
Traição secreta.
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Imagine a situação: uma das pessoas do casal traiu, falhou no acordo de fidelidade. Quem traiu não estava pensando em trocar de parceiro(a), nem achou algo importante, mas… traiu. Sally e Somir discordam sobre o que seria melhor para o conjunto, e os impopulares discutem a relação.
Tema de hoje: no caso de uma traição única, em situação excepcional, sem nenhum envolvimento e da qual a pessoa se arrepende mortalmente, o que seria melhor para o casal, contar ou não contar para o parceiro(a)?
SOMIR
Tempo de leitura: 15 minutos.
Resumo da B.A.: o autor invalida a causa trans não cogitando que a traição possa ocorrer com uma mulher transsexual, deixando clara sua transfobia
Nesse caso específico, e apenas nesse caso específico, de um casal que tem um relacionamento saudável, está feliz e quando a traição que foi fruto de um erro de cálculo, com uma pessoa desconhecida que o outro nunca mais vai ver, da qual a pessoa se arrepende mortalmente, eu acho melhor não contar.
Até pouco tempo atrás eu não pensava assim, mas vi isso acontecer com um amigo. Uma pessoa que amava muito a esposa, não tinha intenção de trair, mas acabou, em uma viagem de trabalho, intoxicado por algumas substâncias sem conseguir prever o impacto que elas teriam e traindo a esposa com uma completa desconhecida sem sequer entender bem o que estava fazendo. Ele nunca mais verá essa pessoa (nem sabe como se chama) e realmente não tinha a intenção premeditada de trair.
Não, não foram drogas. Era um remédio que ele estava tomando, devidamente prescrito por um médico, mas que interagia muito mal com álcool e ele não sabia. Bastou um drinque para que ele fique em um patamar quase fora da realidade e uma estranha se atire nele de uma forma que ele, mesmo com intenção de resistir, não resistiu, por nem entender direito o que estava acontecendo. Segundo me contou, mal sabia o que estava fazendo.
Quando essa pessoa veio me pedir conselho, a situação me fez repensar minhas convicções. Foi uma avaliação de riscos errada, uma cagada enorme, um vacilo muito escroto, mas contar só traria dor, não geraria nada de bom. Ele ama a esposa, tem uma boa relação com ela, nunca traiu em mais de dez anos nem pretende trair novamente.
O que ele fez foi correto? Não, continua muito errado e muito escroto. Mas não é o mesmo que um sujeito que tem um caso com a secretária ou a vizinha. Por isso, não acho justo tratar da mesma forma, medir pela mesma régua.
Percebam que quando a pessoa trai de forma premeditada, ela escolhe deliberadamente trair, ela tem um caso, ela trai várias vezes ou ela trai com uma pessoa que vai ter contato depois, eu acho obrigatório contar, pois isso fala sobre seu caráter, sobre quem ela é, e a pessoa traída pode (e deve) não querer ficar com uma pessoa com essa índole.
Mas quando é uma cagada na qual a pessoa apenas tomou uma decisão ruim que infelizmente virou uma bola de neve, mas sem a intenção de trair, eu acho que, se não colocar em risco a saúde do parceiro, não tem que contar pois não sai nada de bom daí.
Pode destruir um relacionamento feliz, que seria duradouro e muito bom para ambos, por trazer à mesa algo que é praticamente impossível de se lidar, de se esquecer e de se perdoar. Vai deixar sequelas, cicatrizes, marcas que serão sofridas para o outro e que certamente vão abalar a relação. Pra quê colocar um obstáculo desse tamanho na vida e ambos se a pessoa tem bom caráter e não teve intenção deliberada de trair, enganar ou sacanear?
Uma coisa é enganar a pessoa sobre a sua índole, esconder dela que você é um infiel que escolhe não cumprir sua parte em um contrato que ambos estipularam. Outra coisa é omitir uma escolha ruim que levou a um desfecho não planejado que culminou em uma traição. Sim, eu vejo diferença. No primeiro caso a pessoa é mentirosa, malandra, egoísta. No outro, a pessoa fez uma escolha sem muito discernimento que escalou até consequências que a pessoa não previu e talvez nem tenha conseguido evitar.
Aqui vai uma opinião bastante impopular: quem conta de uma traição, quase nunca o faz pelos motivos corretos. Dificilmente a pessoa conta para dar a chance do outro avaliar se quer ficar com ela ou não, ciente de todos os fatos.
Geralmente as pessoas contam por não suportarem a culpa ou o medo de serem descobertos, por querer inconscientemente magoar o outro, por precisarem do perdão do outro para voltar a dormir em paz, por quererem algum tipo de vingança ou até para testar o quanto o outro gosta delas.
Então, eu não vejo essa nobreza toda em contar. Se você fez uma escolha merda que desenrolou em um monte de consequências ruins, criou uma bola de neve e cresceu até culminar em uma traição que você não planejou, mas não conseguiu evitar, eu pensaria duas vezes antes de abrir a boca.
Obviamente se você achar que tem chances de a pessoa traída descobrir, tem que contar, para poupá-la de fazer o papel de idiota de saber pelos outros. Mas, se foi uma coisa que não vai vazar, se você traiu em uma viagem internacional com uma norueguesa que nem fala português e nem sabe o seu nome, e não havia nenhum conhecido perto, se não era sua intenção que as coisas cheguem nesse ponto, se você ama a outra pessoa e quer continuar… será que contar não causa mais mal do que bem?
Sofra você que traiu, sozinho. Sinta culpa, sinta o peso dos seus atos, pois mesmo nesse contexto, trair continua sendo muito escroto e muito errado. Realmente vale a pena magoar a pessoa traída dessa forma, deixá-la insegura, dar um baque desses na relação, levantar tanto sofrimento? A traição não pode ser desfeita. É algo irremediável. Vale mesmo falar?
Segura o rojão você, sozinho. Aprenda a se perdoar. Aprenda a calcular melhor seus atos e não repetir isso nunca mais. Entenda onde errou e tome providências para nunca mais errar assim novamente. Mas poupe a pessoa traída da dor do seu erro se essa dor for inútil, se essa dor só trouxer sofrimento e não trouxer nada de bom.
Nem sempre traição fala sobre o caráter da pessoa. Em alguns raros casos ela é uma consequência escrotíssima de uma escolha errada que não tinha infidelidade como meta. É preciso avaliar caso a caso. Na minha opinião, se não houve intenção de desrespeitar, de trair, de enganar, mas uma confluência de fatores que culminaram nisso, o melhor a fazer é não contar.
SALLY
Tempo de leitura: 20 minutos.
Resumo da B.A.: a autora ignora que quando a pessoa trans trai, é culpa da sociedade e não dela.
Verdade, verdade, verdade. Ser honesta tem um custo, acreditem quando eu digo isso, mas é um custo que quando acumulado durante a vida, fica menor que a mentira. O melhor para o casal é contar a verdade, mesmo que ela seja dolorida.
Quando ocorre um acidente de trânsito e alguém morre, mesmo que a pessoa que causou o acidente não tivesse intenção nenhuma de matar alguém, basta que seja comprovado o erro da sua parte para que ela seja tratada como criminosa. O crime tem o componente prático, e por mais que não exista intenção maligna e arrependimento genuíno, alguém ainda morreu.
Se você acredita que existe uma consequência prática na traição, não adianta ficar falando sobre não ter significado nada e de arrependimento. A traição é real, ela aconteceu. Da mesma forma que no acidente de trânsito, o contexto pode mudar a pena do crime, mas nunca a existência do crime.
E salvo no caso de um problema psicológico sério, ninguém troca de personalidade antes de trair. A mesma pessoa que prometeu fidelidade cometeu a traição. Eu posso ser compreensiva com quem diz que foi uma besteira, que não estava pensando direito, que nunca faria de novo, mas não dá para apagar o que aconteceu na prática.
Quando você mexe com a confiança de um relacionamento, você mexe com a fundação dele. Trair é terrível, trair e esconder é pior ainda, porque mesmo que você esteja morrendo por dentro de arrependimento, você sabe que aconteceu alguma coisa na base de tudo. Você olha para a outra pessoa e sabe que traiu. Pode até virar algo positivo no começo, porque muita gente tenta compensar tratando a pessoa muito melhor, mas a mentira já se instalou e vai começar a mexer com a sua cabeça.
Ninguém aguenta ficar se sentindo devedora o tempo todo, e enquanto essa dívida existir, você vai começar a acumular sofrimento, percebendo ou não. Uma hora ou outra você vai cansar de compensar e a culpa vai precisar de uma válvula de escape. Pode acontecer de você começar a perder o respeito pela outra pessoa inconscientemente, porque é um jeito da mente compensar a culpa. Se ela não vale tanto assim, a traição não foi tão terrível.
E percebam como isso tudo acontece dentro da sua cabeça, não na relação com a outra pessoa. Culpa é veneno. Você envenenou o poço sozinha, e o seu inconsciente vai dar mil jeitos diferentes de colocar isso para fora. Uma das melhores formas de expurgar a culpa é falar a verdade, é assumir a falha e pagar o preço. Sua mente pode não te dizer isso de forma clara, mas se você não for uma psicopata, ela está lá tentando compensar as coisas e te deixar em equilíbrio em todas as relações.
O melhor é viver a vida sem culpa, e não encontraram remédio melhor para isso do que dizer a verdade. Remédio amargo sim, você pode perder o relacionamento que tem dizendo a verdade, mas não vai viver dentro de um relacionamento envenenado. Assumir a traição é pagar à vista, esconder é entrar nos juros do cartão de crédito da culpa.
Além disso você tem que pensar sobre o direito da outra pessoa de tomar as próprias decisões. É você que escolhe o que é importante para ela ou não? Você não prometeu que agiria de uma forma na relação e acabou de ir contra isso? Seu parceiro ou parceira é um adulto (espero eu) e vai saber lidar com a situação. Caso você tenha medo honesto de morrer se contar, eu até entendo, mas se for por medo de ser criticada ou ficar sozinha, você está fazendo isso errado.
Tomar decisões pelo outro é um caminho que só fica mais largo, e leva a uma relação torta onde você se desconecta da pessoa e começa a pensar sozinha pelo casal. Omitir a traição é um passo rumo à neurose, até porque você pode começar a enxergar quebras de confiança vindas do outro lado. De novo o problema de ter uma relação sem comunicação. Elas não dão certo.
E é muito mais prático do que isso, porque a outra pessoa confia em você e age diferente por causa disso. O que tem de mulher (e homem) que pega DST e não tem a menor ideia de como isso aconteceu não está escrito. O seu ambiente sexual fechado se abriu, e com isso vem todos os riscos. Pessoas pegam doenças e engravidam em relações de longa duração e em casos rápidos. Uma mentira pode virar um conjunto interminável e acabar com sua saúde mental com o passar do tempo.
O melhor para o casal nem sempre é continuar junto. Ainda bem que existe divórcio, porque nem todo mundo vai ser feliz para sempre. Muita gente vai ser feliz por um tempo e depois partir para outra. Você pode viver várias relações felizes pelo tempo que elas durarem e a soma ser positiva, é mais honesto e saudável aceitar a finalidade das relações.
E se estiver numa situação que a escolha é entre a mentira e a verdade, pensar seriamente sobre o que funciona melhor para a vida que segue. Naquele momento pode parecer melhor omitir a traição, mas por quanto tempo isso é melhor? Muita gente acaba amarrada em relações horríveis por culpa e medo de terminar, e a mentira é essencial para que isso aconteça.
A verdade pode doer mais agora, mas não vai doer mais no longo prazo. O casal vive melhor com a verdade, mesmo que isso signifique acabar com o casal e liberar duas pessoas para viver sua vida sem culpa e sofrimento. Terminar não é o pior resultado.
Somir está certo. Não deve trair, mas contar é um tiro no pé.
Somir, o que aconteceu com seu amigo foi violência sexual. Homens também podem ser vítimas. Se ele estava no estado que você descreveu e não tinha condições de reagir, ele foi violentado. Mais ainda por ter chegado a esse estado por falta de conhecimento sobre os efeitos do remédio. Eu não consideraria isso como traição em um relacionamento meu, e espero que as pessoas não considerem violência sofrida como traição por parte da vítima.
Acho que o certo é contar sim. Não acredito que um relacionamento possa funcionar sem que os envolvidos sejam honestos um com o outro. A maior prova de maturidade emocional que as pessoas podem dar nesse contexto é assumir a responsabilidade pelo que fazem, mesmo que isso implique no fim do relacionamento. Se houver DSTs envolvidas, como Sally disse, é pior ainda. Basta uma relação sem camisinha para pegar, e hoje em dia tem mais pessoas casadas e supostamente monogâmicas se contaminando do que qualquer outro grupo. Não contar é brincar com a saúde de uma pessoa que você diz amar, é muita falta de respeito.
Isso também daria um “Ele Disse, Ela Disse”: contar ou não ao parceiro que foi abusado?
Eu não sei se contaria, por só geraria sofrimento no outro…
Questão bem difícil essa…
Confesso que não saberia o que fazer numa situação dessas…
Paula, mas será que foi estupro mesmo? E se a mulher que ficou com ele não percebeu, até por serem desconhecidos um do outro, que ele não tinha condições de “dar o consentimento”?
Ainda mais porque no caso do homem embriagado, ele não fica inconsciente enquanto a mulher “transa sozinha”, ele tem que participar, o que pode ter feito a mulher achar que ele estava bem, até porque só beber não significa que alguém não possa dar o consentimento. Tem que estar inconsciente mesmo, inimputável, como acontece com mulheres que apagam e o cara continua transando e acontece com homens que apagam e o outro homem continua transando.
É bem difícil provar que um homem não estava em condições de dar o consentimento para transar com uma mulher justamente por homens serem, em geral, os “ativos” da relação heterossexual.
Sexo heterossexual acontece se o homem tiver apagado?
Como é que ele poderia provar, juridicamente, que foi estuprado, que foi estupro de vulnerável? Alguém sabe?
Quanto ao meio de provar, eu não sei.
Mas sustento que foi sim violência. Nem todas as drogas utilizadas para violentar pessoas são no estilo boa noite Cinderela, algumas alteram o comportamento da vítima sem dar sono, e não deixa de ser violência por isso. Sally falou a respeito no texto sobre a Mari Ferrer, se não me engano.
A definição de estupro de vulnerável não é transar a força com uma pé desacordada, é transar com alguém que não tenha condições de consentir.
Uma pessoa “alegrinha” de bêbada pode estar bem o suficiente para saber o que está fazendo, mas pelo estado que o Somir descreveu, o amigo dele estava mais do que “alegrinho” e não tinha condições de dar seu consentimento. Falhas de comunicação podem até acontecer, mas duvido muito que alguém possa simplesmente não notar que a pessoa com quem está se agarrando está extremamente bêbada e alterada.
É uma zona cinza, eu entendo. Eu ainda sou do time que não considera abuso no sentido estrito de ir contra a vontade do par. Quando alguém dá uma droga para outra, seja escondido ou seja enganando sobre a gravidade, eu tenho zero discussões sobre ser estupro. É estupro e ponto.
Quando a pessoa se droga sozinha e outra tira vantagem apenas por estar por perto, como definir se é diferente de transar com alguém carente? Eu não sei onde está a linha exata, mas eu consigo entender dois lados, um sendo abuso/estupro, outro sendo desequilíbrio de capacidade que acontece em inúmeras relações com inúmeros resultados diferentes. Uma parece fácil de tipificar como crime, a outra não.