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Fãs de país.

Fãs de país.

| Sally | | 10 comentários em Fãs de país.

Depois de ver o país dividido por ano entre fãs de políticos, agora começa a surgir um novo fenômeno no Brasil: os fãs de país.

Tempo de leitura: 10 horas

Resumo da B.A.: a autora é xenomorfa tem preconceito com outros países.

POWERED BY B.A.

O esquema é o mesmo: a pessoa se posiciona contra ou favor de determinados países movida por um sentimento clubista, de torcedor de futebol, de demente passional. Não leva em conta o que o país fez, o contexto, a possibilidade de que todos os países errem e acertem. Não. Ela é fã e fã nunca critica nada.

Assim como os fãs de político, os fãs de país também são irracionais, carentes, burros, contraditórios e loucos por uma migalha de pertinência. Botam bandeirinha do país ao lado do seu nome em perfil de rede social e alguns, mais descontrolados, se acham pertencedores ao povo do país em questão.

Muita gente achou que depois das eleições presidenciais a coisa ia melhorar, o povo iria se acalmar e retomar alguma saúde mental. É, não deu. Parece que a compulsão pela dualidade, por escolher lados, por viver em um mundo dividido entre o bem e o mal está só começando. O fã de político era só um primeiro degrau que os desempoderados começaram a galgar.

Falo em “degrau” pois um parece ser um desdobramento do outro. O fato de ser fã de político acaba levando a pessoa a virar fã de país: se seu político de estimação sinalizar que tem que gostar de um país X, a pessoa começa a tietar o país em redes sociais, mesmo que isso contradiga todos os seus princípios e tudo que ela já afirmou até aqui.

Cheguei a essa conclusão depois de ver o que está acontecendo agora com a Rússia e a opinião pública do brasileiro médio. A Rússia está unindo o gado de esquerda e de direita, ambos defendendo a unhas e dentes, pelo simples fato de seus políticos de estimação defenderem o país.

E a crítica não vai só para os bolsonaristas, que até ontem botavam bandeirinha da Ucrânia no nome em redes sociais. A crítica vai para todos. Pessoas que já se posicionaram contra invasão de países, contra regimes autoritários, contra regimes que oprimem o povo, que criminalizam ou vilanizam homossexuais, que cerceiam liberdades individuais, que fraudam eleições e que fazem tantas outras coisas que a Rússia faz, agora estão tietando o país e o Putin.

Estão percebendo como rapidamente as pessoas estão recalculando a rota? Especialmente os patriotas, que antes defendiam a Ucrânia abertamente, compravam briga em redes sociais, chamavam a Rússia de “comunista”. Como Trump se uniu aos russos e o Bolsonaro e a direita em geral lambem as bolas do Trump, todo mundo esqueceu suas convicções e agora temos o curioso fenômeno de patriota de extrema-direita defendendo um país “comunista”. O Brasil, meus amigos, não é para amadores.

Parece que é cada vez mais difícil formar uma opinião. As pessoas gostaram dessa brincadeira de aderir a o que o mestre mandar, sem precisar pensar. O problema é: quando você não pensa, você passa vergonha.

Ninguém tem a baixa autoestima de justificar um afago à Rússia porque o político de estimação mandou, então, quando você apresenta argumentos racionais, postagens antigas da pessoa se posicionando contra o que a Rússia faz e pergunta por qual motivo essa mudança, vem um show de desconexão, contradição e incoerências.

Sabemos que nosso leitor não é assim, mas, apesar disso, queremos reafirmar algumas coisas, pois quando uma maioria repete em uníssono uma mentira, isso acaba contaminando a todos, até mesmo aos inteligentes. Vamos botar alguns pingos nos “is”, para que o gado cossaco não te influencie de forma negativa.

Primeiro a Rússia não é um país democrático. As eleições são fraudadas, o governo é autoritário e mata jogando pela janela ou dando chá envenenado seus opositores. O povo é refém, vive com medo e é severamente punido se ousa falar mal. O país viola sistematicamente os direitos humanos. Pessoas LGBT foram classificadas como um movimento extremista similar a terroristas e a coisa está em um ponto no qual a polícia fiscaliza festas à procura de atividades homossexuais para aplicar punição.

Então, se você defende democracia, liberdade de expressão, direitos individuais, o direito de ter uma orientação sexual que não seja hetero e direitos humanos, é extremamente contraditório defender a Rússia. E aos nervosinhos com a questão de soberania nacional, um lembrete: ninguém pisoteia mais a soberania de outros países do que o Putin.

Não tem como maquiar nem como relativizar. Nessa guerra, a Rússia é um país agressor, que atacou e invadiu o país vizinho. A Ucrânia é um país soberano, democrático, que foi invadido por outro país que tem um claro e declarado projeto expansionista, se sentindo no direito de tomar todos os que estão à sua volta para tentar reconstruir um império que ruiu faz décadas.

Não dá para relativizar isso. Você pode dizer que a Ucrânia fez isso, fez aquilo, mas um país democrático não resolve seus conflitos assim. A Rússia não é um país democrático. A Rússia é um país agressor. E se você acha que ficar defendendo a Rússia para ganhar biscoito é válido, pense duas vezes.

Não é bom, legal ou seguro para o mundo viver em um contexto no qual um ditador pode acordar, decidir tomar na mão grande o país vizinho e ficar impune com isso. Não é só sobre os ucranianos, é sobre o que isso representa para o mundo. Um mundo no qual isso é tolerado, permitido ou incentivado é um mundo ruim para todos nós. E um dia isso pode chegar até você.

Vale lembrar que por muito menos do que isso, os políticos que coordenam o gado brasileiro fazem um escândalo, considerando inaceitável. Seja a “ameaça comunista” seja a “ameaça golpista da extrema-direita”, geram um faniquito sem precedentes. Imagina se fizessem com o Brasil o que a Rússia fez com a Ucrânia.

Também vale lembrar que quando um país quer invadir o outro, sempre pode arrumar um motivo nobre para justificar. “Levar democracia” é o favorito dos EUA. No Brasil, existiriam infinitas desculpas. Poderiam dizer que o país não cuida da causa ambiental e por isso estão invadindo “para preservar a maior floresta do mundo”. Entendem? Desculpa para invadir sempre tem. É por isso que não se considera uma invasão bélica como algo aceitável.

Só imagina se um país vizinho decide invadir o Brasil para retomar um território que décadas atras era seu. O mínimo que diriam é que isso é um absurdo, uma ameaça à soberania nacional, um golpe. Mas, quando a Rússia o faz, como é amigo do amigo, todos calam a boca e relativizam. “Mas veja bem, a Ucrânia fez tal coisa”. Não sejam essa pessoa. Não percam o parâmetro mínimo de civilidade.

É o mesmo raciocínio do nosso Desfavor da Semana sobre devolução dos reféns de Israel: não importa o que a Ucrânia tenha feito, não são coisas da mesma grandeza. Não adianta querer empurrar uma falsa simetria.

O que a Rússia vem fazendo com a Ucrânia é de uma barbárie e um retrocesso que eu só entenderia se a Ucrânia tivesse jogado uma bomba nuclear no vizinho. Então, a menos que a pessoa seja muito burra ou mal-intencionada, não tem como equiparar ou justificar o que está acontecendo. Mas o fã é sempre burro, e às vezes mal-intencionado também, então, ele justifica, sem ter a menor consciência de como isso pode se voltar contra ele no longo prazo.

Um dos grandes males do brasileiro quando falamos em política internacional, é que ele está protegido pela insignificância. Ele acha que, por estar no cu do mundo e ter zero relevância bélica nunca nada vai chegar nele. Mas isso não é verdade. Atacar o Brasil ninguém vai, mas existem alguns respingos bem desagradáveis que podem cair em vocês, na verdade, em todos nós.

Observem a figura de mundo que está se desenhando. O mundo parece estar se dividindo entre três grandes países com figuras de poder com viés autoritário (China, EUA e Rússia) e as três figuras de poder alinhadas com esse expansionismo violento, bélico, agressivo. Trump dizendo que vai anexar o Canadá e a Groenlândia, China com uma mão em Taiwan e a Rússia querendo reunir a antiga União Soviética ou até mais territórios. Parece a vocês que isso vai terminar bem?

Percebam que a Ucrânia entregou suas armas nucleares com a promessa de receber proteção dos EUA. O que aconteceu? Levou um calote. Quantos países do mundo vocês acham que, agora, entregarão suas armas nucleares? Zero, nenhum. E por mais que a gente não tenha essa informação fresca na cabeça, graças a muitas décadas de paz, muita gente tem arma nuclear.

“Mas Sally, ninguém tem mais do que EUA e Rússia”. Não precisa ter mais, precisa ter suficiente. A França, por exemplo, tem 300 ogivas, suficientes para dizimarem com a vida por completo em Moscou e São Petesburgo, o que equivale praticamente a aniquilar a Rússia.

“Mas Sally, tá longe, eles que se desentendam”. Não, meu anjo, quando falamos de armas nucleares, nuca está longe. Dependendo da quantidade e do impacto, pode acabar com a vida em todo o planeta. Não estamos dizendo que o mundo vai acabar e que vai acontecer, só estamos dizendo que não é tão tranquilo quanto alguns pensam. Tem muito país se armando até os dentes de forma silenciosa.

A Polônia, por exemplo, está tão na defensiva que e é capaz de peitar a Rússia e fazer um estrago para se defender. A Polônia tem PHD em ser invadida e ela sabe que depois da Ucrânia, pode ser sua vez. Ninguém dá nada pela Polônia, pois ela é pequena e discreta, mas, se a coisa escalar, ela vai surpreender. Então, tomara que não, mas a coisa pode se complicar.

E como isso se relaciona com o fã de país? Em uma situação como essa é hora das pessoas se posicionarem de forma consciente. Ter fãs pelo mundo é um soft power poderoso para um país, mais do que a gente imagina. Quando um povo abraça outro país e começa a se comportar como tiete, isso dá ao seu governante mais poderes e uma autorização implícita para fazer mais coisas. Fica mais fácil cometer abusos. A opinião popular conta, acreditem.

Até mesmo em uma projeção de futuro a opinião popular influencia. Ter fãs espalhados pelo mundo fortalece líderes autoritários e normaliza o autoritarismo. Se figuras autoritárias passam a ser admiradas, veneradas e protegidas de críticas, novas gerações crescem assistindo a esses aplausos e acreditando que essas são as características desejáveis em um líder. O resultado, vocês podem imaginar.

Além disso, político aprende que não precisa nem fingir que tem coerência, que é só recalcular a roda que o gado todo vai com ele, como fizeram os bolsonaristas que hoje defendem a Rússia. Se sente imvencível, invulnerável, capaz de qualquer coisa pois, não importa o que faça, o gado vai apoiá-lo e segui-lo.

Ao longo da história muitos Chefes de Estado deixaram de se aliar com a escória da humanidade para não se queimar com seu país e seu eleitor, apesar dos benefícios pessoais que receberiam. A opinião pública foi uma trava. Se removermos essa trava e o gado apoiar outros países incondicionalmente, não importa as barbaridades que façam, o resultado não vai ser bom.

Eu não acho que esse cenário vá mudar, o ganho secundário de ser fã de político e de país é enorme, principalmente para um povo carente como o brasileiro. Mas acho que na cabeça do nosso leitor este texto pode ressoar e ajudar a manter a sanidade: sem fanatismo, observe, seja imparcial e saiba que está tudo bem elogiar um país em algumas coisa e criticar em outras.

Em resumo, nunca sejam fã de nada ou de ninguém, pois o fã é antes de mais nada um carente infantilóide que projeta em terceiros as realizações que não conseguiu alcançar. Mas, em especial, nunca seja fã nem de país, nem de político, pois eles estão cagando para você. Seu papel é fiscalizá-los, não adorá-los.


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