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Racismo contra brancos.

Racismo contra brancos.

| Sally | | 113 comentários em Racismo contra brancos.

É bem provável que, se você perguntar por aí, os lacradores de rede social te digam que não existe racismo de negro contra branco, pois o negro tem um histórico de muito tempo de opressão e blá, blá, blá. São ignorantes. Desafio qualquer cabeça pensante (o que excluí os lacradores de internet, obviamente) a ler este texto até o final e continuar afirmando que não existe racismo contra brancos. Mais: pago uma quantia em dinheiro do meu bolso se alguém me apresentar uma argumentação racional válida contestando a existência de racismo contra brancos. Muita arrogância que um grupo se aproprie do termo “racismo”. Não, não. Há limites, e eu desenho a linha hoje, aqui: Flertando com o Desastre: Racismo contra brancos.

Muito se fala das atrocidades historicamente cometidas contra negros e pouco se fala sobre as atrocidades e perseguições historicamente cometidas contra outros grupos. Para você que acha que não pode haver nenhum tipo de racismo contra branco, pois branco não sofreu opressão, hierarquia, injustiças e perseguições massivas na história do mundo, venho te trazer um pouco de luz e informação. Vários brancos sofreram, mas só para começar, no texto de hoje quero falar de um único tipo (outros textos sobre o assunto virão): pessoas brancas de cabelo vermelho. Dificilmente você encontre outro grupo que tenha sido mais historicamente perseguido, escrotizado e massacrado.

Você sabia que ruivos foram perseguidos, excluídos, difamados e até mortos tendo como base apenas a cor do seu cabelo? Pois é, preconceito e injustiça, todo grupo já sofreu, o que varia é o marketing e a vitimização que se faz em torno disso. Se os ruivos quisessem, teriam ótimos argumentos para pedir cotas. Verdade verdadeira, tudo começou por eles serem minoria: é necessária uma combinação genética não muito frequente para que uma pessoa tenha cabelos vermelhos, logo, ruivos eram raros. O que é raro, desconhecido, gera medo e o ser humanos costuma reagir da forma mais imbecil possível quando confrontado com um medo.

Ao não conseguirem explicar o cabelo vermelho, começaram a divinizar, especular e criar mitos e lendas que denegriram os ruivos, causando perseguição, exclusão social, opressão, escravização, tortura e morte. E infelizmente ainda há resquícios disso atualmente.

No Egito antigo, a cor vermelha era associada ao deus Seth, um deus que não representava coisas muito bacanas: entre outras, violência, inveja e traição. Nem preciso dizer que, por ter o cabelo vermelho, os ruivos eram muito mal vistos. Egito antigo, ou seja, cerca de 3000 anos antes de Cristo. Eu disse 3000 anos antes de Cristo, olhando bem nos olhos de quem acha que 400 anos de escravidão foi o auge da maldade humana. Pense em um preconceito que mata e excluí por mais de quatro mil anos. Que tal? Merecem cotas?

E não era uma segregação estética, algo como “olha que feio, ele é ruivo”. No Egito antigo ruivos eram odiados e até sacrificados (muitos como oferendas à tumba de Osíris). Um “ser-humano macumba”, tá bom para vocês? Há registros históricos comprovando que eles eram tão excluídos que não podiam sequer conversar com outras pessoas, coisas ruins aconteciam a ruivos que dirigissem a palavra a não ruivos. Na Índia (também antes de Cristo), homens eram proibidos de se casar com mulheres ruivas e com mulheres deformadas. Sim, ser ruivo era uma deficiência, era algo incapacitante, uma deformidade.

Na Grécia também rolava uma exclusão forte, mesmo nas cabeças pensantes. Achavam, entre outras coisas ruins, que ruivos se tornavam vampiros após a morte. Vamos ver o que Aristóteles disse sobre os ruivos: “enquanto loiros são bravos como os leões, ruivos são de mau caráter como as raposas”. Com essa presunção, ruivos nunca tinham um julgamento justo, sempre acabavam pagando pelo crime dos outros e frequentemente morriam, seja por condenações, sejam linchados mesmo.

Com o passar do tempo, a situação não melhorou. Na idade média, mais precisamente no século XI, a fama continuava ruim, mas piorou quando uma imagem de Judas ruivo se popularizou e os ruivos foram classificados como traidores por causa disso. Tome quatro séculos de violência e preconceito. Ruivos eram impedidos de frequentar lugares de pessoas “normais”, eram hostilizados nas ruas e frequentemente sofriam violência ou eram mortos. Com o tempo, tudo que era figura ruim, desde a serpente que ofereceu a maçã a Adão até Maria Madalena e Caim (que matou o irmão) começaram a ser retratados ruivos. O auge foi quando começaram a retratar o diabo com cabelos vermelhos.

No século XV a coisa se agravou mais ainda quando a inquisição passou a caçar pessoas (não apenas mulheres) ruivas, atribuindo-lhes uma série de “crimes” como bruxaria. Por sinal, a primeira pessoa a ser morta com esta acusação foi uma ruiva, torturada até a morte. Nascer com cabelo ruivo significava perseguição e morte para homens e mulheres, pois a cor vermelha do cabelo era associada ao mal. Muitos ruivos foram jogadas na fogueira, inclusive crianças, apenas por sua cor de cabelo. Para completar o pacote de atrocidades, se acreditava que a gordura dos ruivos era um ingrediente essencial para desenvolver um potente veneno. Oferendas, demônios e ingredientes de receitas. E aí? Vale cotas? Não? Calma que vem mais.

É escravidão o problema? É a porra da escravidão? Matar, dizimar e torturar tá pouco? Beleza então. Quando os romanos invadiam e conquistavam, escravizaram uma quantidade tão grande de ruivos que durante aquele período ter cabelo vermelho virou uma característica inferiorizada, pois era o estereotipo de escravo. Em peças de teatro, quando os atores romanos queriam representar servidão, usavam perucas ruivas. Tá bom de estigma social para vocês? Durante muito tempo os ruivos foram apontados como inferiores, não apenas na sociedade como também eram retratados assim nas artes, até Shakespeare falava mal dos ruivos chamando-os de “dissimulados” para baixo em suas obras.

E se for para usar o termo “minoria”, depois dessa dizimada vermelha, o que já era pouco ficou menos ainda. Hoje os ruivos correspondem apenas a 0,6% da população mundial. Não sei se vocês repararam, mas não tem continente ruivo. Nunca foram reis em um continente inteiro e ruivos não invadiam outras tribos de ruivos, os escravizavam e os vendiam. Eles são minoria de verdade. E foram escrotizados sem fazer nada para concorrer com isso, muito pelo contrário, em vez de escravizarem uns aos outros e venderem os coleguinhas para o homem branco, mantinham uma ética entre si e tentavam sobreviver unidos. Não havia espaço para ruivo vender ruivo, pois desde 3000 antes de Cristo que eles só sabiam lutar por sua sobrevivência. Pausa para os lacradores de movimento social beberem uma água e se acalmarem.

Antes que comecem a falar das mazelas atuais, queria convidar você que pensa, você que tem coragem de rever seus conceitos, você que acha que raciocinar é mais importante que lacrar, para um reflexão rápida: se 400 anos de escravidão deixaram estrago (e pela histeria que virou o Brasil, deve ter sido enorme), o que causaram QUATRO MIL ANOS de escravidão, perseguição, tortura, mentiras, difamação e morte? Não quero competir nem quantificar sofrimento não, apenas quero que quem passou por quatro mil anos de atrocidades (e ainda passa) também tenha o direito de evocar racismo. Ruivos ainda são perseguidos e hostilizados, coisa que talvez outras “minorias” não saibam pois se acham as únicas do mundo e vivem olhando para seus umbigos.

Vamos falar da história da família Chapman, em Newcastle? Inglaterra, supostamente um país civilizado. Um casal com quatro filhos, todos ruivos, tiveram que se mudar tamanha perseguição que sofreram. Sua casa foi vandalizada diversas vezes e seus filhos sofriam preconceito na escola, não apenas por parte dos colegas, mas também de adultos. Eram agredidos, xingados e lhes era vedado transitar e se portar como um cidadão comum. Um dos filhos, com onze anos, chegou a tentar suicídio por causa disso. Quando procuraram ajuda das autoridades, a sugestão foi que pintem o cabelo. Vai um negro à delegacia reclamar que foi agredido por causa do cabelo e o delegado sugerir que ele alise o cabelo para vocês verem se não começa a terceira guerra mundial.

Em Yorkshire um rapaz foi esfaqueado na rua enquanto era insultado única e exclusivamente por causa do seu cabelo vermelho. Idade Média? Não, o ano foi 2003. Sim, até hoje existem grupos de pessoas que acreditam que ruivos não tem alma, são perigosos e maus. Qualquer ruivo. Basta ter o cabelo vermelho que é inferior, preguiçoso, burro e não presta. Fatos isolados? Não, não, querido lacrador. O mundo vai bem além do seu bairro, sabia? Preconceito contra ruivos é tão comum e recorrente quanto qualquer outro, mas, como não te afeta, você, lacrador dos direitos iguais, desconhece.

Já existiram casos de jogadores de futebol ruivos que tiveram ofensas preconceituosas relacionadas a sua cor de cabelo gritadas pela torcida. Quer ouvir uma coisa curiosa? Os torcedores que gritavam essas ofensas racistas eram, em boa parte negros. Eu mesma já presenciei uma cena explícita de preconceito contra um ruivo nas ruas de Salvador perpetrado por negros. Mas, os lacradores de rede social já estabeleceram que não existe racismo contra branco, pois pensam que só negros sofreram opressão e perseguição. Meus queridos, se negro teve 400 anos de injustiças, ruivos tiveram 4000, um zerinho a mais, ok? Tá suficiente para vocês autorizarem o uso do termo “racismo”? Veja bem, ninguém tá pedindo suas cotas não, tá? Basta reconhecer que pode existir racismo de qualquer raça contra branco.

O preconceito contra ruivos é tanto que em 2013 começou uma manifestação anual chamada “Orgulho ruivo” onde as pessoas marcham pedindo o fim do preconceito. Tem fotinho no Google para quem duvidar, por sinal, é muito fofa a manifestação. Sem raiva, sem rancor, se avocar benefícios compensatórios, pediram apenas igualdade. E não pense que o preconceito para na agressão física e verbal, ruivos são preteridos até na hora de contratação para o mercado de trabalho. Tá suficiente? Não? Ok, tem mais.

Tem até apelido comparativo pejorativo, olha que simetria perfeita! O ruivos costumam ser chamados pejorativamente de “Ginger”, que em uma tradução literal significa “Gengibre”, mas seria um equivalente a uma ofensa racista pela conotação que a palavra adquiriu. Assim como comparar um negro a um macaco é considerado ofensivo, comparar um ruivo a um gengibre também é. Com a diferença que os ruivos efetivamente são uma minoria, logo, tem menos força para se defender. Você já viu um Presidente da República ruivo? Você já viu quantos ruivos ganhando Oscar? E, o mais importante: você já viu quantos ruivos mimizando por não ganhar Oscar? Quando se chama um ruivo de Ginger se subentende que você o está chamando de mau caráter, desonesto, burro, preguiçoso e várias outras coisas ruins em uma mesma palavra.

Então, quem afirma não existir racismo contra brancos, por favor, repense a vida. Pior ainda quem usa o termo “racismo reverso”, que faz parecer que negros são os detentores por excelência do racismo. Desculpa, por 4 mil anos brancos foram torturados, escravizados e mortos por sua cor de cabelo, racismo não é propriedade de negro que passou 400 anos de escravidão, parem de competir quem sofre mais, apenas admitam que branco pode sim ter histórico que justifique racismo.

Dizer que não existe racismo contra brancos pois racismo pressupõe um sistema de opressão e poder é mostrar um completo desconhecimento histórico. E, se for depois de ler esse texto, mostra também uma enorme burrice e incapacidade de refletir e mudar de opinião. Brancos foram escravizados, discriminados e mortos por séculos por sua cor de cabelo e ainda sofrem por isso em muitas partes do mundo. Não é falsa simetria não, há racismo contra brancos, inclusive propagado por negros.

A grande diferença é forma como se lida com isso. Você não vai ver um ruivo se vitimizando, apesar de 4 mil anos de perseguição. Nem gritando. Nem apontando o dedo na cara do outro e intimidando. Não tem museu do ruivo oprimido. Não tem estátua do ruivo vítima. E, acima de tudo, não tem revanchismo nem rancor social. Todos os ruivos que conheço são doces e civilizados, nunca tentaram nenhum benefício em detrimento do resto da população por serem historicamente perseguidos e jamais lidaram com agressividade e rancor diante de preconceito. Para eles, discriminação é ignorância, não uma oportunidade para tirar vantagem. Muito pelo contrário, quando indaguei isso me responderam por qual motivo não achavam justo pleitear uma compensação: “Toda raça em algum momento histórico sofreu opressão ou injustiças, é do ser humano”.

Da próxima vez que algum ignorante te falar que não existe racismo contra brancos, mostre este texto para ele. Não vai adiantar, certamente ele vai arrumar argumentos para “competir” no sofrimento e mostrar que sua causa é melhor, maior ou mais válida. Ninguém quer perder a “intocabilidade”, a constante carta na manga do racismo para ser usada quando for contrariado ou quiser algo que não conseguiu pelas vias normais. Os “lacradores” são assim, fazem uma ginástica argumentativa para sustentar seu ponto em vez de refletir e tentar melhorar. Mas, mesmo assim mostre, pode ser que um dia amadureçam e saiam desse casulo de auto-piedade e oportunismo. Faça sua parte para tentar elevar essas mentes monotemáticas.

E aos ruivos, meu mais absoluto respeito. Mantiveram-se dignos durante todos esses séculos, sem cultuar raiva ou revanchismo daqueles que os oprimiram. Quem não tem alma é quem julga outro ser humano pela cor do cabelo.

Para criar vergonha e se comportar como um adulto em vez de um lacrador, para compartilhar experiências de preconceito contra ruivos ou ainda para dizer que quer feriado do Ruivo dos Palmares: deixe seu comentário


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