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Infinita complexidade.

Infinita complexidade.

| Somir | | 23 comentários em Infinita complexidade.

Já parou pra pensar que a cada vez que você pensa sobre o porquê pensou em uma coisa também existe um porquê do porquê? E assim por diante? Provavelmente infinitamente? É isso que eu chamo de infinita complexidade do pensamento, ou para soar menos arrogante: o pensar em falso. Eu sempre acreditei que esse fosse um problema de pessoas muito inteligentes, uma espécie de falha previsível no processo do pensamento quando “superaquecido”. Sempre, até pensar melhor sobre isso…

E sim, isso aqui tem todo o jeito de ser uma grande pensada em falso. Na dúvida, vamos dizer que estou filosofando, parece um desperdício de tempo mais digno falando assim. E filosofando, busco a resposta de uma pergunta que parece até primordial: quando parar de pensar em algo? Quando aceitar que você já chegou na melhor resposta possível com o conhecimento que tem? E, óbvio, tomar as atitudes condizentes com a resposta encontrada. Porque até o conhecimento pode cair nessa armadilha da complexidade infinita.

Estou entrando num buraco aqui… está na cara. Mas, continuemos: digo que conhecimento pode chegar nesse grau de infinidade considerando que a nossa própria capacidade de relacionar informações e a predisposição (genética, até) de encontrar padrões pode causar uma explosão na quantidade de variáveis e possibilidades de cada informação que você já possui. Em algum campo de conhecimento, pelo menos, uma pessoa deve acabar se desenvolvendo. E com o acúmulo daquelas informações, qualquer outra diferente que seja adicionada num campo distinto do já “dominado” tende a ser comparada e aplicada ao que já se entende para formar novas relações. Até por isso tanta gente aprende melhor com metáforas e analogias.

Se alguém entende muito sobre engenharia, por exemplo, pode acabar enxergando o campo da medicina de forma completamente diferente do que alguém que estudou artes, por exemplo. A informação original aplicada a duas pessoas diferentes, por mais simples que seja, gera uma quantidade enorme de conexões únicas com o conhecimento já adquirido por elas, tornando-se exponencialmente mais complexo quando analisado. E daí podem surgir muitas das nossas desavenças comuns na humanidade: a mesma informação modificada por toneladas de dados internos que cada um de nós tem, exclusivamente.

Voltando ao exemplo anterior, diante da informação de um aceleramento no batimento cardíaco, o engenheiro pode pensar rapidamente na relação de eficiência do processo de bombeamento da válvula em questão e os riscos relacionados com o funcionamento acima da capacidade sugerida. Um músico pode enxergar tudo como uma variação de ritmo, um momento onde a música da vida precisa passar mais emoção. Ambos estão certos. A informação foi trabalhada com a complexidade que cabia a cada um. Se o engenheiro pode enxergar a beleza dos mecanismos em sincronia e derivar daí o valor da vida em geral como a incrível união de partes separadas para formar o todo, o músico também, mas enxergando o universo como uma sinfonia onde incontáveis instrumentos soam em harmonia.

E eu estou só filtrando por algo banal como profissão. Imagine só adicionar aí histórias de vida não só das pessoas como das que as cercam? Cada informação, que provavelmente já chega complexa pela visão de outra pessoa que a compartilhou, torna-se ainda mais única no momento em que é armazenada e tratada num dos tantos universos paralelos e únicos que formam a humanidade consciente.

A busca pela verdade deve considerar tantas variáveis ao mesmo tempo que fica impossível alcançar qualquer coisa além da melhor resposta possível no momento. Deveríamos partir do princípio que estamos errados em pelo menos alguma parcela de cada visão de mundo que temos. E não necessariamente por falta de esforço, mas pela infeliz desconexão de escala entre o que somos capazes de processar e o que nos é disponibilizado para analisar. A realidade é complexa demais para o sistema que temos. Deveríamos ter essa noção. Mas, ela é incrivelmente rara.

Comecei o texto dizendo que acreditava que complexidade infinita era problema apenas daqueles que tinham a capacidade de notar o momento onde a curva da incerteza cresce de forma exponencial, mas que estava revendo essa noção. Quando pensamos num mundo onde tanta gente parece ter certeza absoluta daquilo que acredita, ao ponto até de ser violento diante da ideia de que outras pessoas enxergam as coisas de forma diferente, parece mesmo que na média o problema é a falta de complexidade. Mas, não dá pra defender a infinita complexidade da informação ao mesmo tempo que considera que a maioria das pessoas não lida com essa questão.

A informação pode se tornar infinita com qualquer um, basta que seja capaz de absorvê-la. E por mais que não sejam todas que sejam palatáveis para o cidadão médio, algumas vão passar por esse filtro. Mesmo com o algoritmo da rede social selecionando apenas aquilo que reforça visões prévias de uma pessoa, ela não consegue escapar de comparar fatos novos com toda a bagagem que já tem. A complexidade está lá, do mesmo jeito. Então, o que falta para gerar um mínimo de humildade realista em quem cospe fogo pelas ventas toda vez que lê ou ouve algo diferente do que já acredita?

Pelo o que entendo, falta coragem para lidar com a complexidade. Não é fácil se colocar na posição de dúvida razoável. É um ponto de compreensão da realidade que exige esforço para ser navegado até uma solução. A dúvida razoável surge quando sua visão de mundo não é mais capaz de te dar uma melhor resposta possível. O mesmo mecanismo que faz funcionar o cérebro da pessoa capaz de lidar com o pensamento complexo está presente no que da prefere não fazer. A informação infinita é inevitável, muda apenas a estratégia de combate à dúvida.

Por um lado existem aqueles que se afundam no pensar em falso e acabam não fazendo nada, por outro existem os que fecham propositalmente em seus processos mentais a porta que leva até lá. A questão é entre essa porta e o poço do pensamento infinito está um corredor repleto de portas. Muitas não levam a lugar algum, mas sempre vai existir uma que te deixa mais perto da verdade. Sim, podemos pensar para sempre nas motivações de cada ação, opinião ou fato buscando sempre a motivação da motivação; e sim, podemos simplesmente colocar um cadeado nessa porta e viver sem o risco de cair num abismo que aparentemente não tem fim, mas… a verdade, a verdade não está nem em um lugar, nem em outro.

Pensar em falso não é a busca pelo o que ainda não sabemos, porque é vivenciar uma falha previsível nas nossas capacidades cognitivas sem buscar alternativas. Pensar enlouquece. Não aceitar a complexidade, por outro lado, é também chafurdar em limitações, antes mesmo de sabermos o tamanho delas. O problema é o mesmo, só muda o lugar onde se está quando finalmente se desiste de viver no mundo real.

Para dizer que ainda está esperando uma conclusão, para dizer que eu realmente estou precisando da Sally, ou mesmo para dizer que pelo menos foi um post: somir@desfavor.com


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