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Papo que voa…

Papo que voa…

| Desfavor | | 13 comentários em Papo que voa…

Situação hipotética: você está “preso” numa longa viagem de avião ao lado de uma pessoa. Essa pessoa vai querer conversar o tempo todo, não é uma opção ela colocar fone de ouvido ou dormir. Sally e Somir discordam sobre quem seria a opção mais interessante. Os impopulares conversam.

Tema de hoje: se você tivesse que passar várias horas conversando num voo, quem escolheria para estar ao seu lado?

SOMIR

Tempo de leitura: 15 minutos.

Resumo da B.A.: com tantas pessoas trans para ouvir e aprender, o autor escolheu o transfóbico mais poderoso do mundo. Cadeia!

POWERED BY B.A.

Minha primeira opção era alguém em coma. Mas eu entendo que seria estragar a ideia desta pergunta. Tendo que interagir de verdade, eu acho que escolheria Donald Trump.

Uma pessoa que eu não admiro, que jamais votaria, mas que me parece fascinante pelo poder que conseguiu angariar. Tenho que escolher alguém por contexto social porque não sou do tipo de pessoa que entenda o impulso de ir conversar com alguém só pelo prazer da conversa. É um defeito, admito.

Mas dado esse defeito, eu tenho que adaptar essa visão utilitarista sobre interações sociais na escolha. Ter acesso e a atenção de uma das pessoas mais poderosas do mundo seria interessante por vários aspectos: primeiro que simplesmente de estar lá já pode te abrir muitas portas. Existe toda uma indústria de parasitas ao redor de qualquer pessoas famosa justamente por isso, elas atraem oportunidades.

E é claro, considerando como Trump parece ser, qualquer coisa que você disser na conversa pode ter consequências globais. Pessoas mais responsáveis teriam medo desse poder, mas eu não me aguento. Como o presidente americano é o tipo de pessoa muito influenciável e muda de ideia rapidamente, suas opiniões sobre o mundo poderiam virar ações de verdade.

Não é um político tradicional treinado para ignorar tudo o que não lhe interessa. Se você ficar 10 horas conversando com Lula ou Bolsonaro, são 10 horas de coisas entrando por uma orelha e saindo pela outra. Políticos profissionais costumam ter esse superpoder de concordar com tudo o que você disser para eles e continuar pensando absolutamente a mesma coisa que pensavam antes.

A personalidade do homem laranja é ao mesmo tempo inabalável e alcançável, até por isso ele consegue tantos votos. Parece que ele vai mesmo ouvir o que dizem para ele.

O comediante e apresentador americano Bill Maher, famoso liberal (no sentido esquerda americano), recentemente se viu numa polêmica grande porque se juntou a Trump num jantar na Casa Branca mediado por um amigo em comum (o fuckin’ Kid Rock), e ao contar no seu programa como as coisas aconteceram, disse o que viu.

Trump é uma pessoa muito mais normal sem câmeras na cara. É alguém que escuta, conversa e leva críticas numa boa. Sabe até rir de si mesmo. Ele disse que na maioria do tempo Trump pergunta para as pessoas o que elas acham das coisas, não fica com o discurso infantilóide de autopromoção que usa na frente do público.

Maher contou que fez piadas com Trump, e Trump riu e brincou de volta. É claro que era uma situação “diante do inimigo”, porque Maher critica Trump pesadamente dia sim, dia também. Trump sabia disso, até porque batia de volta nele pelas redes sociais. Maher inclusive levou uma lista impressa de todos os xingamentos que Trump fez direcionados a ele e pediu para o presidente autografar. Trump riu e assinou.

Os lacradores americanos ficaram putos da vida por ele não ter falado mal de Trump, por ter falado o que sentiu de verdade. Maher não se tornou trumpista nem nada, na semana seguinte estava batendo de novo nas decisões bizarras do laranjão, mas o público mais raivoso ainda não o perdoou. Talvez nunca perdoe.

Isso só reforçou minha ideia: Trump é tão especializado em fazer bagunça midiática que mostra só a parte mais exagerada diante das câmeras. Faz parte da filosofia de vida dele negociar sempre pedindo absurdos para negociar coisas mais razoáveis com alguma vantagem. Numa conversa solitária com ele, tudo pode acontecer, desde influenciar uma política internacional até começar a Terceira Guerra Mundial.

Ou, mesmo sem expectativas tão grandiosas, no mínimo deve ser um papo interessante: o homem já viveu de tudo, eu o escolhi numa coluna passada como a maior história de virada na vida em memórias recentes. Foi de piada a chefe do maior exército do mundo. De nome que seria esquecido em poucos anos para uma figura histórica que vai ser ensinada por séculos e séculos. Fez todo tipo de besteira, se meteu em mil situações erradas.

E se ele realmente não é o narcisista padrão na vida real, é uma conversa interessante sim. Não seriam horas e horas ouvindo alguém falar sobre como é melhor que todo mundo, e sim um acesso exclusivo a alguém que tem muita história para contar e menos treinamento político de falar e falar sem falar nada. Isso é para as câmeras.

Talvez outras pessoas me agregassem mais, mas duvido que outra me daria uma história mais bacana para contar depois. Ou mesmo a sensação de que pode ter mexido com o funcionamento do mundo por causa de uma frase aleatória. Eu sou publicitário, eu vivo soltando frases que fazem as pessoas acharem que estão ouvindo uma verdade muito profunda sobre a vida. Não é exatamente verdade que a frase é profunda, mas elas são grudentas na cabeça.

No mínimo seria divertido ver o que sairia dessa conversa no futuro. Claro, poderia ser catastrófico para a humanidade, mas é um risco que eu estou disposto a correr por vocês.

SALLY

Tempo de leitura: 3 minutos.

Resumo da B.A.: a autora do texto escancara sua transfobia ao não escolher uma pessoa trans

POWERED BY B.A.

Se você tivesse que pegar um voo longo, sozinho com qualquer pessoa viva, sabendo que a pessoa magicamente gostaria de interagir com você durante toda a viagem, quem escolheria?

Vamos repassar as regras? É uma pergunta ficcional, então, não cabe dizer “ain mal tal pessoa nunca ia querer conversar comigo”. Pela premissa da pergunta, a pessoa vai querer interagir com você. E sim, pode ser qualquer pessoa do mundo, mesmo quem jamais viajaria em um voo comercial. Mesmo que tenha medo de avião. Mesmo que não fale o mesmo idioma que você. Tudo isso magicamente se resolveria.

Dito isso, eu escolheria o vocalista da minha banda favorita, que também calha de ser apresentador do meu programa de TV favorito do Brasil: Fabiano Cambota, comediante de stand up comedy, vocalista do Pedra Letícia, apresentador do programa A Culpa é do Cabral.

“Mas Sally, você poderia conversar com as mentes mais brilhantes do mundo, com vencedor do prêmio Nobel!”. Não quero. Pelo amor de Deus, tudo que eu quero em um voo longo é me distrair. Quero leveza, quero rir, quero passar o tempo. Que mania de grandeza é essa de escolher pensando em título ou em formação acadêmica?

Além de ser um dos melhores comediantes de stand up comedy do Brasil, Fabiano Cambota é o melhor contador de histórias do Brasil. Ele conta histórias de uma forma muito engraçada, muito leve e muito divertida, além de ter histórias muito engraçadas para contar. É isso que eu quero ao estar confinada em um tubo de metal por 12 horas. Boas histórias e boa música. Conte algo que me faça rir, cante algo que me distraia.

Em que pese a maldição dos comediantes, geralmente muito conflituados e mal-humorados na vida real, ele parece ser uma pessoa muito gente boa. Parece calmo, divertido e educado. Certamente faria o tempo passar mais rápido e a experiência ser mais agradável. Pronto. Me atende. No dia em que eu quiser operar o cérebro eu penso em um nome que seja notório saber da medicina. Para ficar trancada em um avião eu quero o Cambota.

E não tem nada de maldade aqui, não tem nenhum interesse secundário. Sou muito bem-casada e ele também, com uma mulher linda, por sinal (Flavia gatíssima, parece uma princesa da Disney de tão linda que é). Interesse genuíno no bom entretenimento: histórias que fazem rolar de rir, música que acolhe a alma.

Nem sempre a melhor escolha é a grandiosa, a que tem pompa, a que tem status. Nenhum grande líder mundial, nenhum cientista, nenhum rei ou rainha me divertiria tanto e tornaria essas horas tão agradáveis.

Querer alguém grandioso é a versão social da pessoa que vai no rodízio e come até passar mal pois “está pagando” e quer “dar prejuízo”. Tem hora e lugar para tudo. Quando eu quiser aprender mais sobre física quântica escolho outra pessoa, para passar um tempo confinada e me divertir, é ele.

Quando você está em um avião, em um voo longo, a melhor coisa que pode te acontecer é você não ver o tempo passar. E para não ver o tempo passar, a melhor estratégia é se divertir, se entreter. Teoria da relatividade. Essa é a premissa.

“Ain mas eu quero aproveitar para fazer networking com o Bill Gates, com o Elon Musk, com o Jeff Bezos”. Parabéns pela autoestima, certamente esses três me mandariam tomar no meio do meu cu por não ter absolutamente nada útil a oferecer. “Oi, eu escrevo um blog chamado Desfavor”. Imagina a cara deles.

“Ain mas eu queria viajar com o Brad Pitt para ficar amiga dele”. Parabéns pela autoestima novamente. O que eu teria de interessante a acrescentar na vida do Brad Pitt? Nada. Ele cagaria para mim da forma mais solene que se pode cagar para um ser humano. Ele e qualquer um, inclusive o Cabota também. Não é sobre criar laços, é sobre passar essas horas da forma mais agradável possível.

Eu entendo que todos vocês devem ter suas próprias opções de pessoas que consideram divertidas e acho isso ótimo, mas, queridos leitores, vocês hão de convir comigo que entre as duas opções apresentadas aqui hoje, a minha é de longe a melhor.

Quem é o maluco que, voluntariamente, escolheria ficar preso em um avião por horas com o imbecilóide do Trump falando bostas como “imigrantes estão comendo os animais de estimação das pessoas”? Prefiro ir a pé para o meu destino do que pegar esse voo!

Escolham suas opções à vontade, mas, vamos admitir, entre esses dois, é muito mais legal viajar com um humorista e com um músico que não toca Raul.


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