
Jornalismo de mentira.
| Somir | Flertando com o desastre | 4 comentários em Jornalismo de mentira.
Hoje é Dia da Mentira aqui na República Impopular do Desfavor, e o que começou como uma singela homenagem à toda hipocrisia natalina vai se tornando algo cada vez mais abrangente. É notório como o cidadão médio foi perdendo a confiança no jornalismo nas últimas décadas. Pelo menos nas bolhas que eu tenho acesso, o consenso é que a imprensa mente, não importa o alinhamento ideológico da pessoa. E aí, isso é verdade?
Não.
A imprensa não mente porque a imprensa não é coordenada de apenas um ponto. Jornalistas mentem, omitem, manipulam, mas o conceito geral do jornalismo não mudou: relatar fatos. Os fatos não deixaram de ser fatos. Dos profissionais, eu afirmo sem medo de que a maioria absoluta é muito mais confiável do que qualquer outra fonte primária que usamos na era das redes sociais.
Uma jornalista fã do Lula é mais confiável falando sobre ele do que o seu amigo que odeia ele na rede social. Sim, eu disse isso. Entre a Miss Piggy da GloboNews e o influencer bolsonarista mais fiel, a probabilidade dela estar falando a verdade sobre o presidente é incrivelmente maior. Porque um dos erros mais absurdos do século XXI é confundir opinião com fato.
Jornalismo profissional não tem relação com o ângulo pelo qual se analisa uma situação, é uma espécie de método científico. Tem regras. Tem lógica interna consistente e resultados previsíveis. O jornalista profissional dentro de uma estrutura especializada ainda erra e pode distorcer suas conclusões, mas como as informações são coletadas e conectadas é muito mais próximo da realidade do que qualquer opinião dada sobre o tema.
Vou além: você pode confiar na gente aqui no Desfavor, nós queremos trazer informações verdadeiras e concordando ou não com nossas visões, somos bem consistentes nessa mais de década e meia; mas não somos imprensa. Sally e eu não temos a estrutura para verificar todas as informações nem uma rede de informantes. Não é nosso emprego fazer jornalismo. Se você vir uma informação na Folha de São Paulo diferente de uma informação que eu disse, é mais razoável acreditar neles do que acreditar em mim.
Não tem a ver com a visão de mundo das partes, tem a ver com a estrutura técnica utilizada ao trazer a informação. E algo extremamente importante que parece que todo mundo esqueceu: se eu falar merda, não dá nada. Eu não sou jornalista, não dependo financeiramente de precisão das informações e a chance de ter repercussões legais por uma informação errada é basicamente nula.
A imprensa profissional está sob uma pressão completamente diferente do Somir que vos escreve e de quase todos os influencers de rede social que você vê por aí. Se a Veja fizer uma acusação falsa contra um político, tem algumas proteções legais da liberdade de imprensa, mas se ficar provado que queimou a largada e foi irresponsável na verificação dos fatos, pode acabar com uma indenização pesada para pagar, em alguns casos mais severos podem até irem presos os responsáveis por produzir e aprovar a matéria.
Se eu ou a maioria dos outros não profissionais fizermos algo do tipo, primeiro que o alcance é muito menor e raramente gera atenção negativa, como também por não ter a presunção de jornalismo, podemos colocar na categoria de opinião e nos livrar de punições legais com mais facilidade.
Não é novidade porque a gente sempre repete isso aqui: não acredite cegamente nem na gente. Tentamos fazer o melhor que podemos e somos livres de qualquer pressão financeira de tomar lados, mas somos falíveis e temos poucas consequências por erros. Se você tem que tomar cuidado com a gente que é otário com orgulho de fazer tudo de graça só pelo amor ao compartilhamento de conhecimento e troca de ideias, imagine só com gente que está tentando ganhar fama e dinheiro na internet?
O influencer da vez pode dizer tudo do jeitinho que você gosta, defender os pontos que você julga mais corretos na “guerra ideológica moderna”, e mesmo assim ele é tecnicamente menos eficiente na exibição de fatos que um jornal ou portal de internet que trabalha profissionalmente com isso. É mecânico, não é ideológico. Não faz sentido como negócio ser imprensa mentirosa.
Imprensa tendenciosa faz. Você pode e deve analisar interesses dos grandes conglomerados de comunicação, porque é na distorção e na omissão que eles manipulam a informação para mexer com a opinião pública. O grande jornal não vai inventar que Lula está vivo quando ele na verdade morreu na sala de operação, ele vai puxar a sardinha para como o presidente está saudável e pronto para mais 10 anos de governo.
O meu argumento aqui é que sim, precisamos da imprensa, essa ideia de terceirizar para a rede social é uma das maiores burrices da história humana, porque sem método científico e técnicas fatos são indiferenciáveis de boatos, e outra: é uma mentira absurda que a imprensa profissional mente. Claro que não, não faz o menor sentido eles mentirem. Mentira é a pior alternativa possível se você quer poder de verdade.
Quem mente na cara dura é canal de YouTube que fala que o Bolsonaro vai ser preso toda semana, é perfil de X que fala sobre como Lula foi substituído por um sósia… e não sei se vocês se tocaram disso: quase todos esse perfis que formam a “imprensa alternativa” são uns fodidos da vida, gente que está se matando para gerar cliques e visualizações para pagar o aluguel.
Quer ganhar dinheiro de verdade? Distorça e omita. É assim que Felipes Netos e Choqueis ganham dinheiro do governo. Se eles fizeram mais do que uma mentirinha sobre não taxarem suas compras chinesas, o PT vai parar de pagar. Eles tem que andar numa fina linha de presunção de factualidade para serem bons alvos de dinheiro público.
E se você quer estar no topo da cadeia alimentar de jornalismo, para receber incentivos e publicidade substanciosa, precisa manter um nível de precisão de fatos altíssimo. A imensa maioria das notícias nos grandes sites e canais de notícias são verdadeiras. As conclusões que os analistas deles tiram dessas notícias variam de acordo com os interesses pessoais e corporativos, mas o cerne da questão ainda é baseado em método jornalístico confiável.
A grande imprensa não mente por definição, ela manipula e omite. E quem cai nessa de achar que é tudo mentira não percebe quando está diante de mentiras deslavadas. A enxurrada de bobagens passando como “imprensa alternativa” nunca foi tão grande. Alternativa a verificar fontes, só se for. O arrombado falando que os alienígenas estão visitando a Terra não é a mesma coisa que o jornalista profissional falando sobre as luzes no céu de uma cidade. Você tem que saber diferenciar essas coisas.
A gente aqui fica puto com a forma como a imprensa lida com alguns temas, mas não ficamos te dizendo que na verdade o fato descrito não aconteceu, porque seria um misto de burrice e arrogância achar que mil jornalistas profissionais se combinariam para mencionar os mesmos fatos nas mesmas ordens para “enganar o povo”.
Estamos vivendo uma crise de versões, mas não de fatos. Os fatos ficaram até melhores, porque quando o jornalismo técnico recebe uma nova informação verificável da rede social, ele complementa a notícia. O que muitos escrotos com fins lucrativos fazem é querer te deixar confuso sobre os fatos expostos na imprensa, justamente para poder entregar uma alternativa preguiçosa baseada em achismo e ganhar os cliques no lugar.
Sempre se pergunte como o meio de comunicação ganha seu dinheiro. Não adianta receber milhões do governo para mentir fatos se você vai perder sua credibilidade de vez e tornar seu negócio inviável. Eles precisam ser eficientes em relatar o que aconteceu para poder colocar o tempero de opinião em cima e ganhar o dinheiro e poder que vem com isso.
Caia nessa de que todo mundo está mentindo e você vai acabar na mão de quem realmente mente. É claro que os meios de comunicação que inventam na cara dura querem que você deixe de acreditar na mídia tradicional: o modelo de negócio de ter uma equipe gigante de profissionais é inviável para eles, a única forma de competir é se você não ligar mais para a realidade. Se o que eu disser tirado da minha cabeça tiver o mesmo peso que uma investigação de várias pessoas com fontes e verificações que demora meses, eu lucro muito mais com os mesmos cliques.
Não seja otário: os mentirosos querem que você acredite que tudo é mentira, porque é assim que eles competem. Isso é muito mais financeiro do que ideológico, havia uma oportunidade de disputar mercado com o jornalismo profissional depois da popularização das redes sociais, e muita gente pegou. Você vai ser esmagado se tentar competir pelos fatos, mas vai encarar de igual para igual se puder inventar tudo o que quiser e passar como notícia.
Dependemos de jornalismo, e o jornalismo verdadeiro não acabou, só está sendo soterrado pelo volume de golpistas entrando no mercado. O cidadão médio (brasileiro e mundial) normalmente não tem defesa nem contra terraplanismo por ter ignorado anos de escola, isso quando frequentou. Mas o medo de ser enganado foi enfiado na cabeça dele de tal forma que ele criou uma defesa psicológica de confiança plena na sua capacidade de intuir o que é verdade ou não.
E esse cidadão médio projetou isso para toda a imprensa: se ele intuir que é mentira do jornalista, é mentira e pronto. Se um aleatório no YouTube fizer um vídeo dizendo que Lula é reptiliano e ele intuir que é verdade, pronto de novo! A imprensa não ficou mais mentirosa, as pessoas estão sendo expostas a impostores e não sabendo diferenciar. Não é a Globo que está te dizendo que vacina causa autismo. Não é o Estadão falando que o Hamas é um grupo pacífico. São malucos de internet ganhando projeção parecida com imprensa profissional.
E as pessoas aceitaram colocar os dois grupos no mesmo saco. Como se não houvesse diferença entre o que jornalista profissional e o especialista em porra nenhum do X dizem. O caminho mais certeiro para encher a cabeça de mentiras deslavadas é justamente ignorar a imprensa profissional.
Tenha suas opiniões, desconfie de interesses escondidos, não fique preso só numa fonte de notícias, mas, puta que pariu, saiba diferenciar um curioso como eu de alguém que trabalha só com jornalismo e paga caro se mentir na cara dura. A verdade não liga para os seus sentimentos. Pode gostar de mim, eu deixo, mas não pode achar que só porque eu sou legal que eu sou a mesma coisa que uma empresa com centenas de jornalistas que vivem só de fazer isso.
Nem eu nem nenhum outro membro acessório do ciclo de notícias. Opiniões são opiniões, se você souber ler ou ouvir uma opinião sem se obrigar a formar seu senso de realidade de uma só fonte, pode acompanhar a imprensa profissional sem nenhum perigo de ficar desinformado. Porque a base da coisa, o relato do fato, eles fazem direito.
É uma mentira dizer que a imprensa mente. A verdade é que você tem que pensar um pouco antes de absorver informações, dá trabalho mesmo e não tem atalho. E se você não souber nem como a porcaria do mundo funciona nos seus níveis mais básicos, nunca vai saber diferenciar verdade de mentira mesmo…
Para dizer que o sistema me corrompeu, para dizer que é tudo mentira menos o que você acredita, ou mesmo para dizer que até se deprime como tudo acaba no dinheiro: comente.
Puta que pariu…
https://www.instagram.com/gustarech/reel/DEH2Ayzu1zL/
https://www1.folha.uol.com.br/colunas/lucia-guimaraes/2024/12/jornalismo-deveria-aprender-com-produtores-de-conteudo-digitais-diz-estudo.shtml
Não sei se “é quase um espelhamento” nem nas maiores “afinidades” entre Musk e Trump e nem se liberdade de imprensa poderia ser super ofuscada por uma “liberdade da ciência”; do restante foi realmente o que ela propôs.
Talvez a tal Amelia Dimoldenberg “tenha ainda + respostas”, se bem que “celebridades” no mesmo parágrafo…
E esse papo de imprensa alternativa começou a ganhar força de forma mais relevante nos primeiros tempos do lulismo, sendo que tanto um lado (o lulista) quanto o outro (inicialmente ligado ao olavismo e mais recentemente afeito ao bolsonarismo) começaram a marcar a polarização lá daquela época.
Felipe Neto (um influencer que ganhou fama em cima de sua pose de hater nos tempos do Não Faz Sentido e que vem administrando sua posição desde lá) e Choquei (plataforma que marcou espaço inicialmente com junk info antes de descambar para a defesa emburrecida da posição lulista) são personagens menores nisso.
A mídia mainstream vive em torno do dinheiro enquanto que a mídia dita alternativa vive de explorar seu público-alvo de militância ora à direita, ora à esquerda, sendo que dois dos exemplos mais destacados nisso são os think tanks que atendem pelos nomes de Brasil Paralelo e de Instituto Conhecimento Liberta respectivamente.
Ainda que de início tais think tanks tendam a ter um discurso tendendo a pós-verdade, na medida que o tempo passa, o posicionamento tende a ficar mais alinhavado de forma que eventuais inverdades que se apresentam na narrativa tendem a ficar cada vez mais difíceis de se perceber.
E mesmo que você eventualmente perceba, dificilmente você terá condições de colocar um contraponto adequado a tais think tanks, dado que a essa altura eles já estão com o público-alvo bem estabelecido.