Skip to main content
Abominação alimentar.

Abominação alimentar.

| Desfavor | | 20 comentários em Abominação alimentar.

Pouca gente pensa em “brasileira” após a palavra culinária nesse mundo. Sally e Somir concordam que não é à toa, mas não exatamente sobre o que dá errado na receita. Os impopulares colocam seu tempero.

Tema de hoje: em matéria de comida, qual a maior abominação cometida pelo brasileiro?

SOMIR

Tempo de leitura: 1 segundo

Resumo da B.A.: estão querendo tirar o açúcar da sua comida, são os petistas te forçando a ser como os comunistas que não tem o que comer, morte aos vermelhos!

POWERED BY B.A.

Excesso de açúcar. O brasileiro parece eternamente preso no seu paladar infantil quando falamos de doces em geral. Praticamente toda sobremesa é um monte de açúcar com traços de outros ingredientes.

Ao contrário da Sally, eu não tenho respeito por outras culturas, nem pela minha. Toda e qualquer insanidade que o brasileiro faz com comidas de outros países eu acho tolerável, e muitas vezes até engraçado. Cultura foi feita para ser compartilhada, remixada e eventualmente até ofendida. Um pouco de bagunça e desrespeito mantém o cenário cultural arejado.

Até por isso não tenho problemas em criticar a cultura brasileira de doses cavalares de açúcar como única alternativa possível para experimentar um doce. Eu sei que é cultural, eu sei que vem do fato de pegarmos um mix dos piores hábitos europeus da Idade Média com uma abundância de açúcar da nossa produção nacional, mas que se exploda: é objetivamente um péssimo hábito.

Primeiro pelo ângulo de saúde, porque com certeza você deve controlar quanto açúcar entra no seu corpo, é um dos maiores venenos conhecidos em grandes quantidades. Eu nem sou daqueles que diz que é para cortar de vez, é só saber que qualquer brigadeiro que brasileiro come tem açúcar suficiente para manter uma população de refugiados viva por semanas.

E segundo pelo ângulo do sabor. Doce é um dos gostos que vem direto da língua, zero complexidade. Ou é doce ou não é doce. A intensidade desse sabor não precisa ser tão grande assim para gerar aqueles sentimentos de felicidade primais, se você se controlar um pouco que seja, rapidamente o cérebro se adapta e começa a derivar muito mais prazer de muito menos açúcar. Ele só precisa saber que está lá para te dar a alegria do doce.

O prazer do doce e das porcarias em geral não está tão ligado assim à quantidade de açúcares e gorduras, e sim no reconhecimento desses ingredientes. Evoluímos para valorizar essas fontes de energia poderosas, mas não tem nada escrito no nosso DNA dizendo que precisa ser uma colher de sopa de açúcar para cada molécula de outros ingredientes, por exemplo. Podemos fazer muito mais com muito menos.

É por isso que eu falo da abominação do açúcar na culinária brasileira. Não só é ruim para a saúde como é um desperdício. Quantidades colossais de açúcar mascaram outros gostos e deixam tudo com mais ou menos as mesmas características, come-se um monte de coisas diferentes com o mesmo gosto enjoativo.

É lugar comum que estrangeiros achem o brigadeiro, essa instituição culinária nacional, um treco sem graça. Claro, é gostoso comer coisas doces, mas é uma massa gordurosa doce com cor de chocolate. Eu já falei de chocolate outras vezes aqui e repito: o que o brasileiro come é chocolate branco pintado. Se sentirem gosto de cacau, provavelmente cospem com medo de estarem comendo veneno.

Isso vale para vários outros elementos como a baunilha, limão, nozes… nada tem gosto do que deveria se basear, é açúcar, açúcar e mais açúcar com uma fantasia carnavalesca de outros sabores. E uma daquelas fantasias de papel que dissolvem até com suor. O brasileiro se acostumou a comer açúcar e basicamente toda a indústria se adaptou.

Eu ainda lembro do torrone que comi vindo diretamente da Itália: era uma fina massa açucarada que unia avelãs torradas inteiras. O doce era 90% avelãs e 10% açúcar. Nunca comi outro melhor. Sem comparação com qualquer coisa que você acha por aqui. Tem sabor de alguma coisa, mas doce. Não sabor doce puro. O brasileiro só compra brigadeiro com outros nomes, qualquer coisa diferente encalha na prateleira.

Se você acha que eu estou exagerando, compre qualquer doce no supermercado, experimente, tome um pouco de água para lavar a boca e coma um pouco de açúcar puro depois. Você vai perceber como não muda muito. Você está perdendo um monte de sabores diferentes por causa dessa mania nacional de cultivar diabetes.

Não precisa sair comendo chocolate cacau 90%, porque realmente é bem forte para o gosto médio. É produto de nicho mesmo. Mas entre o chocolate ao leite e os com pelo menos uns 50%, a diferença de sabor é gritante. É outra coisa, é sair da Matrix e perceber que quase tudo o que se come de doce no Brasil é brigadeiro com cores e formatos diferentes.

Outros países têm seus produtos exagerados no açúcar. Os argentinos adoram seu doce de leite, e pode ser bem enjoativo se você não misturar com mais nada. Mas quando eles colocam dentro de um alfajor com cobertura de chocolate, por exemplo, o que está ao redor do doce de leite não é tão ou mais doce que o recheio! Era para ser algo óbvio, mas parece que a ficha não cai aqui: se tudo é doce demais, tudo tem o mesmo gosto.

Sabores diferentes são captados pelo nariz, a língua só cuida dos básicos. Se você faz doce só para a língua, perde toda a complexidade de sabores que um sentido inteiro pode te proporcionar. E não, adicionar Leite Ninho e Nutella em tudo não traz de volta esses sabores diferentes, é só mais uma variação de brigadeiro, ainda é aquele murro de açúcar direto no seu cérebro.

Eu sei que tem um lance meio Maria Antonieta e “comam brioches” no meu texto, afinal, açúcar é barato e as outras coisas que eu estou defendendo não. Mas a própria ideia de que você precisa comer um balde de doce para ficar satisfeito é resultado dessa distorção brasileira. Focamos em volume porque na verdade não tem nada muito interessante para saborear.

Algo mais contido ajuda a mente a valorizar mais o que está no doce. Você não precisa de um pote inteiro de um doce bem feito, um pouco já te deixa bem satisfeito, porque dá mais coisas para o cérebro fazer ao misturar os sabores da língua e do nariz numa experiência mais complexa.

A pessoa come quantidades industriais de doce porque não tem muito o que fazer na cabeça com as porcarias que se come por aqui. Eu não me dôo por pizza de sushi, é só não comer. Mas quando o mercado todo é viciado em açúcar, você fica sem opções no cotidiano. É brigadeiro ou cozinhar sozinho o seu doce. Um saco.

SALLY

Tempo de leitura: 20 minutos

Resumo da B.A.: comida de outros países é nojenta

POWERED BY B.A.

Qual é a maior abominação praticada pelo brasileiro em matéria de comida?

São muitas, mas, na minha opinião, a pior de todas é a atrocidade que o brasileiro faz com a comida estrangeira. Isso é imperdoável.

Eu sei que o brasileiro não tem sutileza de paladar. Eu mesma fiz um texto aqui contando como as principais marcas tiveram que mudar a composição dos seus produtos para se adaptar ao paladar bizarro do brasileiro. Entendo que a comida de outros países não seja palatável para essas pessoas.

Sendo assim, existem dois caminhos: descaracterizar completamente essa comida e colocar um nome novo ou simplesmente não consumir.

O que não é um caminho: colocar maionese no sushi, colocar ketchup na pizza e no macarrão e todas as outras abominações que o brasileiro faz. E antes que falem que estou sendo muito sensível, lembrem-se de que o brasileiro é o primeiro a se ofender quando gringo mexe ou deturpa sua preciosa cultura.

A cultura é um patrimônio de um povo. Não à toa artes, alimentos e costumes são tombados como patrimônio imaterial. É algo que de alguma forma representa aquele povo. Preservar essas tradições é respeitar a cultura daquele povo.

“Mas Sally, o povo do país que preserve sua cultura”. Complicado. Quando seu país tem um décimo dos habitantes do Brasil, fica bem difícil que a versão original prevaleça, já que tem dez vezes mais pessoas fazendo de outro jeito e mantendo o nome original. Um país populoso pode tranquilamente tratorar a cultura de um país pequeno.

Quer chamar de sushi? Faz de acordo com as regras do que é um sushi. Quer fazer diferente? Então usa outro nome. Mas não, o brasileiro quer pegar o hype do nome e fazer do seu jeito. A maioria acha isso normal, eu acho uma abominação. É usar o nome de uma marca que já existe e já é um sucesso para vender o seu produto, que não tem nada a ver com o produto original. Na minha cabeça, é uma espécie de golpe.

Fora que é ruim até mesmo para o consumidor brasileiro. Quando um restaurante diz que serve sushi, pode ser desde sushi de verdade até todas as derivações mais absurdas, tipo Jatopeia (se não sabe o que é, dá um Google). Nunca se sabe o que esperar: salmão e atum verdadeiros ou um pedaço de salsicha enrolado em arroz.

A padronização de pratos existe por um motivo: para que a pessoa saiba o que vai receber quando pede. Se você pede feijoada e chega um caldo de legumes com peixe, não é feijoada. “Ah, mas a nossa feijoada é assim”. Quer servir caldo de legumes com peixe? Vá em frente, mas coloque outro nome, se não, você está vendendo gato por lebre.

É uma arrogância pegar algo consolidado por décadas, às vezes séculos, mudar e manter o nome original. Chega a ser enganoso. Tem maionese? Não é sushi. Tem salsicha? Não é sushi. Dependendo do grau de desvirtuamento, pode até ser uma versão, uma releitura, mas não deve ser anunciado como o original.

Agora indo além da questão ética, me chama a atenção como o brasileiro é criancinha quando falamos de comida. Não me lembro de nenhum outro país no qual as pessoas sejam tão limitadas. Precisa arrombar pratos de outros países para o brasileiro comer, porque ele não sabe lidar com paladares, texturas e sabores diferentes. Tem que ser mais do mesmo. É muito medíocre.

O brasileiro é aquele que vai em outro país e fica procurando restaurante brasileiro para comer. Ou Mc Donald´s. Ou qualquer sabor conhecido. Não é capaz de experimentar ou gostar de coisas novas. Vive imerso na sua bolha alimentar e recusa tudo que sai dela. É realmente uma pena. Extremamente limitador.

“Quer dizer que a pessoa não tem o direito de não gostar de uma comida?”. Não, Pessoa Quer Dizer, não é isso. Só acho um pouco sintomático que, dentre dezenas ou centenas de pratos de um país, a pessoa não goste de absolutamente nenhum e precise ir a um Mc Donalds.

Se for por higiene, ok. Se você está na Índia, em Portugal ou qualquer outro lugar que recicla e serve comida do dia anterior, eu te apoio. Mas dizer que não gosta de nenhum dos pratos daquela cultura é uma red flag. Não pode ser que as pessoas só queiram estímulos conhecidos. Bora crescer, gente.

Enquanto essa mentalidade predominar, qualquer culinária de outros países trazida ao Brasil será descaracterizada. Vão meter molhos enjoativos, vão meter gordura, fritura, ingrediente brasileiro e toneladas de açúcar. O que se serve é apenas um cosplay do original, que não ensina diversidade de sabores, temperos e texturas e ainda defeca por cima da cultura de outros países.

Apenas parem.


Comments (20)

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado.

Relatório de erros de ortografia

O texto a seguir será enviado para nossos editores: