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Adpocalypse Parte 1: Homem-Aranha e Elsa grávida.

Adpocalypse Parte 1: Homem-Aranha e Elsa grávida.

| Somir | | 12 comentários em Adpocalypse Parte 1: Homem-Aranha e Elsa grávida.

Se o seu cérebro não derreteu com o título do post, não vai ajudar saber que esse é um Publiciotários em duas partes. Calma, calma, vamos nos situar: há algo de podre no mercado da propaganda online, muitos anunciantes começam a ficar preocupados com onde exatamente seu dinheiro está indo nesse mundo de anúncios em redes sociais. E não sem razão. O título? Bom, você vai ter que clicar para saber mais…

Pra você ver como funciona. Pra você e aparentemente para crianças em idade pré-escolar. Talvez você já tenha ouvido falar sobre os vídeos insanos que empesteavam o YouTube com personagens famosas dos quadrinhos e do cinema (o que hoje em dia dá quase no mesmo). Se já sabe, o texto de sexta vai ser mais interessante que esse, senão, prepare-se. No começo de 2017 alguns pais notaram que seus filhos estavam assistindo vídeos muito estranhos no Youtube. Vídeos aparentemente inocentes com personagens famosas em cenários coloridos e músicas infantis, mas numa pegada completamente nonsense e por vezes, adulta demais para esse público.

Atualmente o YouTube conseguiu derrubar boa parte deles, faz poucos dias que eles tomaram oficialmente uma posição sobre as maluquices que estavam acontecendo, mas sabem como é, controlar conteúdo na internet… não demorou muito para achar mais desses vídeos. Eu poderia descrever, mas vou linkar:

Se o vídeo cair até a data de publicação deste texto, eu salvei essa desgraça e subo para vocês poderem ver depois. Se você já viu, não deve ter entendido porra nenhuma. Afinal, faz parte do modelo de negócios de quem está ganhando dinheiro com os vídeos: produzir o conteúdo mais atraente para crianças pequenas que passam a porra do dia todo abraçadas com um tablet. E em quantidades avassaladoras. Percebe-se que o conceito de narrativa e aprendizado fica totalmente em segundo plano. Quando o assunto realmente estourou na internet, tínhamos centenas de canais cuspindo vídeos do tipo diariamente. Se você procurar agora ainda vai achar, mas muito menos prevalentes.

Quem entende de animação, 2D ou 3D, sabe o trabalho insano que dá produzir um filme de qualidade, aliás, até um filme porcaria dá muito trabalho. Se eu te dissesse que só uma rede de canais do Youtube soltava uns 60 por mês sem parar por mais de um ano, é de se desconfiar que tem atalhos nesse processo, não? E realmente tinha: os vídeos eram tão nonsense e repetitivos (inclusive entre eles mesmos, cada vídeo variava só o necessário para o robô do YouTube não marcar como duplicado) que a melhor teoria era a de um algorítimo produzindo isso baseado em rotinas de animação e modelos pré-prontos. E se você viu o exemplo alguns parágrafos acima, não parece algo feito por um alienígena? Pois bem, essa era a norma. Se você pesquisar por #ElsaGate no Google, vai achar várias compilações dos momentos mais questionáveis desses vídeos. Violência, sexualidade (e não do tipo “educativo) e conteúdo completamente vazio no resto do tempo.

E agora vamos pensar juntos: o que faz alguém montar uma estrutura complexa de produção em volume de animações para o YouTube, todas sem pé nem cabeça? Pergunta boba, é claro que a resposta é dinheiro. E havia dinheiro ali, provavelmente milhões. O YouTube paga para os canais uma porcentagem do que recebe de seus anunciantes, quanto mais vezes seu canal mostra os anúncios, mais você recebe. E o que essas doentias e brilhantes mentes notaram, bem antes da curva?

Crianças em idade pré-escolar são a melhor plateia para propagandas de YouTube de todos os tempos. Bizarrices à parte, faz todo o sentido: nessa idade crianças não sabem ler, são extremamente passivas com o conteúdo que recebem e ainda por cima, são basicamente imunes a se cansar de algo pela repetição. Basta um pai querendo sossego (e sendo relaxado) colocando a criança na frente de um tablet e ela vai assistir tudo o que vier no caminho dela. Quando interagir, vai ser para cutucar a tela onde aparecem os bichinhos que ela quer ver. E é aí que entram o Homem-Aranha e a Elsa grávida.

Aqui falamos de reconhecimento de marca: a Disney gastou e ainda gasta bilhões em publicidade para manter suas marcas na memória recente das crianças. Homem-Aranha foi um dos personagens de quadrinhos com mais filmes até hoje, estamos indo para o terceiro reboot da franquia. Frozen foi um dos maiores sucessos da história da Disney, e ainda rende o suficiente para a empresa do camundongo mantê-la em evidência. Uma criança dessa idade – principalmente de famílias mais pobres sem acesso ao conteúdo dos canais infantis pagos – tende a ter muito contato com essas grandes marcas, sem grandes diluições no resto do seu consumo (forçado) de mídia.

Temos duas personagens muito famosas e que crianças reconhecem instantaneamente. Isso já geraria muitos cliques, mas quem publicava esses vídeos era ainda mais esperto. A Elsa do Frozen vive aparecendo grávida nesses vídeos, e há uma estranha predileção por agulhas neles. Da onde tiraram isso? Bom, uma das regras mais valiosas em qualquer tipo de produção de conteúdo é conhecer seu público. Crianças nessa faixa de idade costumam estar fascinadas com gravidez e vacinação. Nessa faixa dos quatro ou cinco anos de idade, muitos pais estão tendo os segundos filhos. E também é a primeira vacinação “memorável” desse ser humaninho.

A criança vê os personagens que conhece, vê gravidez e agulhas. É tipo cocaína para pré-escolares. E quando o vídeo começa, um monte de situações nonsense acompanhada por músicas infantilóides ocupam a tela por vários e vários minutos. Acaba um o YouTube enfileira outro. Hoje em dia, o sistema tenta prever seus gostos e te dar coisas parecidas na sequência. E com centenas de vídeos saindo por semana, pode apostar que vai ter o que colocar em sequência. E nesse processo, essas crianças assistem todas as propagandas na íntegra, cagando também o algorítimo de gosto para propagandas que o Google tem.

Resultado: o YouTube conta para o anunciante que ele teve milhares de visualizações e paga o equivalente para o dono do canal. Percebem onde o sistema começa a cagar? Se foi uma criança de quatro anos que viu seu anúncio dezesseis vezes em uma hora, há de se convir que o dinheiro não foi bem gasto. Mesmo se você vender brinquedos… até mesmo para lavagem cerebral abusiva tem um limite de custo/benefício. Sem contar que não existe um botão “mostrar para crianças” no YouTube, como é um ramo muito controlado da publicidade, no máximo dá para aproximar um público-alvo. A sua propaganda para adolescentes pode facilmente cair num desses canais insanos para pré-escolares e torrar a verba com bobagem.

Os anunciantes não ficaram felizes com isso. Nem um pouco. Já existe uma conversa bem sólida nas grandes contas publicitárias do mundo sobre uma certa esquizofrenia com as propagandas em redes sociais. Tem dinheiro indo pro ralo aí, com certeza, só não existe consenso sobre onde ele está. Aliás, era uma piada publicitária super antiga sobre os meios de comunicação tradicionais como TV, rádio, outdoor: metade da verba de publicidade é desperdiçada, só que ninguém sabe qual metade. A internet permite um processo publicitário mais claro, com resultados individuais de cada propaganda feita, quem viu, como viu e como reagiu, mas ainda sim demonstra seus problemas em casos como esse.

E dessa preocupação com quem está vendo as propagandas de verdade que surge o termo “Adpocalypse”, uma construção com as palavras anúncios (ads) e apocalipse (adivinha…). O Adpocalypse é o suposto momento onde os grandes anunciantes mandam YouTube, Google, Facebook e afins pastarem por não confiarem mais que eles entregam resultados. Por não saber se sua propaganda de carro está sendo vista por um consumidor potencial, por uma criança babando num tablet ou mesmo por um outro computador programado para simular audiência. Claro que boas práticas por parte da agência (e as outras partes envolvidas no processo de distribuição de mídia digital) podem mitigar muito os perigos, mas a ideia que propaganda na internet não é tão bacana assim como pintavam fica cada vez mais factível.

Ainda mais quando as mídias fazem vistas grossas como Google (dono do YouTube) e o Facebook. O Google tinha que aprovar manualmente um por um dos canais de vídeos do Homem-Aranha e Elsa grávida, e provavelmente por delegar isso a um algorítimo (ou por ganância mesmo), deixou passar. O que emputece anunciantes e os donos dos direitos autorais das personagens. Imagina a felicidade da Disney ao descobrir que aquela porra toda passou debaixo do nariz do YouTube mesmo com toda a questão de direitos autorais envolvida. Pegou mal para o Google. Nem tanto tempo atrás o Facebook veio a público (pelo menos o publicitário) se desculpar por inflar um pouco (uns 3000%) a audiência dos vídeos publicitários que vivem aparecendo na sua timeline. Quem investe uns quinhentos reais por mês nessas mídias já ficou meio puto, imagina quem investe milhões e milhões?

Não me entendam mal, publicidade em redes sociais (e o YouTube está nesse balaio) é uma das melhores coisas que já aconteceu para o meu mercado até hoje. Quando bem feito, ajuda muito os clientes a encontrar e fidelizar consumidores, mas primeiro que quase ninguém faz bem feito por incompetência mesmo e depois que é fácil enrolar o anunciante com dados maquiados (muitas vezes pela própria rede social para parecer mais competitiva). O Adpocalypse não é um risco imediato, mas passou da hora dos gigantes das redes sociais darem mais satisfações sobre o que estão fazendo com a dinheirama que ganham para mostrar propagandas. Não sei se vocês sabem, mas o Google perde dinheiro com tudo o que faz MENOS com os anúncios. O sistema de pesquisa, o Gmail, o YouTube, o Drive… tudo dá prejuízo sem parar para eles. Mas os anúncios dão tanto dinheiro que viraram uma das maiores empresas do mundo.

O Facebook idem. Eles pagam o seu Facebook, Instagram e WhatsApp porque dá TANTO dinheiro com anúncios que eles podem pagar as contas dos servidores globais que sustentam esses serviços e ainda ficarem escrotamente bilionários. A internet que você conhece hoje em dia é sustentada quase que exclusivamente pelos anúncios. O modelo todo depende de muito tempo online das pessoas e uma rotação de conteúdo constante para maximizar as chances de visualização e interação com propagandas. O conteúdo que é produzido obedece essas regras, querendo ou não. O que eu quero dizer aqui é que um Adpocalypse real não quebra só uma rede social ou outra, ele destrói a internet como conhecemos. Sem juízo de valor aqui ainda, só uma constatação.

Mas com essa realização sobre o papel do anunciante na internet, vem um outro ponto tão interessante quanto preocupante: por que os anunciantes ainda não estão tentando controlar todo o conteúdo publicado? Eles pagam por essa porra toda. Bom… eles estão, e os criadores começam a sofrer. No próximo texto falamos mais sobre isso.

Até lá, divirta-se procurando mais vídeos bizarros para crianças.

Para dizer que foi mais didático que você esperava, para dizer que ainda está tentando entender o vídeo, ou mesmo para dizer que essa geração está fodida: somir@desfavor.com


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