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Tio Neandertal.

Tio Neandertal.

| Somir | | 2 comentários em Tio Neandertal.

A primeira vez que ouvi sobre a ideia de que o ser humano era originário da África, eu imaginei que era porque os povos que ficaram por lá tinham uma genética menos diversa do que os povos que foram colonizar o resto do mundo. Na verdade é o contrário. E os neandertais têm tudo a ver com isso.

Tempo de leitura: 15 minutos.

Resumo da B.A.: o autor ignora a contribuição das pessoas neandertais transgênero no desenvolvimento da humanidade.

POWERED BY B.A.

Neandertal é o nome que se dá para uma espécie humanoide que foi “extinta” há milhares de anos atrás, e que conviveu com o homo sapiens por muito tempo. Os neandertais eram mais comuns nas regiões frias europeias, e apesar de serem considerados outras espécie, eram compatíveis o suficiente com nossos antepassados para poder fazer filhos.

E essa mistura no mínimo não atrapalhou: porque até hoje a maior parte dos seres humanos tem um pouco do DNA neandertal. Maior parte, porque tem algo que realmente começa a explicar o que aconteceu com a gente no passado: em diversas populações africanas que se mantiveram no continente esse tempo todo, não vemos nem sinal desses genes neandertais.

A conclusão de virmos da África, por incrível que pareça, é porque por lá os seres humanos têm mais variação genética, não menos. Tirando esses povos africanos que nunca partiram Nilo acima para explorar o mundo, todo o resto dos povos tem uma quantidade quase igual de DNA neandertal.

Isso cria um gargalo: por mais que ninguém duvide que vários grupos saíram da África em diferentes fases da evolução humana, parece que só um grupo deu certo. O grupo que se encontrou com os neandertais há uns 50 mil anos atrás e começou a fazer filhos com eles. Só isso explica por que desde esquimós até aborígenes da Austrália, o gene neandertal aparece mais ou menos na mesma medida.

Esse gargalo encontrado no registro de fósseis humanos sugere que nós somos resultado de pessoas que ficaram na África ou de pessoas que saíram de lá e abraçaram (bem literalmente) os neandertais. Duas opções. Populações bem diversas com mais ou menos a mesma cor de pele num continente e um monte de gente com mil tons de pele diferente, mas com uma genética comum.

Mas isso não quer dizer que ninguém acredite que existiram outros grupos de humanos que saíram da África antes, é que não existem evidências atuais dos genes deles seguindo em frente. Porque até existem alguns sítios arqueológicos que sugerem seres humanos modernos fora da África antes desse encontro com os neandertais, mas até o povo que mora nesses lugares tem genes de… neandertais.

É muito provável que o ser humano antigo tenha tentado e quase conseguido ocupar outros lugares do planeta diversas vezes nos milhões de anos que ainda podem ser considerados o “nosso galho” evolutivo, mas vez após vez, deu errado. O mundo era cruel para o ser humano. Presume-se pelos registros encontrados que os grupos até conseguiam avançar várias gerações, mas bastava uma sequência ruim de eventos para morrer literalmente todo mundo e não ter de onde tirar substitutos.

Na África, provavelmente por um misto de condições mais favoráveis ao ser humano e já ter mais populações próximas, o povo conseguiu manter uma linha contínua por todos esses milênios. Diversas outras linhas saíram de lá e não deram em nada. Imagine só: um grupo sai da África, segue na direção da Ásia ou até das Américas e consegue se manter por mil anos que seja, mas algo dá errado e morre todo mundo. Quantas vezes isso deve ter acontecido…

E, novamente, de acordo com os mesmos dados que sugerem a origem humana na África, foi um grupo de humanos que conseguiu fincar o pé fora do continente originário e aguentar até hoje. Esse grupo de humanos vai do mais albino nórdico ao indiano de pele mais escura. Esse grupo de humanos voltou para a África eventualmente, porque são alguns grupos africanos que são “puros” de neandertal, não todos.

Pensar nisso até ajuda a explicar uma lógica “fora da África” quando se olha para ela que não faz sentido: é um erro achar que povos africanos são todos a mesma coisa, na verdade, é lá que o bicho pega de verdade com diversidade. São povos diferentes há muito mais tempo que a diferença entre quem ocupou Europa e Ásia, quem ocupou Américas e Oceania. Somos todos parentes próximos perto deles.

Quanto mais você se aprofunda nessa história antiga da humanidade, mais insanas são as divisões feitas por estrangeiros na África. Não era colocar no mesmo país tribos diferentes do nosso ponto de vista “neandertal”, era uma divisão muito mais profunda. A memória ancestral e instintiva de quem se desenvolveu fora da África é memória de criança perto de duas tribos geograficamente próximas por lá.

Tem algo fundamentalmente diferente entre nós, descendentes dos neandertais, e eles, originais de fábrica. Não algo que quebre a lógica do ser humano moderno, porque países africanos expostos à colonização europeia reagiram mais ou menos como outros povos reagiram á colonização europeia, mas algo de memória ancestral que simplesmente não existe com os outros povos. São linhas que não se quebraram desde os antepassados mais antigos da espécie, desde que chimpanzés e gorilas pegaram outros caminhos evolutivos.

O meu interesse nisso não é espiritual, porque eu acho isso uma grande bobagem, é na diversidade genética e nas soluções da natureza para o ser humano que são muito mais antigas que as nossas. Não sei se é por isso que aparecem doenças malucas por lá, mas essa diversidade toda deve ter seu papel: são organismos vivendo ao lado de seres muito parecidos com humanos há milhões de anos. Os genes de algumas tribos africanas perdidas já podem ter vencido doenças que ainda nos assolam, só para morrer porque deu uma seca violenta dois anos seguidos.

O que muita gente vê como diversidade amazônica com plantas e insetos eu vejo no genoma africano: a gente fica olhando só para um pequeno galho evolutivo de povos que vem do mesmo lugar e não olha para milhões de anos de seleção natural/artificial extremamente focada no nosso corpo. Pensar nos nossos “tios” neandertais ajuda a olhar de volta para nossos “pais” africanos.

Eu não queria colocar política aqui, mas eu estou com uma sensação de que essa informação vai começar a ficar mais “polêmica” com o passar do tempo. Porque existe uma divisão clara entre os seres humanos que ficaram na África e os que saíram de lá. Não tem juízo de valor nenhum, é só DNA, mas se a comunidade científica ficar com medo de usarem isso para discriminar africanos, pode ser que o assunto comece a receber menos interesse e investimento. Espero estar errado. Espero que o assunto continue fora das lentes de racistas e lacradores, sobrando só ciência.

Espero que se esse assunto aparecer um dia na sua frente, que você já esteja bem vacinado: só é motivo de racismo se você for racista. A parte científica de pensar no continente africano como um tesouro genético para a humanidade não é sobre superioridade ou inferioridade, é sobre diversidade real. Virmos da África não é melhor ou pior, termos mistura com neandertais idem. Mas ignorar as diferenças e não tentar aprender com isso… ah, isso é bem pior.

Temos que torcer para que a falsa diversidade não atrapalhe a verdadeira


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