Mês passado terminamos o sofrido Deuteronômio, um mix de repetições e contagens desinteressantes. Hoje entramos no livro Josué e tudo indica que as coisas vão começar a melhorar. Não no que diz respeito ao nível, pois a Bíblia é isso aí mesmo, violência, baixaria e punição, mas no que diz respeito à fluidez da história. É uma grande história? Não, é uma história medíocre. Mas ao menos é uma história.

Tempo de leitura: 40 anos

Resumo da B.A.: o texto mostra como Deus combateu os comunistas.

POWERED BY B.A.

Após a morte de Moisés, seu ajudante Josué foi escolhido para ficar no seu lugar. Pelo povo? Claro que não, já que o próprio Deus sempre fez questão de deixar claro que o povo é idiota. E errado não tá. Foi o próprio Deus, O Senhor, quem escolheu Josué. Como sempre, manteve o mesmo esquema de barganha: seja fiel a Deus e você terá tudo, não faça o que Deus quer e você vai se lascar inteiro.

Josué assumiu seu novo posto e, por ordem de Deus, avisou a todos que em breve entrariam na terra prometida. Para isso, teriam que cruzar um rio chamado rio Jordão. Mulheres, crianças, gado e outros animais inferiores ficariam esperando, enquanto os homens cruzariam o rio e começariam a batalha. Sim, a batalha. Infelizmente a terra prometida estava ocupada e seria preciso alguma dose de porrada para que os israelitas pudessem tomá-la.

Taí um conceito fascinante. Deus te promete uma terra, faz você vagar por 40 anos no deserto e quando você finalmente chega nela, ainda tem que tomar na base de cacete de outras pessoas. Nessas horas não tem dilúvio, né? O ser humano que lute. Achei uma promessa enganosa. Mas eu posso achar isso sem que caia um raio na minha cabeça e me mate, os israelitas, nem tanto.

Mesmo amparado por um ser poderoso que tudo sabe, tudo vê e tudo pode, Josué mandou espiões para as terras que pretendia atacar. Na hora de punir Deus é super eficaz, na hora de compartilhar informação, infelizmente, parece que deixa a desejar.

Os espiões se hospedaram na casa de uma prostituta chamada Raabe e acabaram sendo descobertos pelos moradores da cidade. O rei mandou soldados para prendê-los, mas Raabe decidiu não entregá-los.

Raabe havia escutado histórias sobre os feitos do Deus dos Israelitas e achou que não seria no seu melhor interesse comprar brigas com esse Deus. Então, ela fez um acordo com os espiões: ela os acobertaria e, em troca, quando os israelitas invadissem a cidade, não matariam nem a ela nem à sua família.

Para isso combinaram um código: Raabe levaria toda a família para sua casa e amarraria um cordão vermelho na janela, assim, os israelitas saberiam que não deveriam atacar aquela casa. Com esse combinado, eles conseguiram se esconder e retornar em segurança ao acampamento, com as informações que precisavam.

Agora, com todas as informações necessárias, os israelitas já podiam atacar. Começariam pela região de Canaã, mais precisamente pela cidade de Jericó.

A estratégia era a seguinte: os sacerdotes levitas iriam na frente com a arca e eles guiariam o melhor caminho. Todo mundo deveria seguir a arca, porém, sem se aproximar. Seria preciso manter uma distância de pelo menos um quilômetro da arca. Parece que não tinha ninguém míope entre os israelitas, se fosse eu, certamente teria me perdido.

Os sacerdotes guiaram a todos até a margem do rio Jordão e quando colocaram seus pés na água, a água do rio parou de correr, até que o pedaço no qual eles estavam secou. Assim, os israelitas puderam atravessar o rio sem se molhar.

O truque é repetido, eu esperava mais de Deus, algo novo, tipo levitação. Mas pelo visto o forte é trabalhar com água mesmo. Depois que todo mundo passou a água voltou a correr novamente.

Esses efeitos especiais que O Senhor, Deus, disponibilizou geraram algum receio nas pessoas que estavam do outro lado do rio, na cidade de Jericó. Já existia uma certa fama sobre o que esse Deus podia fazer, e agora aquelas pessoas tinham uma comprovação disso diante dos seus olhos.

Não deve ser muito agradável perceber que você vai ter que cair na porrada com pessoas que tem esse tipo de contatos. É como bater no filho do Alexandre de Moraes. A reação foi a que qualquer um de nós teria: fechar os portões da cidade e se esconder no mais profundo cagaço.

Josué perguntou ao Senhor como fariam para tomar essa cidade, protegida por muralhas tão altas. O Senhor mandou fazer um ritual meio patético, de ficar marchando em volta da cidade, carregando a arca de um lado para o outro. O ponto alto, depois de todo o ritual, foi mandar o povo berrar e, quando o povo gritou, a muralha caiu.

Pensa num cagaço ainda maior: pessoas que derrubam sua muralha aos berros. Sindel do Mortal Kombat, ao vivo e a cores na sua fronteira. Os israelitas não tiveram muita dificuldade em tomar a cidade, pois os moradores estavam duplamente apavorados: uma por ver o rio Jordão se abrir, outra por ver sua muralha cair.

A primeira providência foi matar todos os moradores da cidade: homens, mulheres, crianças, idosos… todo mundo. Porém, cumpriram sua palavra poupando Raabe e sua família.

Sobre os bens e construções regra era clara: a cidade deveria ser destruída, bem como tudo que estava nela, como uma oferenda a Deus. Ninguém poderia pegar para si absolutamente nada, pois se o fizesse, estaria tirando uma oferenda do Senhor. Era praticamente o mesmo que roubar a Deus.

Mas, sempre tem um Faz Merdinha. Mesmo após décadas de pessoas descumprindo as ordens do Senhor e terminando das piores formas possíveis, enfrentando dor, doença, sofrimento e danação, sempre tem um Faz Merdinha que não obedece. Nesse caso, o Faz Merdinha se chamava Acã.

Acã desobedeceu as ordens e, na encolha, pegou alguns objetos que encontrou em uma das casas para si. E Deus não gostou nada disso. O assunto foi debatido de forma madura e construtiva? Claro que não. Deus partiu logo para o castigo. E sem aviso.

Josué, muito confiante, pois estavam vencendo todas as batalhas, enviou homens para tomar as cidades vizinhas e os israelitas, que até aqui estavam invictos, tomaram um pau de forma inesperada. Quem não morreu na hora voltou catando cavaco e foram sendo mortos no caminho de volta.

Josué, ao ver o que estava acontecendo, “rasgou as roupas e se jogou no chão, com o rosto na terra”. Depois, jogou terra na própria cabeça, que, ao que tudo indica, era um sinal de tristeza, ao berros, chamando por Deus.

Achei fascinante, um povo cheio de frescura com limpeza, com higiene, com essa coisa de ficar impuro se soltar um peido, externar sua tristeza esfregando a cara no chão imundo e depois pegar terra imunda e jogar na sua cabeça. Não tinha vermífugo na época, imagina como era a fauna intestinal desse povo. Oxiúros dançando macarena, tênias do tamanho de uma jiboia.

O Senhor, em completo estado de impaciência, ao ver o faniquito de Josué, foi falar com ele e o diálogo já começou com “Levante-se! Por que é que você está aí desse jeito, com a cara no chão?”. Curto muito um Deus que não tolera birra de gritar e se jogar no chão. Achei didático.

Deus explicou que estavam levando um pau por um motivo: teve gente descumprindo as ordens e pegando alguns bens para si, em vez de destruir tudo, conforme combinado. Disse que enquanto essas coisas não fossem destruídas, mais precisamente queimadas, eles iam continuar levando um pau do inimigo e morrendo feito moscas.

E, pela ousadia de desafiar o Senhor, para reverter essa derrota pedagógica, não bastaria apenas encontrar os objetos surrupiados e queimá-los. Tinha que queimar também a pessoa que ficou com eles, toda sua família e todos os objetos que eles possuíam. A família da pessoa tinha culpa? Não. Foda-se? Sim.

Deus mandou reunir todo mundo e ele apontaria quem foi o Faz Merdinha que pegou o que não deveria.

Não demorou muito para chegarem em Acã, que confessou seu erro, indicando onde estavam as coisas que havia escondido. O povo não ficou muito feliz com a merdinha que Acã fez se encarregaram de matar a ele a sua família a pedradas e depois tacar fogo em tudo o que eles possuíam, inclusive os animais.

O evento foi tão feio que o local no qual ele se deu ficou conhecido como Vale da Desgraça. Bastou para que as pessoas aprendam a lição de nunca desrespeitar as regras impostas por Deus? Claro que não, ainda fariam um monte de merdas no futuro, o que também me fascina muito.

Uma vez eu vi o cachorro de uma amiga minha quebrar o crânio de uma vaca com a mandíbula. Desse dia em diante eu passei a tratar o cachorro com a maior reverência e respeito possíveis. Imagina se eu visse algo ou alguém abrindo as águas, materializando pragas e fazendo todos os atos de sadismo que Deus, O Senhor, já havia realizado… jamais contrariaria.

Vendo um erro ser punido com a morte brutal e dolorosa do culpado e dezenas de inocentes que morreram como dano colateral, Deus, O Senhor, ficou feliz novamente e voltou a ajudar os israelitas, que continuaram em sua jornada para tomar outras cidades no entorno, até possuir toda a terra prometida.

Obviamente não poderia faltar prepúcio. Em algum momento nessa história Deus mandou que Josué faça uma cerimônia de circuncisão no povo. Tipo mutirão mesmo, um grande evento de circuncisão coletiva. Mais pinto, mais calça arriada, mais genitálias aos milhões.

Não era uma recircuncisão, israelita não é africano, não tem margem para dois cortes, era a primeira circuncisão dessas pessoas, que não havia sido realizada por motivos de 40 anos vagando no deserto: as crianças cresceram e não passaram pelo ritual. Lá foi Josué passar a mão em milhões de rolas, cortar prepúcio com faca de pedra e sem anestesia.

Outra medida que me pareceu impopular foi Deus cortar o Maná, o alimento que caía do céu, uma espécie de Bolsa Família do Senhor. Ao que tudo indica, por terem chegado a uma terra boa e produtiva, o auxílio divino foi suspenso. Francamente, o povo estava em guerra, não havia tempo, espaço ou clima para cultivar a terra. Nem Lula tomaria uma medida tão desastrosa.

Mas o povo não tinha opção. Nesse relacionamento tóxico que se convencionou chamar de fé, aquele que tentava romper a relação acabava sofrendo uma morte horrível. Lá foram os israelitas, pinto cortado, alimetação suspensa, tentar tomar as cidades que faltavam…

Nomes bíblicos citados neste trecho, que ficam como sugestão de futuros nomes para pets: Josué, Calebe, Raabe, Eleazar, Fineias, Adoni-Zedeque, Jabim, Horão, Jafia, Debir. Nossa sugestão hoje é Calebe, para qualquer cão, pois o nome vem do hebraico “kelev”, palavra que significa “cachorro”.

Nos vemos no mês que vem.