Aposta ruim?
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Com a imensa facilidade de acesso e popularidade das apostas esportivas no Brasil, um público que não aparecia tanto está com os holofotes na cabeça: viciados em apostas. Sally e Somir concordam que existem riscos em estar perto de alguém assim, mas não sobre a necessidade de cortar o mal pela raiz. Os impopulares jogam.
Tema de hoje: vício em apostas online é motivo suficiente para terminar um casamento duradouro e sem outros grandes problemas?
SOMIR
Não. E eu nem estou defendendo qualquer santidade do matrimônio, as pessoas têm que poder escolher se querem continuar juntas ou não. Então, quando eu digo que vício em bets não é motivo, eu estou dizendo que não é mais motivo que qualquer outro incômodo ou mesmo capricho da pessoa.
As pessoas não podem ser obrigadas a ficar num casamento, mesmo que visto de fora, os motivos para querer sair sejam fúteis. Quer se separar porque o peito da sua mulher caiu depois de amamentar um filho? Tem que poder. Eu pessoalmente acho escroto? Acho. Mas liberdades tem esse preço colateral de permitir que façam coisas que achamos escrotas.
O ponto aqui não é sobre uma suposta obrigação da pessoa de ficar com alguém viciado em bets, é sobre colocar as coisas em perspectiva e assumir a sua escolha. Vícios podem tornar relações impossíveis, claro, mas não todos. O ser humano tem uma tendência a viciar, e esses vícios chegam em graus muito diferentes.
Uma pessoa que joga videogame uma hora por dia e uma que joga doze podem ser consideradas viciadas do mesmo jeito, dependendo de como reagem quando ficam sem sua dose habitual. Agora, a pessoa que vicia com uma hora por dia e tem ataques eventuais de oito horas tem um problema, mas não um que impeça funcionar em sociedade ou mesmo numa relação.
Vícios tem gradações. Você provavelmente consegue conviver com muita gente que tem níveis menores de descontrole por causa do vício, você provavelmente já convive com gente assim. O que muda muito no foco do vício é o grau de domínio dele sobre a pessoa. No exemplo do videogame, tem gente que morre por não conseguir parar nem para tomar água, mas não é o habitual.
Num exemplo de crack, por exemplo, a derrocada é muito mais rápida e incontornável. O viciado em drogas pesadas tem uma probabilidade muito maior de descer até os porões do comportamento humano, e tem um horrível caminho de volta rumo a qualquer senso de normalidade.
Por isso, se o tema do texto de hoje fosse vício em crack ao invés de vício em bets, eu estaria no mesmo time que a Sally. Você está entrando numa batalha que quase sempre vai ser perdida. Vícios pesados desses raramente estabilizam, e eles costumam te levar para caminhos muito perigosos ao redor do crime. Mas estamos falando de vício em apostas online.
Algo que pode ser mantido sob controle com esforço, e que às vezes pode se estabilizar num perfil de risco tolerável por conta própria. Não é um vício que se impõe sobre o casamento e tira totalmente o poder de escolha do parceiro. Não existe amor maior que um ataque de abstinência de droga pesada, mas existe amor maior que necessidade de apostar em quantos escanteios vão acontecer num jogo da Série D do campeonato brasileiro.
Então, no caso das bets, você tem uma escolha razoável de tentar ajudar a pessoa, ou em casos mais raros, até negligenciar e dar sorte de se equilibrar sozinho. Esse vício não é maior que o seu poder de escolha. Sagrado direito seu não querer nada com quem se vicia nessas coisas, igualmente se você só não quiser o trabalho que essa pessoa vai dar; mas que seja na honestidade: você não quis pegar para você.
E sim, eu sei que existem casos horríveis de quem vende a família para apostar, mas percebam a sutileza: se afastar de malucos nesse nível não é resultado do vício em apostas online, é resultado da ação horrível que a pessoa fez por causa do vício. Você não está saindo de perto de alguém que não se aguenta e aposta, você está saindo de perto de uma pessoa comprovadamente perigosa.
Se as bets fossem devastadoras no nível crack, não teria nem clima para liberar o funcionamento no Brasil ou no resto do mundo. Elas podem causar surtos terríveis em algumas pessoas, mas não é a regra. Eu sou contra as bets porque acho que é ralo de dinheiro que mira desproporcionalmente nos mais pobres e não poderia ser distinto de jogo de azar para as pessoas mais desassistidas, mas não porque é a pior praga para a humanidade ou algo parecido. É um investimento ruim vendido como bom.
A maioria das pessoas que se viciam em bets não se tornam monstros que vão destruir toda a família, existe um bom período em que ainda dá para salvar a pessoa, e mesmo que não salve, na média o ser humano realmente é obrigado a parar e desintoxicar depois de um tempo. Se você quiser comprar essa briga, é possível. Não é certeza, você realmente pode perder e a pessoa descambar de vez para o vício, mas ainda existe alguma expectativa de solução em muitos casos.
A diferença fundamental entre eu e a Sally aqui não é que eu sempre toleraria uma pessoa viciada em apostas online, é que eu não acho que esse vício conta como força maior da mesma forma que outros vícios como os em drogas pesadas. Salvo alguma prova de que a pessoa está realmente perdida e prova isso, ainda chamo de força menor, algo que você escolhe se quer encarar ou não.
Eu não sei o quanto eu encararia, talvez pulasse fora logo, mas sempre sabendo que eu escolhi não comprar a briga. Escolher suas batalhas é essencial numa vida finita, mas quando escolher algo… saiba que escolheu. Isso evita sofrimento futuro. Vício em bets é algo negativo numa pessoa, mas vale a pena analisar o tamanho do problema real antes de tomar uma decisão.
Para dizer que eu estou sendo pago pelas bets, para dizer que aposta todo dia e nunca viciou, ou mesmo para dizer que viciado não tem palavra: comente.
SALLY
Vício em bet (apostas online no geral) é motivo suficiente para romper com um casamento duradouro e que, até então foi feliz, com uma pessoa que você ama?
Sim, é motivo. Não é obrigatório, entendo quem não o faz, mas super entendo quem o faz, é um motivo mais do que válido. Eu inclusive encorajaria uma pessoa a se separar de um parceiro(a) viciado em bets.
Um vício não é algo que a pessoa escolha, é bioquímica cerebral. Uma vez startado, ele é para sempre. Se a pessoa voltará ou não a apostar, depende da sua força de vontade, estrutura psíquica e de uma série de outros fatores, mas o vício estará sempre lá.
E esse é o problema: o estar sempre lá. Todos nós, em alguns momentos da vida, passaremos por situações de vulnerabilidade, estresse ou outras emoções que nos desequilibram – e cada um de nós vai ter uma válvula de escape. Alguns vão comer mais, outros vão ter insônia e outros vão apostar até perder a casa. Não é legal viver com esse fantasma rondando a sua vida.
Eu filtro meus parceiros pensando no quão ruim a coisa fica se der tudo errado, pois na vida dá tudo errado um monte de vezes. Se der tudo errado a pessoa vai comer demais e engordar? Tá tudo certo, eu posso lidar com isso. Se der tudo errado a pessoa vai recair para drogas? Vai beber até cair? Vai apostar as economias da família? Desculpa, mas aí não dá.
E, não se engane, um viciado não tem controle, uma vez que recai no vício. Assim como um viciado em cocaína quando recai não usa só um pouquinho e está bem no dia seguinte, um viciado em apostas não aposta apenas o que tem no bolso. É uma compulsão. Estamos falando de uma doença. A pessoa pega empréstimo, aposta a casa onde a família mora, aposta o dinheiro da comida dos filhos.
Não dá para construir meu futuro com essa incerteza. Por melhor que a pessoa esteja hoje, a possibilidade de recaída me assombraria. E a maioria esmagadora dos viciados recai ao menos algumas vezes na vida. Qualquer vício. Por qual motivo eu vou presumir uma exceção quando todos sabemos que é muito, mas muito mais provável que aconteça a regra?
Não é só o patrimônio do apostador. É o patrimônio da família, é o que estiver ao alcance dele. Talvez vocês nunca tenham convivido com um viciado para saber o grau de descontrole. Assim como o drogado vai na casa dos pais e rouba a TV para subir o morro com ela nas costas e trocar por droga, o viciado em apostas também cruza todas as linhas éticas, morais e patrimoniais. Repito: é uma doença, a pessoa perde o controle.
E no caso das bets, é muito mais fácil recair, pois se pode apostar a qualquer momento, do seu celular, em qualquer lugar. As chances de recair são enormes, inclusive pela facilidade. Então, se você quer ser realista, tem que trabalhar com a hipótese mais provável, que é a da pessoa recair algumas vezes e, quando ela recair, comprometer todo o patrimônio da família. Repito: viciado não tem noção, medo ou ética. É uma doença.
“Mas Sally, é só não deixar nenhum bem no nome dele”. Meu anjo, você nunca conviveu com viciado. Viciado pega coisas suas, o que for, eletrônicos que são ferramenta de trabalho, joias da família, até roupa e vende ou troca para sustentar o vício. Tem como se prevenir disso? Tem. Mas… jura que você acha que dá para ter uma relação saudável com alguém que te obriga a trancar tudo com cadeado pois a qualquer momento pode ter uma recaída e vender os seus pertences?
Conheço um caso de uma mulher, advogada, que tomou todas as providências para que o marido, pai dos seus filhos, viciado em bets, não pudesse dilapidar o patrimônio da família. Colocou tudo de valor em uma caixa-forte no banco, bloqueou contas bancárias, interditou o sujeito judicialmente. O que ele fez? Pegou dinheiro emprestado com agiota para apostar. E, ao não poder pagar, o agiota ameaçou ir à sua casa matar seus filhos. A mulher teve que pagar, para que seus filhos não sejam executados. Tirando o vício, ele é um amor, uma ótima pessoa, mas quebrou a família.
Eu encaro como uma doença mental. Uma doença mental para a qual não existe cura. Uma doença mental que tem um custo altíssimo, na qual as probabilidades estão contra você. Construir e manter uma relação (se fizer de forma decente) dá muito trabalho, é muito investimento emocional, eu não vou colocar tanta dedicação em algo cujas probabilidades estão contra mim e que, no final das contas, ainda pode me deixar pobre.
Eu não estou dizendo que seja fácil, nem que seja tranquilo, que eu descartaria a pessoa como uma fralda suja. Certamente seria muito sofrido terminar tudo com alguém que ainda amo e eu tentaria dar todo o suporte, porém ficar nessa situação me parece mais sofrido ainda. Quando a gente termina, sofre por um tempo, sente falta da pessoa por um tempo, depois passa. Quando você fica com um viciado o sofrimento está sempre presente, se não dele fazendo merda, do medo dele fazer merda.
A pessoa não tem culpa de ser viciada? Menos ainda tenho eu. Uma doença que arruína minha vida, que joga fora tudo que eu conquistei trabalhando duro a vida toda, eu não encaro. Não é exigível pedir isso de alguém. Por sinal, uma pessoa que te coloca nessa situação, se te amasse, se afastaria voluntariamente, para te poupar, para não te levar para o buraco junto com ela. Só da pessoa viciada querer persistir na relação já me parece uma red flag.
E, vamos combinar, ninguém nasce viciado, a pessoa decide, por vontade própria, experimentar algo que sabidamente pode viciar. Play stupid games, win stupid prizes. Não é como se uma fatalidade como um câncer se abatesse randomicamente na vida da pessoa. Houve um momento de escolha. E a pessoa escolheu mal pra caralho. E escolher mal pra caralho tem consequências.
Chega desse romantismo de acreditar que se existe amor então tem que continuar junto. Se não houver confiança, respeito e admiração sua vida vira um inferno, mesmo com todo o amor do mundo. Existem 8 bilhões de pessoa no planeta, fiquem tranquilos, vocês vão encontrar outras pessoas que amem e que não sejam viciadas, nas quais você possa confiar.
Para dizer que Somir é mulherzinha romântica do blog, para dizer que eu sou uma desalmada ou ainda para dizer que não atura nem que o outro ronque muito menos isso: comente.
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- apostas | relacionamentos | término | vícios
Vício em bets não é aceitável nos meus relacionamentos, e na verdade acho que o melhor a se fazer é nunca nem mexer com isso. Para que você vai se meter com algo dispensável, caro, prejudicial e com potencial para viciar? Tem tanta coisa mais inofensiva pra canalizar a inconsequência…
Todo mundo sabe que os aplicativos de bets são feitos para viciar, aplicando o conhecimento mais avançado sobre o funcionamento do cérebro humano e gatilhos muito eficazes. Mas ninguém coloca uma arma na cabeça de ninguém para obrigar a baixar o aplicativo e jogar. É quase o mesmo que abrir a sua casa para um criminoso conhecido e depois reclamar que ele te prendeu no banheiro, roubou tudo o que você tinha e ainda machucou seu cachorro. Uma pessoa autodestrutiva assim não tem condições de ter relacionamentos saudáveis com ninguém antes de uns anos de terapia.
Escrevendo com os pés, pois com as mãos estou aplaudindo