
Pegando fogo!
| Desfavor | Ele disse, Ela disse | 4 comentários em Pegando fogo!
Sally e Somir concordam que na questão climática, a merda já está feita. Mas, lidar com esse fato não significa a mesma coisas para os dois, e aí, o clima fecha. Os impopulares desanuviam os pensamentos.
Tema de hoje: Vale a pena retirar todos os esforços e recursos preventivos para mudanças climáticas e concentrar absolutamente tudo na contenção de danos?
SOMIR
Tempo de leitura: 10 minutos.
Resumo da B.A.: o autor ignora a contribuição essencial da comunidade trans ao reduzir o número de crianças no mundo.
Não. Prevenção continua sendo essencial. Um dos enganos mais comuns do ser humano nessas grandes questões é a expectativa de sucesso ou fracasso absoluto. Não existe isso de resolver um problema global de vez. As coisas acontecem aos poucos, há muita inércia no nosso sistema.
Reduzir emissões de carbono nunca deveria ter sido um plano de algumas décadas. E no fundo, eu nem acho que as cabeças pensantes da questão do aquecimento global realmente acreditavam em planos como o Acordo de Paris. Era mais uma ideia de mirar alto para conseguir tirar um pouco mais de esforço antes da falha inevitável.
E com a sabedoria do acontecido, posso afirmar que não foi uma boa estratégia, o tom alarmista gerou muita reação emocional nas pessoas, que acabaram dobrando a aposta no negacionismo, “provando” que o aquecimento global era uma farsa porque fez mais frio na sua cidade… a parte racional da coisa foi vendida como histeria.
O que os cientistas do clima perceberam tempos atrás é que o nosso estado atual era basicamente inevitável. Hoje pagamos a conta de outras gerações que simplesmente não ligavam para o quanto poluiriam o mundo gerando suas riquezas. A maioria das pessoas nem pensava nisso mesmo.
A verdadeira estratégia sempre foi contenção de danos, alguns mais emocionados saíram fazendo protestos e abraçando árvores, mas são peões num jogo maior: a ideia era ir empurrando as pessoas aos poucos para uma consciência ambiental que diminuísse as barreiras às medidas impopulares que precisariam acontecer.
E que, no meu entendimento, ainda precisam. A natureza está mudando com influência nossa em larga escala, e os movimentos da natureza são incontroláveis enquanto acontecem. Mas oras, não somos a prova viva que a natureza pode ser influenciada se você agir de forma consistente por muito tempo? É por isso que eu digo que toda a parte preventiva não pode ser ignorada. Não é essa meta impossível toda, desde, é claro, que você entenda o que podemos mexer no sistema.
Imagina um canteiro no meio do cimento. Só um pouco de terra e mato. Se você jogar um balde d’água nele por dia, ele vai continuar sendo terra na maior parte do tempo. Se você jogar 10 baldes por dia, a terra fica saturada e não tem mais como absorver água, começa a virar lama, e eventualmente uma poça. Para ele secar, você vai ter que parar de jogar água por muito tempo, porque vai demorar para escoar.
O clima é mais ou menos assim: a natureza é capaz de dissipar a energia extra que jogamos nela se tiver tempo. O problema atual é que o clima está saturado de energia, as nossas ações acumulam numa “poça” muito rápido. O planeta Terra é tão imenso que consegue lidar com quase tudo o que jogamos nele, mas a mudança climática é prova que essa capacidade vai se reduzindo quando mais usamos.
A prevenção não é só para melhorar a vida dos nossos netos, é para evitar que o sistema fique mais saturado, a fumaça da primeira chaminé de indústria demorou séculos para ser sentida na natureza, a fumaça das chaminés da década passada já estão mexendo no clima de hoje. Cada dia que passa, reduzimos mais e mais a duração entre ação e consequência.
E aquela regra de que durante suas ações a natureza é imparável continua. O canteiro está empoçado. Transborda muito mais rápido hoje do que antigamente. Se a gente não fizer algumas ações preventivas, isso é, reduzir quanta água estamos jogando no canteiro, vamos pagar o preço cada vez mais rápido.
E por mais que a humanidade não vá acabar, até porque um colapso climático reduz a poluição e o planeta vai ganhando tempo de assentar a poluição de novo, a humanidade vai começar a tomar pancadas imediatas de um adversário que simplesmente não tem como vencer. Se vier a tempestade, só aceita. Se começar a encher de água na sua cidade, vai para um lugar alto. Não tem combate.
É claro que eu concordo que é inaceitável ficar reclamando para sempre que “choveu mais que o esperado”, mas as medidas de contenção são algo alheio ao problema. Elas precisam acontecer de qualquer jeito. Mas sem reduzir consideravelmente a poluição, a natureza deixa de absorver o impacto da nossa poluição por séculos e começa a devolver cada soco com um dez vezes mais forte na hora.
E lembrando do plano verdadeiro: ir segurando um pouco por vez o nosso sistema para mudar alguma coisa no longo prazo. Repito que acho que histeria não deu certo, criou muitos negacionistas e uma maioria bem anestesiada. Ao invés de gerar ação, gerou desistência.
Estamos reduzindo o tempo que a natureza tem para dar conta da poluição, e sem medidas preventivas, pode não demorar muito para nem a contenção dar certo: a natureza fica mais rápida que a gente. Ela manda a enchente muito mais rápido que conseguimos mudar pessoas de lugar. Ela elimina ecossistemas inteiros mais rápido que conseguimos achar outra fonte de renda para populações locais.
Tudo porque gastamos nossa margem de segurança. O tempo da natureza encurtou, esse é o problema do aquecimento global: o sistema da Terra não dissipa a energia que colocamos rápido o suficiente, e ela volta tão rápido que não temos tempo de reagir. Contenção é obrigação do poder público que recebe para fazer isso, mas prevenção é a diferença entre vida ou morte, talvez até mesmo para nós que estamos vivos agora.
SALLY
Tempo de leitura: 5 minutos.
Resumo da B.A.: a autora é transfóbica ao ignorar que as mudanças climáticas impactam muito mais a população trans e se recusar a apoiar medidas preventivas.
Vale a pena retirar todos os esforços e recursos preventivos para mudanças climáticas e concentrar absolutamente tudo na contenção de danos?
Quem já leitor do Desfavor sabe que eu vou dizer sim, sim, sim, mil vezes sim.
Vamos ser sinceros, por mais medonha que seja a realidade? As grandes empresas poluentes não vão reduzir seus lucros e poluir menos não importa o tipo de campanha, medida ou conscientização que se faça, a menos que não fazê-lo gere um impacto econômico ainda pior para elas.
Nenhum governo vai impor uma sanção econômica violenta às empresas no/do seu país, pois isso impactaria a arrecadação, a simpatia dessas empresas para com o governo ($$$) e a boa vontade de outras empresas de se instalarem no país. Além disso, impor um método de produção mais caro/menos eficiente (é assim que se protege o meio-ambiente) tornaria as empresas menos competitivas mundialmente e as colocaria em risco de quebra.
Mas, mesmo que um governo maluco topasse fazer isso, empresas que produzissem de forma sustentável, focadas em não agredir o meio-ambiente, fatalmente colocariam uma menor quantidade de produtos e produtos mais caros no mercado. Isso emputeceria o consumidor, que compraria de outras marcas.
E mesmo que todas as empresas do mundo o fizessem, deixando o mercado apenas com poucos produtos e caros, essa sustentabilidade inviabilizaria uma vida com o conforto que temos hoje. Teríamos menos recursos, menos produtos, menos facilidades. E podem ter certeza de que as pessoas (mesmo as que dizem defender o meio ambiente) não estão dispostas a reduzir nessa proporção seu conforto.
Então, por todos os motivos citados, sendo inviável controlar as empresas poluentes, que são a esmagadora maioria de geradores de agressão ao planeta, é completamente inútil gastar rios de dinheiro para conscientizar a pessoa física a adotar pequenas medidas que não terão impacto significativo, como reciclagem ou redução do consumo de água. Só serve para acalmar a histeria do povo dando a falsa sensação de que algo está sendo feio.
Não está. Todas essas grandes cúpulas, reuniões e eventos sobre clima acabam sem consenso. Mas é preciso fazer parecer que algo está sendo feito, afinal, pega bem e todos os envolvidos estão ganhando salários muito bons, ninguém quer abrir mão disso. Eles fingem que estão fazendo algo efetivo, nós acreditamos para não sentir tanto pânico de pensar que o planeta está indo para a casa do caralho. Mas está.
Se você pegar notícias antigas, falas antigas de cientistas, estudos antigos, verá que lá por 1990 se dizia que só tínhamos dez anos para reverter os estragos, caso contrário, o impacto se tornaria irreversível e causaríamos danos irreparáveis ao planeta. Nunca mais se falou nisso. Curioso. Talvez porque se as pessoas lembrarem que os danos são irreversíveis, elas cobrem que se pare de gastar bilhões todo ano para colocar band-aid em tiro de fuzil.
“Mas Sally, não tem mais nenhuma medida efetiva que não envolva as grandes indústrias?”. Tem sim. Redução da população mundial. Chama o Thanos.
Na real, alguns estudos mostram que se o ser humano ao menos parasse de procriar, haveria uma chance real da situação ficar contornável, inclusive pelo fato de que quando menos pessoas, menos as indústrias precisam produzir e menos elas poluem.
Vai acontecer? Não vai. Janderson, artista plástico, morador de Xique-Xique, vai se abster de ter filhos? Não vai. Ele vai querer passar seu DNA adiante para “deixar sua marca no planeta” ou “dar continuidade à sua família” pois todo fodido sempre se acha muito especial e importante. Essa massa de gente que nunca vai fazer nada relevante na vida e que não tem propósito precisa ter filho para fazer deles sua grande meta de vida.
Então, redução da população mundial ainda não é um caminho. Ninguém vai querer abrir mão da imperdível oportunidade de botar um filho no mundo mesmo com pouco tempo para educar, com pouco dinheiro e com um planeta colapsado. Vamos admitir: não vamos fazer o que precisa fazer para realmente reduzir de forma eficiente os riscos e impactos. Então, vamos focar no que interessa: a contenção de danos.
Eu sou a favor de chutar por completo o pau da barraca, para, de dois um: as pessoas de emputecerem e decidirem tomar as medidas drásticas que realmente podem fazer a diferença ou, caso não queiram, passar a destinar todos os recursos que temos (intelectuais e financeiros) para o foco de como conter o que já estragamos. Chega de fingimento. Hora de assumir que arruinamos o planeta.
“Mas Sally, não tem nada de eficiente que possa ser feito em matéria de contenção de danos”. Ainda. Porque as madames estão focadas em medidas preventivas inúteis para encher o próprio rabo e o de suas organizações de dinheiro com isso. Se todos os recursos fossem para contenção de danos, talvez já tivesse surgido algo realmente útil.
“Salvar o planeta” virou um negócio. O planeta não vai acabar, o ser humano vai. E por sinal, isso vai ser muito bom para o planeta. Sabe quem pode salvar o planeta? O Putin, jogando uma bomba e matando metade da humanidade. O resto é mentira barata para justificar gastança de dinheiro.
Já que virou um negócio e vão continuar gastando rios de dinheiro com isso, que ao menos seja em um foco que possa render algo de bom para a humanidade. Se encontrarem uma forma eficiente de conter danos, aí sim, talvez, quem sabe, exista uma chance. Não danificar não é mais uma opção, já está destruído. A meta agora é como recuperar o que já foi destruído.
É como pegar um carro que levou uma pancada fortíssima de outro carro e focar em como evitar acidentes. Tem que reparar os danos que o carro sofreu, ô animal! Prevenir só é válido antes da colisão. Depois da colisão tem que pensar em como arrumar o estrago que já foi feito.
E se você acha que ainda não teve colisão, eu sugiro que dê uma lida nos últimos estudos sérios que saíram sobre a atual situação do planeta. Ou então, que apenas olhe à sua volta e veja o tanto de chuva desmedida, seca, incêndios, alimentos ficando escassos e aumentando de preço e todo o resto que está acontecendo.
É mais desagradável pensar assim, mas é mais eficiente também. Hora de focar totalmente na contenção do que danificamos, pois, no atual modelo de sociedade, não há nada que possamos fazer para parar de danificar de forma significativa.
Investir em prevenção consiste em começar antes que o dano seja feito. A gente já tá até o pescoço na lama, meio tarde pra falar em prevenir esse afundamento.
E a “prevenção” de verdade consiste em a gente voltar, no barato, uns 50-70 anos no tempo em termos de conforto e amenidades da vida moderna. Talvez o planeta não aguente dar uma vida “padrão 2025” para tanta gente.
Como está fora de questão terminar o que o Covid começou, e ninguém vai topar se mudar pra 1950, então acho que o investimento deve focar em nos proteger do que a Terra pretende fazer com a gente. Sistemas de proteção contra inundações e tornados, proteção contra secas, etc. Evitar a danação não tem mais como. Podemos lidar melhor com ela.
Caramba, Gui…
Eu acho que mais vale focar no que é possível fazer, tanto em questões individuais quanto em questões macro. Por exemplo, não vai dar pra convencer o mundo inteiro a se tornar vegetariano, e a maioria das pessoas não está disposta a deixar de comer carne. Mas é possível incentivar novos hábitos de consumo para gerar menos poluição. Minha modesta contribuição é evitar fast fashion 90% das vezes em que compro roupas e focar em tentar achar coisas bonitas e de boa qualidade em brechós. Eu ganho por pagar menos em produtos de melhor qualidade e gero menos lixo para o planeta. Também é bom comprar sapatos e bolsas de couro legítimo, sejam novos ou usados, a despeito do que dizem os malucos do peta: o plástico usado no tal couro ecológico é extremamente poluente e dura muito pouco, enquanto uma peça de couro legítimo bem cuidada pode durar por décadas.
Talvez não possamos abrir mão de coisas como ar-condicionado e carne bovina, mas podemos planejar nossas cidades para ter mais árvores, o que comprovadamente ajuda a diminuir o calor. Podemos investir em formas de energia limpa, em novas tecnologias que ajudem a melhorar nossa qualidade de vida sem destruir tudo. Há até tratamentos de água que utilizam bactérias para torná-la limpa novamente, por exemplo. Ninguém vai beber isso, mas dá pra usar no banheiro.
Minha linha de corte é: me gera algum desconforto? Não vou fazer, pois medidas individuais não fazem diferença no somatório geral.