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Tarifas, tarifas, tarifas…

Tarifas, tarifas, tarifas…

| Desfavor | | 10 comentários em Tarifas, tarifas, tarifas…

AO presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, disse nesta quarta-feira (2) que o país passará a cobrar 10% de todas as importações do Brasil, como parte do decreto que estabelece tarifas recíprocas aos parceiros comerciais dos EUA. O republicano também detalhou as demais tarifas que serão cobradas dos países que taxam produtos norte-americanos. Segundo ele, as tarifas recíprocas serão ao menos metade da alíquota cobrada pelos outros países, sendo a taxa mínima de 10%. LINK


E de repente, todo mundo virou especialista em economia internacional. Desfavor da Semana.

SALLY

Tempo de leitura: 5 minutos.

Resumo da B.A.: a autora mostra completa insensibilidade ao se ater a questões de taxa e política internacional sem trazer à luz a luta trans

POWERED BY B.A.

Esta semana não se falou em outra coisa – e todo mundo opinou. E esse é um enorme desfavor. Taxas, impostos e tributos no geral são questões absurdamente complexas com leis absurdamente complexas, que variam muito de acordo com cada país e, ainda assim, todo mundo manifestou sua opinião contundente sobre o assunto. Quais as chances de ser uma opinião minimamente bem embasada?

Mesmo eu que tive alguma formação na área (na universidade me obrigaram a estudar direito tributário), não me sinto avalizada para opinar, não me meti a fazer texto, não estou palestrando sobre o assunto. Mas Janderson, artista plástico, morador de Xique-Xique quer te explicar em detalhes os erros e acertos do Trump. O Brasil é desesperador.

A menos que a pessoa seja profunda conhecedora da legislação internacional e da questão tributária, é apenas uma imbecilidade sair vomitando opiniões a esse respeito. E mesmo assim, mesmo quem é profundo conhecedor, deveria opinar com muita cautela, afinal, só sabemos o que acontece pelo que chega a nós através da imprensa. O que está acontecendo de verdade, todos os conflitos, acordos, impasses, estratégias e negociações entre Chefes de Estado nenhum de nós sabe. E sem esse contexto, não dá para julgar os atos do Trump.

E por qual motivo será que as pessoas insistem em falar do que não sabem? Pelo motivo de sempre: pega bem, as faz sentir menos merdas pensar que vivem em um mundo que elas entendem 100% de tudo que está acontecendo e as tranquiliza criar uma narrativa que corrobore para seu viés de confirmação.

Não gosta do Trump? É um idiota que está fazendo merda e vai quebrar os EUA, está passando vergonha e vai ser trucidado pelas pessoas de viés ideológico que essa pessoa admira. Gosta do Trump? É um xadrez 4D, ele está sendo genial, tudo que ele está fazendo no final vai dar um resultado ótimo e ele vai trucidar as pessoas de viés ideológico que essa pessoa desgosta. Tão simplório. Tão cansativo.

Meus queridos, nem Chefe de Estado de país tupiniquiem deve saber o que está acontecendo. Eu duvido que qualquer Presidente de país da América Latina saiba o que está acontecendo. Provavelmente só Trump, Putin e Xi-jinping sabem o que está em jogo e quais são as estratégias. Algumas coisas só Trump e a alta cúpula do governo americano deve saber. Como caralhos as pessoas querem opinar se não tem nenhuma dessas informações?

Falar que vai acontecer isso ou que vai acontecer aquilo é mais do que arrogância, é de uma burrice infinita. Você não sabe. Você não participa das reuniões, você não tem acesso aos documentos, você não tem a menor ideia do contexto. Já já Elon Musk fuma uma maconha e vai para o X postar um monte de coisa confidencial, aí sim a gente opina. Até lá, tem que aprender a fazer as pazes com o não saber, com o ser insignificante demais para obter informações que permitam uma opinião embasada.

O que não quer dizer que as pessoas sejam proibidas de falar sobre o assunto. Tem coisas que podem ser ditas, pois não demandam contexto nem profundo conhecimento. Por exemplo, o fato de o Trump ter imposto taxas para produtos de uma ilha que só tem pinguins. A menos que os pinguins decidam exportar suas fezes, foi uma medida bizarra. Dá para falar sobre isso. Dá para fazer Meme sobre isso.

Mas falta discernimento ao brasileiro para saber quando tem informação suficiente para falar e quando não. Uma vida de aceitação social de qualquer um opinando sobre qualquer coisa o fez desenvolver uma incontinência verbal de falar sobre tudo sem qualquer constrangimento ou ponderação. E, atualmente, não é só falar, é afirmar veementemente, é ter certeza, é tecer toda uma teoria tirada do ânus e chamar de burro ou mentiroso quem não concorda. Todo dia vemos aqui nos comentários uma diarreia verbal com zero embasamento, que tristeza.

Em vez de adequar suas crenças à realidade, o brasileiro adequa a realidade às suas crenças. E está virando o padrão de funcionamento, temo que em breve seja normalizado. E é um ciclo nocivo que se retroalimenta: a pessoa que acha que sabe tudo, então estuda cada vez menos, pesquisa cada vez menos, corre atrás de mais informação cada vez menos. Com isso, as opiniões vão ficando mais e mais medíocres e mais e mais uma cópia dos desejos da pessoa e não da realidade.

É por isso que vemos crescer essas imbecilidades coletivas. Antes era antivax e terraplanista. Agora pombos não são reais, são drones criados no governo para te espionar (porque sim, Janderson, artista plástico de Xique-Xique é assim tão importante). Agora a lua é o lar de reptilianos que estão se reunindo para invadir a Terra. Agora qualquer imbecilidade, se dita com certeza, terá seguidores e adeptos.

As pessoas precisam voltar a ter vergonha de serem idiotas e de falar merda. Essa babaquice politicamente correta que ensinou que é errado tripudiar de quem fala bosta está criando profetas da merda que saem impunes com suas excrescências. Fala mal do governo? Entra no inquérito das fake news ou da ameaça à soberania do país. Fala que um remédio nocivo para a saúde te protege de um vírus do qual ele não te protege e nada acontece.

Em resumo, nem Somir, nem eu, nem vocês nem a maior parte das pessoas do planeta pode afirmar nada sobre a estratégia do Trump ou os efeitos dessa taxação. Nem Somir, nem eu, nem a maior parte das pessoas sabe quais são os planos do Trump nem o que vai acontecer. Se tem alguém com um pequeno cérebro de caroço de uva que acha que sabe, essa pessoa é muito burra ou muito arrogante. Ou ambos.

Ter opinião sobre tudo sem estudar a fundo tudo é um câncer. Não se deixem contaminar. Ter certezas sobre a motivação de atos que envolvem uma dinâmica de segredo de estar da maior potência mundial é de uma imbecilidade que chega a dar pena. Vamos saber o nosso lugar. Tá tudo bem não opinar sobre tudo. Tá tudo bem dizer “não tenho a menor ideia do que possa estar acontecendo”.

Por favor, exercitem o não saber. É muito mais digno do que ficar opinando bosta por aí.

SOMIR

Tempo de leitura: 5 minutos.

Resumo da B.A.: o autor fala sobre Trump, mas não menciona como ele está tomando medidas contra as pessoas transexuais, inaceitável!

POWERED BY B.A.

Provavelmente veremos mais inflação nos EUA (as coisas vão ficar literalmente mais caras se vierem de fora) e táticas de triangulação de exportações (passar o produto para outro país revender com menos taxas, como a China já faz com muita coisa) vão ficar mais populares. Essa é a parte mais simples de entender.

Mas não parece ser o interesse de quem fala do tema na grande mídia. Nos EUA já é comum falar da TDS, Trump Derangement Syndrome, ou Síndrome do Desarranjo do Trump numa tradução mais literal. É a ideia de que muita gente perde a noção das coisas ao criticar o Trump, exagera e começa a ficar irracional, cismando com os menores detalhes como se fossem a coisa mais importante do universo.

Apesar dessa expressão ser uma parte da propaganda conservadora, tentando pintar os detratores do presidente republicano como malucos, algumas mentes do lado criticado percebem o fundo de verdade: quando o Trump faz alguma coisa, reagem de forma mais histérica do que o necessário. Ele é uma figura extremamente midiática e polêmica que tem mesmo o poder de despertar reações muito mais emocionais que a média dos políticos.

E eu consigo ver muito da TDS na reação às tarifas. Especialmente pelo ângulo que parecem esquecer que os americanos votaram nele não uma, mas duas vezes para ser presidente. Nessa mais recente, nem precisou do sistema eleitoral confuso deles, ganhou no voto popular também. Trump é um alvo muito chamativo, é claro, mas não deixa de ser um representante do seu povo.

Mesmo que não tenham pensado em ações específicas, os americanos médios votaram em alguém que mexeria na ordem mundial dessa forma. Em algum momento dessa última década e meia, o povo que bancava a ordem mundial pós-Segunda Guerra decidiu que não queria mais estar metido em todos os conflitos globais e nem mesmo distribuir seus bilhões para alimentar africanos famintos.

O único político que vestiu essa camisa de vez foi o Trump. De repente, não era mais tabu dizer que os EUA não deveriam ser essa força onipresente no resto do planeta, e que deveriam sim focar em suas questões internas. Eu não culpo o resto do mundo por se sentir parte disso, afinal, os EUA passaram décadas e décadas se enfiando em virtualmente todos os assuntos alheios. Faz parte do pacote.

O que eu culpo boa parte do mundo agora é por não perceber que as coisas mudaram. O pessoal que pagava a conta (em dinheiro e em segurança do comércio internacional) está mudando de ideia. Se é uma boa ideia para eles ou não? Se me perguntarem, eu acho que não é, mas… achar ou não achar não vai mudar o que está acontecendo.

Votaram no homem laranja, o homem laranja está fazendo o que prometeu fazer. E mesmo que seus métodos estejam totalmente errados, não muda o fato de que a ideia geral já foi vendida para os americanos. Vai sair com o Trump ou com outro que prometa algo parecido. Custe o que custar. Exploda o que explodir.

O plano de dominação americano é antigo e deu um trabalho gigantesco. Se Trump ou similares destruírem essa ideia globalista, não dá para refazer votando num democrata daqui a alguns anos. Demora décadas e décadas de novo para colocar em funcionamento. Difícil de construir, fácil de destruir, como é o padrão das coisas nessa vida.

Dada a ideia de inevitabilidade dos EUA saindo dessa posição de “papai” do mundo, me incomoda também que precisaram ver o Trump duas vezes no poder para pensarem em um plano B. A primeira eleição já era o aviso. Algo fundamental tinha mudado na mente daquele povo, e considerando o quanto o mundo todo dependia dele para funcionar, era para ter acendido no mínimo um sinal amarelo.

Mas pelo visto, só depois de uma freada brusca muito depois do sinal vermelho é que estamos falando de uma nova ordem mundial. Isso é um papo bem mais complexo, mas talvez os americanos tenham sentido que não compensava fazer o que faziam. Talvez essa coisa de império realmente não tenha mais futuro, somos diferentes, usamos tecnologias diferentes das eras antigas.

Paradoxalmente, a ideia das tarifas de Trump é um passo atrás. Tarifas eram a forma primária de arrecadação do Estado antes da era dos impostos sobre consumo e renda. O plano dele é mais compatível com nações mercantilistas trocando especiarias do que com o mecanismo de produção internacional e projeção de marcas de hoje. Por isso pode ser uma má ideia no sentido técnico da coisa, mas o sentimento por trás dela nos sugere que toda a desigualdade criada pelo capitalismo globalizado está acumulando e irritando o ser humano médio.

Trump vai sair, a China pode tomar o lugar como maior economia, o mundo pode se reorganizar de várias formas nos seus números, mas o sentimento vai estar lá. Tem algo de errado e as pessoas estão incomodadas. A Síndrome de Desarranjo do Trump é fácil de pegar, mas ajuda a mascarar o que realmente acontece por trás de toda a bagunça e fanfarra do presidente americano. Tem algo maior que tarifas aleatórias do Trump acontecendo.

E é sim uma vergonha que países e mercados sejam pegos de surpresa. Não é algo inventado agora, é um movimento que só cresce, e é falsamente chamado de avanço da direita. Se a esquerda fosse antiglobalista talvez ela estivesse surfando nessa onda de popularidade.

As pessoas parecem de saco cheio de meia dúzia de empresas consolidando poder e recursos, usando o mundo todo como seu feudo. Escolhem as piores pessoas para lidar com isso, como o Trump, mas tem algo aí que não é discutido se ficarmos todos preocupados com a maluquice da vez dele.

Por que alguém que prometia tarifas foi eleito pelos americanos? Por que a direita que cresce sem parar sempre fala dos males do globalismo? Por que os bilionários pararam de financiar pautas identitárias e pularam no barco de Trump e cia.?

O sistema como conhecemos está acabando. Trump é uma distração, sendo essa a intenção dele ou não.


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