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O som da discórdia.

O som da discórdia.

| Desfavor | | 27 comentários em O som da discórdia.

Há tempos Sally e Somir discutem sobre criar conteúdos em áudio para o desfavor, mas agora chegaram num impasse onde se fazem necessárias mais vozes, para arejar a discussão.

Tema de hoje: o desfavor deve ter colunas fixas de áudio?

SOMIR

Continuo tendo reservas sobre isso. E pretendo hoje pelo menos listá-las, para vocês partirem de uma base parecida com a minha. Até o momento que escrevo este texto, tenho a tendência de ser contra qualquer mudança considerável na fórmula do desfavor. Principalmente as que nos aproximem do “conteúdo médio” sendo publicado na internet atualmente.

Posso dizer uma coisa com segurança: sou bom em perceber tendências de longo prazo, principalmente no que tange comunicação na internet. Tenho vários textos aqui que comprovam a alegação, desde o poder da memes saindo dos porões da internet até mesmo os “justiceiros sociais” saindo de controle, ou mesmo a transição acelerada para empregos “inúteis”, se tem uma coisa que eu gosto de prestar atenção, são nesses movimentos globais.

E um deles – um que eu considero perigoso – é a mudança do papel da escrita para a comunicação humana. De uma certa forma, a escrita foi uma adaptação da nossa comunicação para compensar distâncias, físicas e temporais. A mecânica natural humana é a fala, mas a fala falha quando não é imediata. Falhava, isso é. Percebam como a evolução tecnológica da comunicação humana corre no sentido de corrigir esse problema, trazendo o instantâneo de volta, passo a passo. Nos conectamos por esse motivo, para recuperar o desejo ancestral da nossa fala não estar mais presa ao local, para não desaparecer ao sabor dos ventos…

Eu sei, eu sei… estou parecendo dramático, né? Contando uma história sobre a aventura humana da comunicação num texto sobre gravar audios para um blog que vive discutindo coisas como olhar para papel higiênico usado… mas vocês percebem que essa oportunidade de contextualizar uma ideia com esse grau de cuidado tem muito mais cara de texto do que de áudio? Eu sei que eu faço isso: quando estou falando, sou bem mais objetivo, não dá tempo de colocar todas as ideias surgindo numa frase, até porque sem a permanência da escrita, não se pode perder muito tempo em floreios quando se fala. E acreditem, eu sei muito bem que não se faz fãs quando se fala dessa forma.

Por isso, precisamos adaptar. Natural. E nessa adaptação, como tudo na vida, ganhamos e perdemos coisas. Agilidade em troca de densidade. Quando criamos a escrita, mal sabíamos que ela tomaria vida própria com o passar dos milênios, tornando-se algo à parte da fala. Não é só significar os sons que soltamos, é comunicar os pensamentos de uma forma completamente diferente, tirando o intermediário da voz da transferência do que está em nossas mentes. Escrever e ler é tão mais complexo do que codificar sons em símbolos que a maior parte da população mundial – mesmo quando alfabetizada – não é capaz de entender o que está escrito. É um meio muito especial, que eu não acredito que vá desaparecer, mas que colocava muita pressão em quem não gostava de “aprender uma língua nova”.

Em outros tempos, só se falava com alguém distante através de cartas. As pessoas tinham que desenvolver a capacidade da comunicação estritamente visual se quisessem saciar a necessidade primal que temos de comunicar. Mas, como todos estamos vendo, quando a barreira de entrada fica menor, as pessoas tendem a simplificar todo o processo. A tonelada de áudios no seu WhatsApp que não me deixa mentir, certo?

Estou dizendo que áudio é ruim? Não, não necessariamente. Mas áudios não são a mesma coisa que textos, não transmitem as mesmas coisas. Eu já escrevi outras vezes aqui que você sabe que venceu o analfabetismo funcional quando começa a ler ideias ao invés de palavras, tem algo de muito específico no texto que não se traduz no som. O atalho da ideia para o cérebro. Áudios e vídeos passam coisas diferentes, seja uma expressão, um sentimento, ou mesmo a cadência da fala, que fala muito por si só. É uma arte falar bem, admiro quem sabe usar isso e até gostaria de ser tão bom nisso quanto elas, mas é uma coisa diferente.

Diferente e arriscada: como já estabelecemos, é mais natural para qualquer um de nós falar do que escrever. Na escala evolutiva, estamos com a primeira muitos milênios a mais do que a segunda, e honestamente, parece que boa parte da humanidade ainda não sacou como a escrita funciona. Eu vejo a tendência de longo prazo aqui, a entropia da comunicação, por assim dizer: todo sistema tende a se equilibrar da forma menos complexa sem energia externa. Fala é menos complexa que escrita. Quando abrirmos a porteira, estamos flertando com a entropia. As pessoas vão gostar, nós vamos gostar, vai simplificar o processo para todas as partes…

E por mais que não nos perdamos nesse processo – eu a Sally ainda estaremos conversando com vocês – a tendência é que os textos rareiem. E tem mais uma coisa: a voz carrega uma personalidade muito mais fácil de compreender. Cada pessoa escreve diferente, mas isso é bem mais difícil de perceber, tanto que já enganamos vocês algumas vezes com isso. A voz não deixa dúvidas. Nossas personalidades vão vazar de uma forma nunca antes vista, e mesmo que eu retire provisoriamente minhas preocupações com privacidade, ainda sim corremos o risco de tornar o desfavor sobre pessoas muito mais do que sobre ideias. Porque é fácil escorregar nessa divisão. Na minha opinião, tudo nessa vida tende ao culto de personalidade. E eu teria que escrever uns dez parágrafos para explicar para vocês porque a frase acima não significa que eu tenho medo de ficar famoso e vocês virarem meus fãs enlouquecidos, mas… vamos fazer esse teste: se eu estivesse falando, jamais poderia ter esse grau de complexidade.

Tudo nessa vida tende ao culto de personalidade. E é só isso que o audio te daria. Pense nisso, sozinho.

Para dizer que eu só tenho preguiça, para dizer que eu tenho um talento para florear meu desgosto com mudanças, ou mesmo para dizer que aceita perder tudo para ouvir a Sally me chamando de viado de novo: somir@desfavor.com

SALLY

Como vocês gostaram muito das experiências em áudio, resolvemos trazer o tema a debate. Não é uma votação, ok? Neste caso, a nossa vontade é soberana. Apenas queremos saber como vocês se sentem a esse respeito. Vocês gostariam que os áudios que até então usamos como punição virem uma coluna fixa no Desfavor?

Pode ser qualquer tipo de áudio: troca áudio no whatsapp, conversas telefônicas ou até uma gravação feita especialmente para o Desfavor, comentando notícias, comentando as frases do Ei Você ou comentando o que vocês pedirem. A questão é: cabe áudio em um blog que sempre foi apenas de texto?

Acho que a questão da privacidade já foi superada faz tempo. Ambos estamos meio que cagando e andando para isso. A internet já escaralhou a tal ponto que podemos ser considerados reservados pelo simples fato de não ter nude nosso rodando por grupo de whatsapp, então, conhecer nossa voz parece inofensivo. Sem contar que, se havia algum perigo, bem, já era. Vocês já conhecem a voz de ambos.

Não vejo como um áudio desvirtue um blog. Não seria uma substituição de textos, seria um recurso a mais. Ok, no dia do áudio pode não ter texto, mas não será nada em larga escala, nem temos tempo para fazer áudios diários e a distância certamente não permitiria. Seria como, de vez em quando, dar uma variada, para oferecer um estímulo novo ao leitor.

Em 2009, quando começamos, isso seria complicado, pois quase ninguém teria disponibilidade para escutar áudios com facilidade. Hoje, com a massificação dos smartphones e planos de dados, você pode escutar no carro a caminho do trabalho (muito mais fácil do que ler), no transporte público, na fila no banco ou fazendo qualquer atividade que te tome sua capacidade visual mas que deixe livre sua audição. Por sinal, é muito mais comum estar com a audição livre do que com a visão.

A “linha editorial” não muda: continuaremos escrotos, arrogantes e provocativos. A diferença é que vocês terão Desfavor ouvido além de Desfavor lido. Quanto mais melhor, né? Quem sabe, um dia, a passo de cágado manco, não chegamos no vídeo? Com a popularização do YouTube, não precisamos mais ganhar na loteria para viabilizar o Desfavor TV. É um momento de escolha: queremos ficar tradicionais, dentro do plano original ou queremos começar a pensar em expandir?

A questão também vai além: como isso é visto pelos leitores? É progresso ou é trair o movimento? É um acréscimo ou enfraquece o que já temos? Fortalece ou enfraquece o Desfavor? Comentem, queremos saber.

Eu sou fã da escrita, é meu meio favorito. Sempre vai ser minha primeira escolha, mas… nem por isso precisamos nos fechar completamente para outros meios, né? Inclusive podemos pensar em um híbrido onde, para passar nossa mensagem, se misture texto e áudio. E, já que estamos sonhando, quão maravilhoso seria, nas postagens de áudio, abrir uma opção para que os leitores (se quiserem) comentem em áudio também? Inovação, é isso que me move.

Já pensou que coisa mais fascinante estar tomando banho e poder escutar, durante o banho, nossos maravilhosos textos sobre cu, vômito ou Bonde das Maravilhas? Qualidade de vida, Senhoras e Senhores. Isso se chama qualidade de vida! Tá na academia malhando (se não está, deveria estar, seu preguiçoso fdp) enquanto escuta um áudio sobre pornografia japonesa ou sobre técnicas para cagar fora de casa, olha que coisa mais indispensável para ser feliz!

Poder ouvir cada sarcasmo, cada deboche, cada xingamento que proferimos contra o outro… Sim, vai ser uma experiência engraçada. Por aqui vocês não conseguem entender nossas ideias, mas não tem noção do que se passa nos bastidores. Áudios permitiriam um acesso aos bastidores podres do Desfavor, um momento “gente como a gente”, praticamente um Making Off do blog, onde vocês poderão apreciar em todo seu esplendor a podridão de nossos corações em tempo real.

Eu gosto dos nossos textos, mas, gente, são quase dez anos de comunicação exclusivamente escrita. Até quando se pode sobreviver sem se reinventar? O importante não é o meio pelo qual divulgamos nossas ideias e sim a essência do que é dito. Mantendo nossa coerência e nosso estilo, não compromete o Desfavor fazer áudios eventuais.

Lembrando sempre que não vamos até a casa de vocês colocar uma arma em suas cabeças e obriga-los a ouvir o conteúdo que produzimos, então, se você não gosta de áudios, bem, sempre tem a possibilidade de não ouvi-los, mas permitir que o coleguinha que curte possa desfrutar deles.

Enfim, é só um embrião. Caso vocês não gostem da ideia, nem levamos adiante (vulgo “não vou ter um trabalho do cacete para convencer o Somir”). Pensem com carinho na ideia.

Para dizer que prefere escrito pois você lê o Desfavor enquanto caga, para dizer que por você tanto faz desde que não comecemos a cobrar ou ainda para dizer que, na verdade, não importa o meio, prefere receber conteúdo mais alto nível: sally@desfavor.com


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