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Vacina de vento.

Vacina de vento.

| Desfavor | | 22 comentários em Vacina de vento.

A Polícia Civil indiciou, na quarta-feira, a funcionária da saúde de Niterói, na Região Metropolitana, por falsa aplicação da vacina contra a covid-19. A técnica de enfermagem prestou depoimento e foi indiciada por peculato e infração de medida sanitária preventiva. Vídeos divulgados por parentes mostram o momento em que os técnicos aplicam a seringa no braço dos idosos, mas eles não recebem a dose do imunizante. Já foram registrados casos de falsa aplicação de doses no Rio de Janeiro, Niterói e Petrópolis. LINK


Não tem um minuto de sossego? Não no Brasil. Desfavor da Semana.

SALLY

Um dia desses eu estava vendo um documentário na Nat Geo, sobre comportamento de primatas em zoológicos. Dois orangotangos dividiam o mesmo espaço e os treinadores os alimentavam deixando baldes cheios de comida à disposição. Os bichos pegavam os baldes cheios de frutas e levavam para suas baias para comer quando tivessem fome.

Um dos orangotangos resolveu ser espertinho e roubar comida. Quando ele tinha uma oportunidade de ter acesso aos baldes sozinho, tirava as frutas do balde do colega e as substituía por pedras, assim o outro orangotango não percebia o que estava acontecendo: ele levava o balde para o seu canto e, quando ia comer, percebia que não tinha comida lá.

Por qual motivo estou contando essa história? Para mostrar que os orangotangos são mais inteligentes que o brasileiro. Ao menos quando eles querem roubar algo, eles sabem que tem que repor com outro conteúdo falso para que seu roubo não seja tão perceptível.

Os filhos da puta que estão aplicando ar em vez de vacina nas pessoas, além de serem uns escrotos sem caráter, também são burros, muito burros. Se tivessem substituído o conteúdo da embalagem da vacina por um líquido inofensivo e tivessem de fato injetado algo nas pessoas ninguém descobriria. Não basta ser um crápula sem ética arrombado filho da puta, também tem que ser burro feito uma porta.

O que nos leva à velha premissa: o problema não é o país tal que atrasa a entrega da vacina. O problema não é um Presidente da República burro, mal-intencionado e negacionista, o problema, meus queridos, é o brasileiro. E o problema é grave, pois o problema não se acha o problema, portanto, não está aberto a refletir e melhorar. Para o problema (os brasileiros), o problema sempre são os outros.

Eu não sei bem por qual motivo tantas pessoas estão sendo vacinadas com ar, mas todo dia aparecem notícias novas de profissionais da saúde de viram o frasco da vacina, enfiam a seringa e, em vez de puxar a vacina, puxam ar a injetam ar nas pessoas. Isso quando injetam, tem uns que nem isso, espetam a agulha mas nunca empurram o êmbolo.

O que se diz no país onde eu moro é que alguns fazem isso para guardar a vacina e vender por fora para pessoas dispostas a pagar mais caro por ela no mercado negro e que outros o fazem como sabotagem mesmo, bolsonarista maluco que quer ver a pandemia continuar a se espalhar para dizer ao mundo “tá vendo que a vachina do Dória não protege porra nenhuma?”. Talvez sejam outros motivos, vai saber. O que importa é que muita gente que está confiante de que foi vacinada, na verdade não foi.

Isso é muito grave. Isso expõe a vida da pessoa e dos que a cercam a riscos. Não importa o motivo pelo qual alguém decida fingir que aplica uma vacina, é de uma canalhice sem precedentes. E, além de ser canalhice, é também de uma burrice sem igual, não apenas pela forma tosca pela qual é feito, mas pela imbecilidade de jogar contra o coletivo.

Existe um motivo pelo qual o plano de vacinação mundial respeita uma ordem. Injetar ar em um profissional da saúde pode significar um médico a menos para te atender ou para atender alguma pessoa com a qual você se importe. Deixar adoecer quem está na linha de frente é um tiro no pé. Injetar ar em um idoso, grupo mais vulnerável e que mais ocupa leitos, joga mais pessoas em hospitais e faz colapsar o sistema de saúde, o que prejudica a todos, pois quando a pessoa precisa de atendimento, não o tem.

Então, se o brasileiro pensa que está sendo esperto pagando por fora para que pessoas que deveriam ser prioridade deixem de receber suas vacinas e ele possa tomá-la em seu lugar, lamento informar, mas está sendo extremamente burro. Está se sabotando. Está sabotando toda a sociedade. Tanto quem paga como quem injeta ar deveriam ser investigados e punidos por tentativa de homicídio.

Tem quem esteja sabotando descaradamente, como um grupo de imbecis no Espírito Santo que desligou propositadamente a refrigeração e fez com que uma cidade perca todas as doses de vacina. Péssimo, mas eu consigo entender que, nesse caso, são pessoas mentalmente doentes que talvez acreditem estar fazendo algo bom, “salvando” os outros de ter um chip implantado no cérebro ou qualquer outra ignorância que acreditem. Quem injeta ar para vender vacina no mercado negro é apenas um grande filho da puta sem caráter.

A coisa já está tão recorrente que a prática ganhou nome: “Vacina de Vento”. Por isso, vou fechar o texto de hoje dando dicas de como você pode se prevenir e ajudar seus familiares, para que não sejam vítimas dessa escrotidão.

Para tentar impedir que façam uma merda dessas, nunca entre para tomar a vacina sozinho. Entre acompanhado por alguém, de preferência filmando o processo com o celular. Se não deixarem mais ninguém entrar, filme você. Não precisa confrontar e dizer que está desconfiado, basta fingir ser influencer e estar mostrando para seus seguidores o processo de vacinação.

É 100% garantido? Não. Em Goiânia, o filho filmou o pai tomando a vacina e, mesmo sabendo que estava sendo filmada, a funcionária enfiou a agulha no braço do idoso, mas não injetou o líquido. Precisaram advertir a responsável pela aplicação, dizendo que o líquido não havia sido injetado, para que ela o faça. Está tudo filmado e disponível para quem quiser ver. E não é um caso isolado, tem dezenas de vídeos desse tipo, em Goiás e em outros Estados. Então, só filmar pode não ser suficiente, mas ao menos você tem como provar o que aconteceu.

Há lugares com cartazes dizendo que é proibido filmar. Isso, por si só já me faria desconfiar. Se não deixarem filmar nem entrar alguém com você, fique bem atento e peça para ver o passo a passo do que a pessoa está fazendo: a seringa, o frasco da vacina, tudo tem que estar lacrado e deve ser aberto e manipulado na sua frente. Você tem o direito de exigir isso.

Ao administrar a vacina em qualquer pessoa, o funcionário deve seguir um protocolo (POP – Protocolo Operacional Padrão), que consiste no seguinte: o funcionário deve mostrar o passo a passo da aplicação, desde a retirada da vacina da caixa até a aplicação. Vamos detalhar esse passo a passo para você estar ciente e, se ele não for cumprido, não aceite tomar a vacina e denuncie imediatamente.

A caixa onde está a vacina deve estar lacrada e aberta na frente da pessoa que vai tomar a vacina, para que ela veja que estava lacrada. O frasco de vidro onde ela está tem que estar etiquetado. Em uma busca rápida no Google você consegue ver como é a etiqueta da vacina que você vai tomar.

Verifique também a cor do líquido e o quanto a embalagem está cheia. Não duvido que, agora que foram flagrados injetando ar, comecem a substituir a vacina por outro líquido qualquer. Vai que o brasileiro consegue chegar ao patamar de inteligência de um orangotango, nunca se sabe.

O conteúdo do frasco deve ser colocado todo dentro da seringa, ou seja, quando o funcionário enfiar a agulha no frasco é muito importante que você tenha a certeza de que não sobrou nada no líquido lá dentro. Um adendo informado nos comentários do texto: As vacinas produzidas pelo Butantan são 10 doses por frasco. As vacinas monodose eram as primeiras, as próximas serão multidoses. Por isso, o controle ficou ainda mais difícil: é preciso verificar qual é a dose única com antecedência (ver a dosagem em qualquer foto da embalagem da vacina) e depois verificar se essa quantidade foi de fato é a que foi colocada na seringa.

Se o funcionário puxou todo o líquido do frasco, ainda assim, você deve se certificar de que ele o injetou todo dentro do seu braço. Se sobrou líquido dentro da seringa, você não foi devidamente imunizado. Novamente, chame a polícia, a imprensa, o Hulk, faça valer seu direito. Só deixe descartarem a seringa quando você tiver visto com absoluta certeza que ela está vazia.

Se você tiver qualquer dúvida durante a aplicação, não tome a vacina, pois vai ser complicado depois saber o que fazer: se você realmente tomou a vacina e reaplicar outra por cima, pode dar problema. Se tiver dúvidas, pergunte. Essas pessoas são pagas com os seus impostos e estão ali para te atender – e isso inclui não apenas te vacinar, mas também esclarecer qualquer dúvida. Não fique constrangido, pergunte, tire todas as dúvidas e, se achar que tem algo errado, denuncie na hora.

Se você já tomou a vacina, não verificou nada disso e agora está com medo de ter tomado uma vacina falsa, pode fazer um teste sorológico para ver a quantidade de anticorpos que o seu organismo desenvolveu. O resultado pode ser inconclusivo, mas também pode mostrar a presença de anticorpos específicos e acabar com a sua agonia. É um risco que você tem que estar disposto a correr: vai gastar dinheiro podendo ou não ter uma resposta.

O melhor momento para fazer é cerca de duas semanas após a aplicação da última dose da vacina, quando seu corpo já tem que estar produzindo anticorpos de forma relativamente eficiente.

O problema é estamos falando de um exame que nem todo laboratório faz e com um precinho bem salgado (em média, R$400,00) e que, às vezes, dá um resultado que não é esclarecedor: pode acontecer da covid não causar resposta imune em algumas pessoas, mesmo vacinadas. Nesse caso, se não forem encontrados anticorpos, não tem como saber se foi pela falta de vacina ou pelo organismo da pessoa não produzir resposta imune. Mas, se forem encontrados, você pode respirar aliviado. Se achar que vale, faça.

Vocês percebem o absurdo que é precisar dar esse tipo de conselho? No Brasil a pessoa tem que se proteger do vírus e dos funcionários que são pagos por ela para cuidarem dela. Não venham me dizer que isso é rotina em qualquer lugar do mundo, não venham me dizer que isso acontece de forma recorrente em um monte de países.

O grande problema é um só: o Fator Brasil. Não importa qual seja a situação, sempre vai ter brasileiro tentando se dar bem nem que para isso tenha que pisar no pescoço do colega e colocar sua vida em risco. Hoje é com a pandemia, amanhã sabe-se lá com que será. O grande problema é viver no Brasil e conviver e depender da prestação de serviços brasileira. E para isso, só há uma vacina: o aeroporto.

Repito o que já disse em outros textos: essa pandemia é um espelho que foi colocado na frente do brasileiro e agora ele está sendo obrigado a se olhar. Vejam bem o que está refletido na imagem e me digam se tem alguma chance de alguma coisa dar certo em um lugar que tem um povo assim. Hora de cair a ficha e parara de culpar fora. Ou o brasileiro começa a se corrigir, ou vai tomar uma correção muito dura na marra.

Para dizer que nem o aeroporto é saída mais pois todo mundo fechou as fronteiras com o Brasil, para dizer que torce por essa correção muito dura e na marra ou ainda para dizer que vai ter quem defenda a atitude de quem vende vacina por fora alegando que eles ganham mal: sally@desfavor.com

SOMIR

Alguns estudos sugerem que pelo menos 1% da humanidade é composta por psicopatas. Não necessariamente o tipo que comete assassinatos em série, mas pessoas com uma deficiência quase total de empatia pelo próximo. E normalmente não é fácil perceber que está lidando com uma dessas pessoas, não até você se tornar um obstáculo para ela.

Tendo em mente essa estatística, é mais fácil compreender porque tanta coisa horrível acontece nesse mundo. Se uma a cada cem pessoas não tem limite algum para passar por cima dos outros, era de se esperar um noticiário recheado de golpes e barbaridades, como de fato temos atualmente.

Tem gente sendo terrível no mundo todo, na Noruega e no Japão também. Por mais avançada que seja uma sociedade, não se escapa de lidar com essa parcela da sociedade. Ainda mais considerando que psicopatas calham de ter características valorizadas no meio corporativo e político, é até comum que o impacto deles numa sociedade seja amplificado pelo poder conquistado.

Eu gostaria de acreditar que a realidade brasileira pode ser explicada com a presença desses psicopatas. Mas, quando você começa a comparar o que acontece em países civilizados e países bagunçados como o Brasil, percebe que a conta não fecha. Era para todo mundo ter os mesmos problemas, mas o Brasil tem muito mais.

Será que o brasileiro tem disposição genética para ser mais psicopata que outros países? Não faz muito sentido, e isso tem tudo a ver com a miscigenação do povo tupiniquim: é uma gente tão misturada que é basicamente impossível dizer que qualquer característica genética seja tipicamente brasileira. Tem mais coisa nessa história do que psicopatia pura.

E é o que eu chamo de psicopatia casual. Uma mistura de burrice, desespero e abandono institucional que faz com que muitos brasileiros entrem e saiam de um estado mental psicopata de acordo com a situação ao seu redor. Uma espécie de lado negro do “jeitinho brasileiro”.

A pessoa vai se criando dentro da realidade brasileira com essa habilidade, muitas vezes por questão de sobrevivência: quando sua situação é extrema, você se habitua a ter comportamentos extremos para aguentar o tranco. Mas, ao mesmo tempo, o Brasil não tem guerra declarada ou grandes desastres naturais. Então, não é como se o povo vivesse numa situação de pressão constante.

O povo que vive numa situação extremamente perigosa o tempo todo desenvolve uma preferência por pessoas capazes de cooperar a maior parte do tempo. Mesmo que acabem brutalizados, tendem a manter algum senso de sociedade próxima, para aumentar suas chances de sobrevivência.

Mas para povos que vivem numa situação mista como a brasileira, ora debaixo de fogo cerrado pela desigualdade, ora relaxando na praia num país sem guerra ou terremoto, começa a se desenvolver essa psicopatia casual. A pessoa não é estimulada a pensar muito nas consequências de seus atos, mas tem que estar sempre pronta a negociar sua ética para se manter viável na sociedade.

Eu honestamente não sei se enfermeiros e enfermeiras que aplicam vacinas de vento têm noção completa da escrotidão que estão fazendo. Porque se você parar para pensar mesmo nisso, só um psicopata continuaria: você está se aproveitando de uma posição de confiança para fingir aplicar uma vacina num idoso contra uma doença excepcionalmente mortal em idosos. O “vacinado” vai sair de lá acreditando que está seguro, provavelmente relaxar suas medidas de proteção (não deveria ainda, mas vai) e aumentar o risco de contaminação. A pessoa não só não fez o seu trabalho, como colocou um terceiro em muito mais perigo que estava originalmente.

Não é uma passada de perna banal como embolsar o troco, é de uma crueldade que pouca gente teria capacidade se tivesse noção do que está fazendo. É por isso que eu falo de psicopatia casual: a pessoa fica sem sua empatia pela quantidade de tempo necessária para levar uma vantagem. No caso, eu apostaria sem medo de perder que tem gente comprando essas vacinas. É muito mais fácil ser uma pessoa horrível se você não tem capacidade de pensar profundamente sobre as consequências dos seus atos.

É a maldição do brasileiro: acha que todo mundo está nessa vida só para sacanear os outros, então sacaneia preventivamente. É uma lógica circular que permite as falhas de caráter que vemos o tempo todo. É culpa do sistema? É culpa do sistema. É acomodação do povo nessa situação? É acomodação do povo nessa situação. A cada quatro anos, o brasileiro acha que vai quebrar esse ciclo com um salvador da pátria, que vai mudar a lógica do sistema e permitir que ele finalmente possa deixar de ser desonesto e egoísta na vida particular.

Mas esse salvador nunca vem. O sistema cria o povo, mas o povo cria o sistema. A definição da loucura não é tentar a mesma coisa seguidas vezes esperando resultados diferentes? Pois bem, o brasileiro é insano na sua tentativa de mudar o sistema sem mudar a sua forma de agir. O desfavor é que essa psicopatia casual é uma forma de funcionar válida no Brasil. Num país sério ninguém ia sossegar até que quem vendeu e especialmente quem comprou essa vacina que não foi aplicada num idoso fossem pegos e exemplarmente punidos.

No Brasil, é provável que isso não seja levado a sério de verdade ao ponto de gerar consequências terríveis para os envolvidos nesse processo de desvio de vacinas, talvez nem se procure de verdade o comprador. A responsabilidade é jogada de volta no cidadão, que agora tem que fiscalizar o processo de vacinação para não receber uma dose de ar!

E vacina de vento vira meme, mais uma parte da cultura popular dos psicopatas casuais. Quem for otário e confiar em outros sem tentar prever qual o golpe da vez que seja passado pra trás, porque nos acostumamos desse jeito. Mas na próxima eleição… a gente coloca alguém no poder que resolva tudo isso sem ter que fazer muito esforço no processo.

Para dizer que cansou desses temas (vamos ficar até 2030 falando disso se precisar), para dizer que é triste, mas que decorou as dicas da Sally, ou mesmo para dizer que a reforma da previdência não para: somir@desfavor.com


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