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Brasil paralelo.

Brasil paralelo.

| Desfavor | | 6 comentários em Brasil paralelo.

A GPX Telecom, provedora de internet com sede em Caucaia (CE), na região metropolitana de Fortaleza, anunciou nesta 5ª feira (20.mar.2025) o encerramento de suas operações após ataques criminosos contra a empresa. Os ataques a provedores de internet em Ceará têm ocorrido desde fevereiro. Uma facção criminosa exige taxas de operadoras para permitir a oferta do serviço e realiza represálias contra as empresas que se recusam a fazer os pagamentos. LINK


O crime manda, o Brasil obedece. Desfavor da Semana.

SALLY

Tempo de leitura: 1 minuto

Resumo da B.A.: frescura de classe média burguesa.

POWERED BY B.A.

Uma empresa provedora de internet decidiu abandonar a prestação de serviços pois se recusou a pagar uma “mensalidade” para ser deixada em paz por uma facção criminosa e, ao não pagar esse suborno, foi atacada diversas vezes, inclusive teve todo seu material de trabalho destruído. No Brasil, o crime impõe regras, extorque dinheiro e viola lei em plena luz do dia sem qualquer medo, receio ou limite.

E a notícia é meramente ilustrativa, pois isso acontece, em maior ou menor escala, em todo o Brasil. “Mas Sally, na minha cidade não acontece”. Ok, talvez na sua cidade o crime organizado ainda não tenha chegado, o Brasil é muito grande. Mas vai chegar, pois, assim como uma empresa, eles funcionam na base da expansão. Vai chegar primeiro na periferia e depois se espalhar. Em algum momento vai chegar em você.

Problema todo país tem, mas o crime mandar dessa forma, a ponto de empresas se verem obrigadas a abandonar a prestação se serviços em uma área metropolitana, não. Quando o crime, entre outras coisas, fecha ruas, fecha lojas, expulsa as pessoas de suas casas, cobra mensalidade e expulsa empresas, existe um problema muito, mas muito grave acontecendo.

A notícia não me chocou, pois 40 anos de Rio de Janeiro, onde isso é mais do que comum. Mas me choca como as pessoas normalizam isso, como se fosse um pequeno detalhe. Mesmo em cidades supostamente seguras, já vimos o que acontece quando criminosos resolve meter moral. Em 2006 o crime promoveu um lockdown em São Paulo no qual até a polícia ficou com medo.

Então, se organizações criminosas hoje não estão exercendo poder a olhos vistos na sua cidade, não quer dizer que não sejam eles quem mande ou que, se quiserem, não possam tomar o poder. A verdade é que se o crime se levantar contra o Estado, ele tem 100% de chances de vencer a polícia.

Seu armamento é melhor, mais moderno e em maior quantidade. Seu efetivo de pessoas também. Eles têm muitas autoridades na palma de suas mãos em função das negociações criminosas que fazem desde a década de 80. E boa parte do povo também está ao seu lado. Quando o Estado falha em atender os seus, sempre surge uma segunda opção.

Então, a discussão já saiu do “o que fazer para reverter isso agora”, pois, agora, não há qualquer condição de nada. Como está, o Estado não consegue vencer essa guerra. Seria preciso um plano, um projeto no longo prazo, muito bem pensado e executado, para mudar essa realidade. E esse projeto implica, entre outras coisas, parar de receber suborno do crime. Vocês acham que vai acontecer? Só se, antes de mais nada, o povo obrigar a que isso aconteça.

Mas o povo está inerte. E aí a gente entra na parte mais complicada do tema. Se as pessoas sabem que isso existe e sabem que não vai mudar, por qual motivo vivem como se nada estivesse acontecendo?

“Mas Sally eu não posso sair do país”. Ok. Durante muito tempo eu também não pude, vem cá, me dá um abraço, sou solidária à sua dor. Mas quando eu estava no Brasil, eu me indignava, reclamava, denunciava. Nunca fingi que nada estava acontecendo. E, por mais que a maioria ainda duvide disso, o povo tem poder.

Não só o povo tem poder, como hoje nem precisa mais ir às ruas. Pressão de rede social já fez diferentes governos recusarem em diferentes medidas ou se apressarem a resolver algumas questões. Então, não poder sair do Brasil eu entendo, mas ficar deitado em berço esplendido fingindo que nada está acontecendo quando tem um instrumento de pressão na palma da sua mão, não.

O que nos leva a outro ponto: o brasileiro está acostumado a ser maltratado. Ser brasileiro é exaustivo, é desesperador, é quase uma comorbidade. O brasileiro gasta toda sua energia em sobreviver, pagar as contas e botar comida na mesa. Se sobrecarregar ele com mais, periga de surtar, deprimir, ter uma crise de síndrome do pânico.

Então, temos a combinação para uma tempestade perfeita: um governo corrupto, um crime organizado e um povo que foi levado à completa exaustão incapaz de reagir, cobrar ou pressionar. Tá ótimo para todo mundo, menos para o povo, que é o lado mais “fraco”, no sentido de ser o lado que vai ter maior dificuldade em reverter esse quadro.

Quando se fala sobre esse assunto normalmente se fala sobre o que o Estado tem que fazer, o que a polícia tem que fazer, o que todo mundo tem que fazer menos o povo. É hora de trocar o foco. O começo da mudança começa com o que o povo tem que fazer. Se o povo não der o start, não adianta traçar os melhores planos, pois eles nunca sairão do papel.

O que O POVO pode fazer para tirar forças do cu e comprar essa briga de pressionar o Poder Público até que essa questão seja resolvida? Não estou perguntando como o povo pode pressionar, estou perguntando como o povo, fodido como está, pode conseguir forças, vontade e disposição para isso. Eu não tenho a resposta, mas acho que é hora de que todos comecemos a pensar sobre.

E, é claro, pressão do povo é só o primeiro passo. Depois é necessária uma estratégia muito complexa para desmontar essa realidade. Mas essa parte eu deixo com o Somir…

SOMIR

Tempo de leitura: 500 anos.

Resumo da B.A.: o autor paulista quer guerra, mas não sabe que é muito mais fácil se matar sem esse monte de regra.

POWERED BY B.A.

Há algum tempo vi a notícia que segundo estimativa da polícia, as facções já começaram a ganhar mais dinheiro com sequestro de serviços às comunidades do que propriamente tráfico de drogas. Pudera: o número de “clientes” é muito maior do que a parcela viciada em uma ou outra substância entorpecente.

E como o Estado tem grandes dificuldades de se fazer presente em boa parte das regiões mais pobres das grandes cidades, o mercado está lá, esperando para ser tomado. De novo temos que falar sobre a combinação nefasta de corrupção e incompetência: parte dos agentes públicos está do lado das facções criminosas, parte não se interessa pelas comunidades mais humildes e o resto quase sempre está com os dois braços amarrados atrás das costas por causa de incapacidade técnica e muitas vezes até intelectual das pessoas eleitas e indicadas para cargos públicos.

O vácuo vai sendo ocupado pelo crime organizado. Que pode até não ser controlado por pessoas lá muito brilhantes, mas é bem mais agressivo com corrupção e incompetência dentro da sua estrutura. Na média, funciona um pouco melhor que o governo, e essa diferença vai acumulando com o passar dos anos e décadas.

E se você olhar para o problema agora, vai perceber uma dura realidade: o tempo de controlar as facções criminosas já foi. Elas cresceram o suficiente para estar num estágio de maturidade institucional que não se desfaz com as ações “normais” da polícia. São um país paralelo dentro do Brasil, e não vai ser meia dúzia de batidas e trocas de tiros que vão derrubar um país.

Se você quer acabar com o país do PCC, do CV e as tantas outras que se espalham pelo território brasileiro, você provavelmente precisa de armas de guerra. Armas e táticas que são usadas para destruir um país, não mais apenas um grupo rebelde. Embora isso possa significar atacar favelas com caças e mísseis à lá Israel, guerras são travadas em vários campos diferentes.

Você usa armas para matar soldados e destruir estruturas físicas do adversário, mas ganhar a guerra passa muito por outros elementos menos bombásticos. Muitas das grandes batalhas da nossa história tinham por objetivo cortar linhas de suprimentos de exércitos adversários. Nem precisava matar ninguém, se conseguissem evitar que chegasse comida, combustível e peças de reposição para o inimigo já tinham vencido.

É por esse ângulo militar que eu vejo erros claros nas promessas populistas de direita e esquerda no combate ao crime organizado: passou do ponto que só assistência social controla, passou do ponto onde cidadãos armados podem fazer diferença. Em algum momento temos que considerar guerra e tudo o que ela traz no pacote. Porque tem que ser guerra se você quer recuperar território controlado por terceiros.

Estruturas bilionárias de negócios ilegais não são campo de assistentes sociais de cabelo colorido ou tiozões do Zap com pistolas inclinadas na cintura pela barriga de chopp. Isso é ilusão de controle que políticos inescrupulosos vendem para cidadãos cada vez mais desesperados. Talvez seja impossível acabar de vez com as facções criminosas, mas com certeza precisamos tomar de volta os territórios.

E para isso, um plano de ação que chacoalha a vida de todo mundo. Que vai mexer no vespeiro e soltar toda a raiva das facções sobre a sociedade civil, que vai passar do ponto e matar inocentes, que vai travar a economia e o funcionamento normal das coisas. Eu não vejo outra alternativa senão converter as facções criminosas em grupos terroristas rebeldes e declarar guerra oficial contra eles. Guerra no sentido de “pausar” as garantias do Estado e instaurar as leis de tempos de guerra.

É claro, você deve estar muito desconfiado dessa alternativa, porque num país bagunçado desses existe o risco de não devolverem o poder ao povo e talvez pior ainda: perderem a guerra. É por isso que eu não estou dizendo que temos que parar o Brasil e começar uma guerra até exterminar as facções criminosas, mas não muda o fato que não existe alternativa real do jeito que as coisas vão. Uma guerra competente poderia resolver, mas não vamos ter competência.

E aí, um problema que também vai se acumulando: o povo acuado começa a escolher entre populistas com promessas de soluções mágicas ou ser cooptado para o Estado paralelo do crime organizado. É do interesse dos bandidos que continuemos elegendo Lulas ou Bolsonaros, porque com gente assim aumentam suas chances de continuar tomando mais e mais espaço de um país corrupto e incompetente.

Para chegarmos na possibilidade de uma guerra que esmague as facções de volta para um tamanho possível de lidar, precisamos cortar o ciclo de eleições de incompetentes orgulhosos da incompetência. O país precisa de um mínimo de capacidade intelectual mesmo para começar a guerra e não a perder de forma vergonhosa. As intervenções militares que já aconteceram no Rio são prova disso: foram os imbecis do “golpe” que as tocaram, e as facções cariocas estão ainda mais fortes depois disso.

As facções alimentam a incompetência, a incompetência alimenta as facções. O ciclo precisa ser quebrado, e eu não vejo como fazer essa quebra pelo lado das facções, não com o Estado que temos agora. Tem que ser pelo povo, tem que ser por melhores políticos que não são burros ou mal-intencionados ao vender a ideia de que basta mais bolsa-família ou imbecil armado para resolver isso. Não é à toa que as facções entraram de vez no “mercado” dos serviços para a população mais ou menos ao mesmo tempo que a polarização se instaurou. Porque foi justamente aí que o Estado terminou de se descoordenar.

Votar em Lula e Bolsonaro é votar no PCC e no CV, mesmo que indiretamente. Eles se alimentam uns dos outros, e quanto mais o brasileiro médio enxerga essa dicotomia entre bem e mal de político sem projeto real, menos se capacita para vencer uma guerra contra uma força invasora. Não é que as facções estão fazendo esses cálculos, nem precisam, basta sentir o ambiente e reagir.

O desfavor é que eu só enxergo uma guerra para resolver o problema, mas como as coisas vão, o país não só não consegue vencer a guerra como fica menos e menos capaz a cada dia que passa. Já é difícil vencer batalhas com um exército unido, imagina só com ele polarizado? Os bandidos estão cada vez mais unidos e agradecem a autossabotagem de quem poderia lutar contra eles.


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