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Fracasso.

Fracasso.

| Sally | | 8 comentários em Fracasso.

Vamos falar um pouco sobre fracasso? Não se preocupe, neste blog pregamos pena de morte para coach, não será nada nesse sentido. “Trabalhe enquanto eles dormem” teu cu.

Tempo de leitura: 3 minutos.

Resumo da B.A.: a autora claramente imputa fracasso à comunidade trans revelando assim sua transfobia.

POWERED BY B.A.

“Mas Sally, você não vai falar da morte do Papa?”. Por enquanto, tudo que vocês precisam saber está aqui, neste texto sobre Conclave. Assim que surgir alguma notícia relevante sobre o assunto, falaremos a respeito. Voltemos para o fracasso.

A definição de “fracasso” é basicamente não conseguir alcançar um objetivo ou uma meta, o que, na minha concepção, me parece algo mais do que normal. Concordam comigo que nenhum ser humano é bem-sucedido em absolutamente tudo que faz, o tempo todo, durante toda a sua vida? O fracasso é a regra, o sucesso é a exceção. A vida é uma sequência de fracassos até que, uma hora, de vez em quando, a gente emplaca um sucesso.

Na real, o fracasso é uma escada para o sucesso. A cada fracasso aprendemos algo que incorporamos à nossa vida, ao nosso plano, mesmo que seja o que não fazer. Esses aprendizados, somados, nos ajudam a fazer escolhas melhores e ir mais longe, até chegar ao sucesso. Fracasso são as aulas do colégio e sucesso é a aprovação no final do ano. Um depende do outro.

Se fracasso é necessário, se fracasso é a regra, então vale alguma reflexão do porquê damos tanto peso a ele. Fracassar, na atual sociedade, é algo terrível (e todos fracassamos a maior parte do tempo). Ser um fracassado é algo terrível (e todos somos, já que fracassamos a maior parte do tempo). Será que não é hora de reverter esse pensamento?

Acho que não dá mais para reverter a conotação pra lá de negativa da palavra “fracasso”, ela já está contaminada demais para ser salva. Então, que tal parar de usar essa palavra sádica e usar outras? Que tal encarar uma falha como um processo de aprendizado e não como um fracasso?

A própria definição da palavra foi mudando até ficar errada. “Fracasso” tem uma conotação permanente, quando na verdade, é sempre transitório, pois a cada dia você pode fazer diferente e uma hora dará certo. Então, independente da palavra que você escolha para classificar essa situação de não sucesso, tenha em mente que não é permanente, é temporário.

“Fulano é um fracassado”. Isso não existe. Fracasso não é uma sentença. Você pode hoje fracassar e amanhã ter sucesso. Você pode fracassar em uma área mas ser muito bem-sucedido em outra. Fato, a palavra vem sendo usada de forma muito equivocada.

Então, já temos dois pontos para refletir: 1) fracasso é parte natural da vida, acontece com todos e é a regra e 2) fracasso não é uma sentença, é um evento temporário, ninguém está condenado ao fracasso. São duas premissas necessárias para que possamos dar o próximo passo. Vamos um pouquinho mais fundo?

Será que todas as atribuições que se colocam nas costas de uma pessoa no Brasil são realmente da pessoa? Não será que se colocam coisas demais nas costas da pessoa e por isso ela não dá conta e provavelmente ninguém no seu lugar daria?

Eu vejo a ideia de fracasso muito atrelada à questão financeira: pagamento, poder de compra, bens conquistados. Aparentemente, para uma pessoa ser bem-sucedida, ela tem que conseguir arcar com todas as suas despesas e da sua família, provendo uma vida com um mínimo de conforto. Esse é o básico. E o básico, no Brasil, é dificílimo. E não por culpa do brasileiro.

Vocês já tiveram curiosidade de ler o que diz a Constituição da República, a lei de mais alta hierarquia no Brasil, sobre o salário-mínimo? Está no seu artigo 7°, inciso IV, um capítulo que trata dos direitos de todos os trabalhadores no Brasil:

A Constituição assegura o direito a “salário-mínimo, fixado em lei, nacionalmente unificado, capaz de atender a suas necessidades vitais básicas e às de sua família com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, com reajustes periódicos que lhe preservem o poder aquisitivo”. Pausa para rir.

É dever do Governo estipular um salário-mínimo que assegure as necessidades básicas da pessoa. Não apenas as citadas, mas todas as necessidades básicas. Por exemplo, o acesso à internet não foi citado pois a Constituição é de 1988, mas hoje é sim uma necessidade básica.

Mesmo entre as citadas, o salário-mínimo claramente não cumpre sua função. Ou alguém vai me dizer que com um salário-mínimo alguém consegue suprir as necessidades de moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte suas e de sua família?

Então, será que quem está fodido de dinheiro é mesmo um fracassado ou é o Estado que fracassou em cumprir a lei que ele mesmo criou? Por qual motivo o fracasso do Poder Público, tão frequentemente é repassado ao cidadão? Você sabe, eu sei, todo mundo sabe: o Governo nunca erra, a culpa é sempre dos outros.

“Mas Sally, tem os problemas X e Y que impedem o Gov…”. Me poupe. Se poupe. Foda-se os problemas X, Y e Z. O papel do Governo é resolver os problemas para fazer valer a lei. Problemas, como vocês adoram repetir, todo país tem. Um bom Governo resolve os problemas e estipula um salário-mínimo que supra todas as necessidades do trabalhador. E se não conseguir, não delega o fracasso a ele.

Mas no Brasil se convencionou que mesmo que o Governo estipule um salário-mínimo insuficiente, se a pessoa não conseguir se manter com dignidade e conforto, ela é a fracassada. Inclusive as pessoas fazem isso umas com as outras: apontam e tratam como fracassada uma pessoa para a qual o Governo falhou.

E o fracasso do Poder Público não para por aí. Ele não dá educação pública de qualidade, ele não dá saúde pública de qualidade, ele não presta serviços essenciais para boa parte da população (como saneamento básico, por exemplo), ele não fornece transporte público de qualidade, não presta segurança pública e tantas outras falhas que já conhecemos.

Então, se pretende que uma pessoa com educação insuficiente, sem uma boa alimentação, sem uma boa cobertura de saúde, sem um transporte público decente e segurança pública, ganhe um salário que não atende a o que diz a lei, mantenha sua família com dignidade e conforto e, se ela não conseguir, é uma fracassada? Vai tomar bem no cu.

Não engulam esse discurso e não propaguem esse discurso. É uma agressão à saúde mental das pessoas. É tirar toda a responsabilidade de um Estado (rico, diga-se de passagem) e colocar no cidadão. É fazer o povo se comparar com juiz e parlamentar, que ganham salário de 5 dígitos e auxílio-tudo e se sentir uma merda, pois eles são “bem-sucedidos” e a pessoa é “fracassada”. Chega dessa crueldade, por favor.

“Mas Sally, na minha idade meus pais tinham casa própria”. Sim, naquela época, o custo de vida era outro, a realidade era outra, o mercado de trabalho era outro, o mundo era outro. Seus pais começavam uma vida com fogão, geladeira e um colchão. Nós precisamos, citando por alto, de computador/celular e internet, se não ficamos incomunicáveis com nossos empregadores e não conseguimos nem ser contratados. Comparar realidades diferentes como se fossem iguais é muito injusto.

Por outro lado, também é infeliz condicionar sucesso ou fracasso a questões financeiras. Sim, eu sei, o financeiro é importante, vivemos em sociedade, não dá para desconsiderar o fator dinheiro. Mas ele não é tudo. Ao menos não deveria ser e certamente não é nosso bem mais valioso. As coisas mais valiosas não podem ser compradas, mas não adianta falar isso, a pessoa tem que descobrir sozinha.

O mundo está cheio de pessoa rica frustrada por não ter um parceiro(a) amoroso, uma relação feliz, uma família amorosa, saúde e muitos outros. Essas pessoas seriam felizes se fossem pobres? Claro que não. Mas só dinheiro não garante estar bem. Se fosse assim não existiria rico deprimido, rico com problema mental, rico se suicidando. Eu sei que dinheiro é fundamental, o que quero dizer é que dinheiro, por si só, não tem que ser medidor de sucesso e fracasso, é possível ter dinheiro e, ainda assim, fracassar.

Também é importante observar que hoje temos cada vez mais “áreas” nas quais somos escrutinados para avaliar nosso sucesso. A pessoa não tem sucesso apenas com a dupla trabalho + família como antigamente. Ela é cobrada em muitos outros aspectos. E, quanto mais categorias, maiores as chances de não sermos bons ou perfeitos em tudo.

Tem trabalho e família? Não basta. Vamos esmiuçar mais a vida da pessoa, para que ela se sinta mal em outros aspectos. Pessoas que se sentem mal reclamam menos, se revoltam menos, consomem mais. Convém ao atual modelo de sociedade que você se sinta mal e fracassado. Esse seu sentimento gera submissão, conformismo e riqueza para quem o explora.

Tem trabalho e família? Vamos afinar a peneira e olhar mais a vida da pessoa! É um bom emprego? Ganha bem? Está feliz com o que faz? Saúde em dia? Malha? Corpo bonito? Rosto bonito? Aparência jovial? Se veste bem? Relacionamento amoroso satisfatório? Amigos? Está atualizada? Tem cultura? Viaja nas férias? Muitos seguidores em redes sociais? Sai? Se diverte? Tem um hobbie? Provou a última comida da moda? A última bebida? Viu a última série da moda? Mantém contato com seus amigos? Responde e-mail, whatsapp e telefone? Está se atualizando e se reciclando profissionalmente? Sabe usar IA? Terapia em dia? Tem filhos? Criou direito os filhos? Os filhos são bem-sucedidos? Casou? O parceiro é bem-sucedido? Está feliz no casamento? A lista é infinita.

Nenhum ser humano normal está sempre 100% em todos os itens. Mas nos fazem sentir mal quando não estamos. Redes sociais com seus usuários mentirosos e suas vidas falsas esfregam na cara de todos como todo mundo está sempre muito bem, muito rico, muito belo, muito magro, muito viajante, muito festejante, muito feliz, com a família perfeita, só você, você, o fracassado que não está.

Tá todo mundo na merda, meus amigos.

Talvez você inveje o outro por achar que a merda dele é menos fedida do que a sua, mas, na boa, não é. Quem está neste mundo, está na merda, pois não tem como estar neste mundo doente e estar bem, muito menos estar bem o tempo todo em todas as áreas da vida. Se quisermos estar bem, antes de mais nada, temos que sair desse mundo.

Não, não estou mandando vocês irem morar no alto da montanha nem se matarem. Se sai do mundo com a mente. Você para de jogar o jogo. Está presente, vive em sociedade, faz o que tem que fazer, mas sem deixar que sua mente seja sugada para essa imbecilidade, por essas crenças, por esses valores bizarros do mundo.

Trabalha, ganha o seu dinheiro, conversa com os colegas, faz tudo que qualquer pessoa faz, mas mantém sua mente fora deste mundo, desse jogo, dessa insanidade. E não precisa dizer a ninguém que, na sua mente você está fora do mundo. Por sinal, nem deve. Faz o seu, vive a sua vida, com a sua mente fora do mundo. Isso, meus amigos, é sucesso.

Tirar a mente da dinâmica doentia deste mundo não quer dizer que você vai virar um hippie e vender gnomo de madeira na estrada, não quer dizer voto de pobreza, não quer dizer deixar de trabalhar ou fazer atividades sociais. Quer dizer fazer tudo que você quiser, comprar tudo que você quiser, usufruir tudo que você quiser mantendo sua mente em um estado mais saudável.

E, ao manter a sua mente em um estado mais saudável, sua vida vai fluir melhor, você vai performar melhor. Inclusive também terá mais chances do “sucesso” do mundo, aquele sucesso opressor do qual estávamos falando. Não é o sucesso que tem que chegar para que sua mente fique bem. É sua mente que tem que ficar bem para que você consiga performar bem na vida e aí sim ter melhores chances de alcançar seu objetivo.

Pare hoje de se chamar ou de chamar os outros de “fracassado”, de se comparar com outras pessoas para medir seu sucesso e pare de colocar uma conotação negativa no “fracasso”. Os fracassos são apenas aulas, são aprendizados, são sinalizações de onde é o caminho e onde não é.

Talvez as coisas não estejam dando certo na sua vida justamente por isso, por você brigar com as dicas que a vida te dá em vez de escutá-las. Permita que o que não deu certo te oriente sobre o que fazer para ir na direção do dar certo. Em vez de espernear, se frustrar e sentir raiva, aprenda, escute, aceite a lição. Se não, você vai repetir de ano muitas e muitas vezes.

Fracasso é uma dica da vida para você. E é bom que a vida te dê dicas. Não seja criança, não esperneie. Escute. Fracasso é sua melhor bússola.


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