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Merece apanhar!

Merece apanhar!

| Desfavor | | 2 comentários em Merece apanhar!

O Supremo Tribunal Federal (STF) e o Porta dos Fundos lançaram uma campanha no Dia Internacional da Mulher para conscientizar o público sobre os direitos das mulheres e as leis que garantem sua proteção. A iniciativa, que não envolveu o pagamento de cachês, incluiu a produção de dois vídeos, publicados na página oficial do órgão público. Os conteúdos, no entanto, dividiram opiniões na rede — e não faltaram críticas. LINK


Entre lacrar e ajudar, é claro que preferem lacrar. Desfavor da Semana.

SALLY

Tempo de leitura: 3 horas

Resumo da B.A.: kkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkk

POWERED BY B.A.

Você viu esse vídeo? Você viu a campanha que o STF fez, contratando o Porta dos Fundos, para o Dia da Mulher? Se você viu esse vídeo e se você é leitor do Desfavor você sabe que não há qualquer condição de que eu me aprofunde na análise de nada hoje aqui. Eu vou apenas falar mal disso por duas páginas. Se quiser uma análise séria, leia o texto do Somir.

Primeiro eu gostaria de pontuar que esse vídeo custou muito caro. Como vocês podem imaginar, não é barato contratar o Porta dos Fundos. E foi pago com seu dinheiro, contribuinte. Foi pago com o dinheiro dos seus impostos, em um momento de crise econômica, queda do poder de comprar e aumento de inflação. Tenha isso em mente durante o texto. Pagaram caro com o seu dinheiro para fazer isso.

O vídeo é horrível, improdutivo e infantilóide. E pior: com gente feia. Eu posso perdoar quase tudo quando tem gente bonita, mas gente feia estraga meu dia. Gente feia me fez pegar birra com Breaking Bad, um primor de roteiro, imagina com essa abominação, essa atrocidade, esse conglomerado de vergonha alheia.

Ao que tudo indica, o Baiano, do filme Tropa de Elite, passou um batom e foi falar sobre defesa da honra da forma mais ofensiva possível para os homens, chamando-os de retardados com uma explicação feita para retardados, porque criança alguma nesse mundo se interessaria por esse vídeo.

Um cenário em total sintonia com o colapso estético generalizado que ocorre no vídeo faz a gente querer colocar uma radiografia na frente da tela, tal qual fazemos durante eclipses, para não queimar os olhos. E a música faz a gente querer furar o tímpano com um alfinete quente.

A premissa, segundo o próprio STF postou no seu perfil, é “explicar de forma que até uma criança de 6 anos entenderia”. Duas coisas: 1) homem não bate ou mata mulher por falta de compreensão daquilo ser errado e 2) se você botar uma criança de 6 anos na frente desse vídeo ela não vai querer nem conseguir assistir até o final.

Não foi essa a intenção. Foi humilhar, lacrar. Se você quer falar para um povo imbecilóide retardado como é o brasileiro médio, você não usa referências como “pirata corsário” ou “conde russo do século XIX”. Não é um roteiro escrito para uma criança de 6 anos, é um roteiro escroto escrito para humilhar, ou seja, quem deveria assistir, fica puto e a mensagem não é absorvida.

Usar expressões jurídicas como “defesa da honra” para falar com crianças ou com pessoas que não sabem assinar o próprio nome é uma completa imbecilidade. Obviamente a intenção não era falar simples para a mensagem chegar.

E se você quer falar com um povo violento, adepto da barbárie, da impulsividade, não dá para sugerir “chorar” como alternativa a deitar a mulher no cacete. Ainda mais em um país machista como o Brasil, no qual homem chorando ainda é visto como algo que gera um certo grau de humilhação.

Se você quer apagar um incêndio, não diz que o homem “se achava gato” mas foi traído, como quem tripudia dizendo que, além de corno, é feio. Isso é jogar gasolina no fogo. Se você quer que alguém escute com seriedade uma ameaça vinda da mais alta corte de um país não o faz cantando uma versão de “atirei o pau no gato”.

Não contentes com todo o estrago, ainda esculacham quem usa coque samurai, quem usa camisa de super-herói depois de adulto e quem tira foto fazendo cara de mau com os amiguinhos. Parece que só é feio julgar mulher, homem pode ser julgado e esculachado.

Se eu disse que toda mulher que usa minissaia, pinta o cabelo de loiro e tira foto de biquini é puta tá tudo certo? Porque estão dizendo que agressor usa coque samurai, camisa de super-herói e tira foto fazendo cara de mau com os amigos. Qual vai ser? É feio ter preconceito pela aparência, roupa e foto, ou tá liberado para todo mundo usar a roupa que quer, o cabelo que quer e tirar a foto que quer sem ser julgado ou ridicularizado?

No vídeo, o Baiano de Batom ainda diz em tom orgulhoso que desde 2021 a tese de “defesa da honra” não é mais aceira pelo STF como justificativa para bater ou matar uma mulher. MANO. MA-NO.

Um país no qual um tribunal que até fuckin’ 2021 aceitava defesa da honra como argumento para deitar uma mulher na porrada tem é que ter vergonha disso, não alardear. Era melhor ter omitido essa informação, para que o povo não saiba como são inúteis, imbecis, incompetentes e como demoram para atualizar a lei.

Seria como dizer “Tá pensando que Somir e eu somos malucos? Está redondamente enganado! Saiba você que desde 2021 Somir e eu paramos de comer merda e rasgar dinheiro”. MANOOOOOO. Esse vídeo é a pior coisa que eu já vi em toda a minha vida em matéria de publicidade, e olha que eu trabalho com isso há dez anos!

Como se não fosse creepy o suficiente tratar de um assunto sério como feminicídio usando uma pessoa adulta (e feia) vestida de criança com roupa colorida parodiando música infantil, o STF ainda justificou essa atrocidade dizendo que queria “se aproximar do povo”. Taí, quando a gente acha que não tem como ofender mais, eles conseguem essa proeza.

É assim que eles acham que o povo é: cafona, idiota, infantilizado. “Mas Sally, o brasileiro médio é cafona, idiota e infantilizado”. Sim, eu sei. E esse é mais um motivo para não jogar isso na cara dele, principalmente se estiver usando o dinheiro dele. Não se diz a uma pessoa feia que ela é feia, concorda? Principalmente se você estiver tentando fazer ela escutar a mensagem que você está divulgando.

Já imaginou o anúncio de um produto que você consome usando essa estratégia? “Você que é burro, vamos te ensinar a consumir este produto!”. É óbvio que as pessoas vão ficar putas e não vão consumir. A pessoa se fecha, fica com raiva, fica na defensiva. Era preferível botar uma mulher gostosa rebolando de biquini no vídeo e uma legenda “quem bate em mulher é viado”. Ia surtir mais efeito. Não tá liberado escolher mulher gostosa para ser ouvido? Esta semana mesmo o Lula falou isso com todas as letras.

Esse vídeo dá raiva. Eu estou com raiva. Eu sou mulher e esse vídeo me deixou com vontade de bater em mulher. E em todos os brasileiros por terem dado audiência a esse estrume do humor que é o Porta dos Fundos. Se fosse o Leo Lins a fazer um vídeo usando humor para criticar nas entrelinhas violência contra a mulher, aposto estariam sentando o cacete, dizendo que é assunto sério.

Obviamente o vídeo recebeu uma tsunami de críticas no perfil do STF no Instagram. E obviamente o STF apagou a maior parte delas. Então, não é a minha opinião, é uma constatação: deu errado, provocou repulsa, não atingiu a finalidade que deveria e gastou milhões de verba pública que poderia ter sido muito mais bem utilizada. E vai ficar tudo por isso mesmo, pois esses dinossauros corruptos não sabem mais falar com o povo, só sabem lacrar (com o dinheiro alheio).

O STF consome mais recursos do que a família real britânica (não é uma expressão, foi matematicamente constatado) e esse dinheiro vai para luxos como champagne e lagosta, e agora, para imbecilidades como essa. Parabéns, Brasil.

SOMIR

Tempo de leitura: o tempo de ler o primeiro parágrafo.

Resumo da B.A.: eu achei o vídeo muito difícil de acompanhar, muito longo…

POWERED BY B.A.

Acho que às vezes a Sally deve achar que eu não me choco com nada. Porque ela me manda notícias e vídeos bizarros e eu começo a filosofar sobre eles. O que talvez nem ela perceba é que ela xinga tão bem ao descrever que eu me sinto representado na hora e a mente começa a divagar por outros caminhos. Deve ser um superpoder argentino.

E isso aconteceu de novo aqui. A putez dela resolve toda minha necessidade de expressão de horror. Vamos filosofar então: enquanto via aquilo, passei por vários caminhos mentais, o primeiro foi o óbvio de achar um descalabro infantilizar esse assunto. É condescendente de uma forma que irrita, de cima para baixo sem nenhuma sutileza.

Mas aí veio a realização de que alguém pensou nisso. Alguém pensou, escreveu e todo mundo aprovou. E aí existem níveis: o nível básico é achar que seria uma forma leve de tratar um assunto pesado, afinal, faz parte da expectativa de quem contrata um canal de humor tornar o assunto mais palatável através desse tipo de tom.

O pessoal do STF e o pessoal do Porta dos Fundos acreditaram ao mesmo tempo que precisariam entregar algo do tipo. Com essa parte interna do processo criativo eu tenho experiência, por mais que tenha gente capaz de sair da caixa, o simples ato de contratar quem contrataram forçou todo mundo dentro de uma caixa. Seria impossível de justificar um vídeo mais ácido ou sutil nesse contexto.

Eu consigo me colocar no lugar de quem tomou essa decisão, mesmo que eu tivesse tomado uma diferente. É uma saída relativamente segura infantilizar mensagens sérias se você quer usar humor sem ofender. As pessoas são acostumadas com essa linguagem, é algo que todo mundo entende. E sim, é um truque valioso: ao fingir que é algo feito para crianças, você pode explicar algumas coisas que adultos deveriam ter vergonha de não saber sem jogar isso na cara deles.

Não é porque você acha seu público imbecil, é porque você está parodiando a forma como se comunica com crianças. Eu não estou criticando o vídeo porque não consigo enxergar essa arma da comunicação, porque eu sei que funciona e com certeza teria pensado nela dadas as condições dessa contratação. O que eu não teria feito é misturar lacração e anular todas as vantagens da linguagem infantilizada.

O bônus de fingir que é um programa infantil é desconfiar da capacidade mental do seu público sem deixar isso explícito. Agora, se você quer colocar no meio disso o sarcasmo arrogante de quem se acha moralmente superior, percebe como você colocou uma rolha no buraco de onde sairia a pressão da mensagem?

Eu tenho algum respeito por quem é explicitamente lacrador e se posiciona sem medo como intelectualmente superior por causa de suas opiniões políticas. É alguém que pelo menos joga o jogo de forma aberta. Quando você discute com alguém assim, a pessoa bate o pé no seu ponto e argumenta porque acha que está certa e não tem o que negociar com o outro lado.

Quer empinar o nariz e chamar o povão de retardado por não concordar com você? Faça e pague o preço. Se for criticado por não ceder, é verdade e você escolheu não ceder por uma série de motivos que deve ser capaz de explicar. A experiência de vida me ensinou que é menos eficiente ficar de nariz empinado, mas não que é uma tática impossível.

Eu não tenho respeito por quem fica nessa lenga-lenga apresentada no vídeo do STF e do Porta dos Fundos: porque bate e finge que não bateu depois. Se esconde atrás de “tecnicamente eu não falei”. A escolha pela linguagem infantil pode ser uma forma inteligente de aliviar o peso de assuntos como violência contra a mulher, mas não se você não se aguenta e começa a bater em metade da população mundial só para ganhar biscoito de outros lacradores.

Não só você está criticando homens sem distinção como está chamando todo mundo de criança burra por não entender as coisas exatamente como você entende. Se eu fosse do STF, mandaria fazer outro ou pediria meu dinheiro de volta. Aliás, se eu fosse do STF eu nem teria contratado o Porta dos Fundos, era óbvio que eles não se aguentariam. É escroto, mas também é de uma burrice enorme usar o exato oposto ideológico como base da linguagem que você escolheu se comunicar.

Lembrando que o pessoal de lá não é só um bando de humoristas perdidos, tem uma base publicitária pesada na equipe, inclusive na formação de vários dos membros permanentes do grupo. Eles fazem dinheiro mesmo com peças para anunciantes. Eles sabiam a merda que estavam fazendo e fizeram mesmo assim. O dinheiro público que se foda, a mensagem que se foda, as mulheres que se fodam: sacanearam os machos hetero top e queriam biscoito.

E mais uma filosofada: eu também entendo a dura realidade do Brasil. Uma grande parte da população que precisa escutar essa mensagem tem mesmo a cognição de uma criança. O tom usado no vídeo pode ter sido uma escolha (talvez inconsciente) de explicar as coisas de um jeito que o bestial brasileiro médio seja capaz de entender. Eu repito que teria visto a mesma saída do discurso infantil diante do desafio. E que não demorou mais que dez segundos para perceber que isso tudo seria anulado com ataques arrogantes contra os homens em geral. Se eu percebi, eles perceberam. Mas não ligaram.

Sabotaram a mensagem para se sentirem superiores, e nem bancaram a lacração: estão apagando as críticas e fingindo que não aconteceu. O dinheiro do seu imposto já está na conta deles, e o STF gasta mais com lagosta do que com esse vídeo, então está pouco se lixando também.

Lacraram com o seu dinheiro e provavelmente deixaram os homens retardados que espancam e matam mulheres mais irritados ainda. Como eu queria que tivesse sido um canal de humor mais à direita na época do Bolsonaro, estariam destruindo todo mundo agora na imprensa por essa bosta de vídeo. Infelizmente são da turma “do amor”, então podem fazer besteira sem consequência nenhuma.

Em resumo: sabiam o que estavam fazendo e fizeram mesmo assim porque não vai dar nada torrar seu dinheiro e jogar contra a segurança da mulher.


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