimentos de repulsa nos ceguem: Bolsonaro é um lixo, mas quando ele diz que os países ricos não fazem nada, ele tem razão.

Todos os países ou poluem ou dão dinheiro para quem está poluindo, pois este é o sistema de funcionamento que o ser humano tem: ainda não sabemos/conseguimos/queremos produzir em grande escala e por um valor razoável sem detonar o meio-ambiente. O Brasil merece apanhar publicamente? Sim, tá fazendo muita merda. Mas, por uma questão de justiça, tem que bater em muitos outros também.

Outro desfavor: culpabilizarem o cidadão. A destruição relevante do meio-ambiente vem de grandes empresas: fábricas, aviação etc. Mas, de alguma forma, um discurso de responsabilização do indivíduo foi crescendo ao longo dos anos: indústria joga 500 toneladas de plástico no mar por dia, mas o problema é o seu canudinho. Vamos proibir o canudinho.

E meu ponto não é me opor a restrições, eu não sou esse tipo de pessoa. Eu fui, sou e serei fervorosa defensora de muitas restrições. Defendi a quarentena aos berros toda semana aqui quando governo dizia que as pessoas podiam sair. O que eu me oponho é a restrições inúteis: enquanto tiver indústria jogando 500 toneladas de plástico, o canudinho do brasileiro não vai fazer a menor diferença.

Não é como seu eu fosse deixar a torneira aberta só de sacanagem para gastar a água do planeta. Mas não acho válido impor restrições que não são úteis e que não fazem a menor diferença, muito menos responsabilizar apenas quem causa o 1% da poluição, enquanto quem causa o 99% da poluição continua com carta branca.

Sim, cada um de nós tem que fazer a sua parte por um mundo melhor, mas, esse é o ponto: mijar e não dar a descarga para economizar água e outros sacrifícios do tipo não vão gerar um mundo melhor, logo, você não está fazendo a sua parte porra nenhuma, mas se acomoda, por pensar que está fazendo. Essas atitudes individuais não vão fazer diferença, mesmo que todo brasileiro o faça. E neste ponto muita gente pula, se irrita e parte para cima com comentários agressivos, o que nos leva a mais um desfavor.

Não é só o governo que age de forma perversa, o brasileiro também. Por qual motivo o brasileiro permitiu ser responsabilizado por catástrofes nas quais ele tem menos de 1% de participação? Por ter um ganho secundário enorme nisso. Nada como postar uma fotinho em rede social reciclando embalagem de iogurte para parecer uma ótima pessoa.

E é uma faca de dois gumes: a pessoa ganha o status social de ser “boa” por se preocupar com o meio-ambiente e a pessoa também se sente bem, útil e muito legal por estar fazendo isso. Se antigamente as pessoas rezavam uma Ave Maria e um Pai Nosso para compensar as cagadas que se faziam, hoje se adota alguma pequena medida ambiental.

Estudos já comprovaram que se você tem ao menos um filho, nada do que você possa fazer em matéria de meio-ambiente vai compensar o consumo de recursos naturais que esse ser humano que você colocou no mundo vai gerar. “Mas Sally, se eu reciclar ou gastar menos água já ajuda em alguma coisa, né?”. NÃO. É isso que estou tentando dizer há anos: sua atitude isolada (ou a de toda a população brasileira) é irrelevante. Não gera um benefício capaz de impedir a danação que os outros 99% vão causar.

Remova o 1% que a população depreda e os 99% que as empresas depredam ainda vai acabar com o planeta, do mesmo jeito, com a mesma intensidade e na mesma data. É um esforço em vão. Mas as pessoas fazem, pois se sentem bem. É basicamente ego, não consciência ambiental. Fazem para parecerem boas aos olhos dos outros e para se sentirem bem consigo mesmas.

Sabe o que alguém que realmente se preocupa com o planeta faz? Em vez de mijar e não dar a descarga a pessoa mobiliza outras pessoas e pressiona o governo e as indústrias que estão causando o 99% de poluição. Mas isso não acontece no Brasil. O povo é tão sem capacidade de mobilização que se convenceu de que nada do que ele faça pode pressionar um governo ou uma indústria. Vocês são o elefante preso no toco.

E, aposto com vocês, vai aparecer algum anencefálico nos comentários com a narrativa adolescente trabalhada no deboche dizendo “sim, claro, até parece que temos escolha, até parece que podemos pressionar governo e indústria” como se isso não fosse possível! Como são ovelhas, como são submissos, como são desempoderados os que pensam assim… Não se acham capazes de nada como desculpa para preguiça e incompetência de executar algo. Com um povo assim, o Brasil tem mais é que arder em chamas mesmo, queimando até a última árvore.

O curioso é que quem mais deveria se preocupar com isso, que é quem tem filhos, é quem mais parece se abraçar à atitude de pequenas medidas como solução. Não é solução. Ou você pressiona indústrias e governo ou corre o risco de deixar um mundo de escassez para o seu filho. Em vez de mijar e não dar a descarga, levanta o cu do sofá e vai fazer algo útil.

Aí tem mais uma retórica de imbecilóide que sempre aparece: “Ain mas você acha que é fácil”. Eu nunca disse aqui que nada era fácil. NADA. Em 13 anos eu nunca devo ter escrito “faça isso, isso é fácil”. Parem de perguntar se eu acho que é fácil. Usem o único neurônio exausto que se esconde debaixo do boné de aba reta para entender que o fato de algo ser possível não quer dizer que seja fácil. É possível. Estão realmente preocupados com o meio ambiente? Façam. Mesmo sendo difícil.

Não vão fazer. Primeiro por não saberem como, pois continuam sendo o elefante no toco, segundo por não acharem que tem essa capacidade e terceiro por terem outras prioridades egóicas na vida. Então, me desculpa, mas quem se vangloria dessas pequenas medidas a favor do meio ambiente não entendeu nada, quer apenas posar de boa pessoa, que se sentir bem ou está com tanto medo de olhar para o fato de que isso não resolve, que se apega a uma mentira para não sofrer pensando na merda de mundo que vai deixar para os filhos e netos.

E quando encontram alguém que aponta que estas medidas são apenas egóicas e inúteis, pulam feito um cabrito. “Não, não me tire uma coisa que me faz sentir bem!”. Ninguém está aqui com a intenção de roubar a sua paz, estamos aqui na intenção de alertar para o fato de que esses esforços são inúteis e que tem coisas úteis que podem ser feitas.

Para terminar, os deixo com a informação que o grau de depredação que o planeta já sofreu não se reverte mais se mantivermos a sociedade atual, não importa quanto esforço individual façamos. Irreversível, entendem? Então, quem quiser tapar o sol com a peneira, enxugar gelo e continuar deixando urina parada no vaso sanitário que o faça, mas está apenas se enganando. Atitude útil é outra coisa e seria mais inteligente usar tempo e energia em algo útil, ainda que não seja tão satisfatório para o ego e para a imagem.

É como socorrer uma pessoa que levou um tiro de 12 na barriga colocando um band-aid, ir embora e dizer todo orgulhoso “Eu estou fazendo a minha parte!”. NÃO. Não tem como você salvar essa pessoa com um band-aid, não tem a mais remota possibilidade de que ela sobreviva, nem se toda a população brasileira for colocar um band-aid nela, pois o band-aid, não importa em qual quantidade, não é o meio correto para tratar essa ferida. Tem que levar essa pessoa para o hospital, para ser operada, para levar pontos, para tomar antibiótico.

Parem de perder tempo com imbecilidades que não fazem diferença e comecem a se mexer para que seus filhos e seus netos efetivamente tenham um planeta melhor no futuro.

Para dizer que não tem filhos e que quem tem que lute, para dizer que quem leva tiro de 12 não sobrevive ou ainda para dizer que esperava que falássemos mal da Black Friday: sally@desfavor.com

SOMIR

Aproveitando o ensejo dos 13 anos de Desfavor, dá para fazer uma retrospectiva rápida da mentalidade das pessoas sobre preservação ambiental do fim do século passado até os dias atuais. Minhas memórias dos anos 80 são de preocupação zero com a questão. No máximo as pessoas ficavam com dó de algum bicho que achavam bonito.

Dos anos 90 pra frente, começa um movimento de conscientização sobre o impacto da humanidade sobre a natureza. Sim, existiam ativistas e pessoas preocupadas com o tema há muito mais tempo, mas eu estou falando da percepção do povo em geral. É quando o assunto entra em conversas de pessoas comuns. Mas ainda era uma conversa “nobre”. Algo que você se preocupava porque te dava pontos de pessoa boa.

Nos anos 2000, e progressivamente até aqui nos anos 2020, a coisa começou a ficar mais grave na cabeça de muita gente: não era mais sobre proteger o mico leão dourado, era sobre a própria proteção. Preservação ambiental e esforços antipoluição começam a ser discutidos pelo ângulo das consequências para a vida humana. Aquecimento global vai para o centro do palco e acaba controlando a narrativa toda. A humanidade começa uma luta contra a subida constante da temperatura média do mundo.

Quer dizer, diz que começa uma luta. Porque na prática, mesmo com todas as convenções e acordos multilaterais que vimos nesse meio tempo, não é como se estivéssemos fazendo alguma coisa prática. Os maiores poluidores do mundo continuam poluindo em escalas absurdas, e por mais que alguns países ricos europeus pareçam muito preocupados com a questão, seus esforços ainda não causam grande impacto no cenário global.

E um dos grandes problemas que eu enxergo nessa história toda é a politização desnecessária do tema: desacreditar aquecimento global virou parte do pacote de opiniões políticas dos conservadores. Ao invés de analisar a questão de forma científica, acabam transformando poluição e descaso com o ambiente numa forma de luta contra os liberais que querem transformar o mundo num inferno comunista. E do outro lado, os liberais que mais se preocupam com o aquecimento global não perdem uma oportunidade de misturar todo tipo de causa nessa conversa. Sua opinião sobre aquecimento global acaba virando parte de um pacote maior de crenças que nada tem a ver com aquecimento global.

E aí, o tema fica complicado de abordar, é muita bagagem desnecessária. Quando Bolsonaro diz que na conta geral o Brasil não tem quase nenhuma culpa da poluição mundial, ele está certo. Considerando o tamanho do país e quanta gente vive aqui, somos negligenciáveis em comparação com Estados Unidos, China, Índia e até mesmo União Europeia. É feio destruir a Amazônia, mas se todos os países fossem como o Brasil, o mundo estaria muito mais seguro contra o aquecimento global.

Claro, isso é mais resultado do nosso lento processo de industrialização e economia fraca em geral, mas o discurso da “direita” brasileira de que é feio vir apontar o dedo pra gente enquanto polui em ordens de magnitude maior não está longe da verdade. Só que eles dizem isso para criar uma falsa coerência de discurso: você pode ser contra o desmatamento e a poluição no Brasil e contra a do resto do mundo. Não é porque aqui se faz menos coisa errada em volume que a coisa deixa de ser errada.

Você pode ter quase todas suas posições baseadas em conservadorismo e ainda sim enxergar o perigo que é o ser humano poluir sem controle algum. Não é algo que te obrigue a aceitar todos os pontos dos “lacradores”. É só uma análise de fatos: existe um equilíbrio na natureza do qual dependemos para ter uma vida mais segura, e ele parece estar se quebrando numa velocidade tão grande que vai ficar difícil consertar no futuro.

Pode continuar brigando sobre o que estranhos fazem ou não com a bunda, mas vamos fazer isso num mundo sem catástrofes climáticas? Não é pedir muito, é? Se bem que… enquanto a questão estiver tão politizada, talvez seja. Estendendo o ponto que a Sally levantou no texto dela: existe politização até na culpa que se atribui ao cidadão médio. Como se fôssemos nós deixando a torneira aberta mais tempo do que o necessário que estamos realmente criando o aquecimento global. Essa falsa culpa jogada sobre o cidadão faz parte de uma guerra política, é um combo de empresas espertamente desviando o foco da culpa majoritária que tem e ilusão de superioridade pessoal que muita gente usa para avançar suas posições políticas.

A pessoa que recicla acaba se achando superior, e isso elimina uma parte da culpa por ignorar grandes operações poluidoras em atividade no mundo ao seu redor. A verdade é que a realidade está pouco se lixando para sua ideologia: não é a sua poluição pessoal que está criando problemas, é a poluição industrial descontrolada. Se todo mundo virar ecochato na vida pessoal e continuar aceitando que grandes empresas e governos lucrem com poluição, vamos continuar no mesmo caminho rumo ao aumento da temperatura média global, e vamos lidar com todas as consequências disso. Menos área produtiva, mais fenômenos meteorológicos perigosos…

O que acontece no Rio Madeira é uma operação econômica que com certeza é financiada por gente com muito dinheiro e com certeza conta com vistas grossas de várias autoridades subornadas. Se não controlarmos o governo que deixa isso acontecer, nunca vai ter fiscalização suficiente para controlar esse tipo de exploração irresponsável dos recursos naturais. Sim, eu concordo com o Bolsonaro que é muita filhadaputice dos europeus e americanos virem reclamar da nossa política ambiental, mas ao mesmo tempo acho que a ideia dele de bater palma para quem destrói o meio ambiente é completamente retardada. Gente com essa mentalidade não gera resultados práticos.

Todos os políticos que permitem esse tipo de abuso não poderiam mais ser eleitos para nada. Você vai achar outro que concorda com sua política sobre dar a bunda e que ao mesmo tempo não aceite suborno de garimpeiro e madeireiro na Amazônia. Não é tão difícil assim. É um perigo colocar sua visão sobre o meio ambiente no mesmo pacote das suas outras opiniões políticas, é algo que não tem política: é mato, é bicho, é água. Ou tem ou não tem. Ou vira nuvem de poeira e enchente, ou não vira.

E enquanto for lucrativo consumir os recursos do planeta de forma irresponsável, vão continuar fazendo. Nada contra fazer sua parte em casa, mas isso é o bônus. É o que você tem que fazer depois de boicotar empresa que polui e depois de nunca votar em político que deixa essas coisas acontecerem. É bonito reciclar, gastar menos água e deixar de usar o carro quando pode, mas é 1% do problema. 99% ainda estão aí ganhando seu dinheiro e seu voto.

Para dizer que somos ecochatos, para dizer que não vai deixar filhos e só deseja sorte para os outros, ou mesmo para dizer que só se preocupa com o que os outros fazem com a bunda mesmo: somir@desfavor.com


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