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Viajando no tempo.

Viajando no tempo.

| Desfavor | | 2 comentários em Viajando no tempo.

Hoje o texto é uma viagem. Partimos do princípio de que um belo dia simplesmente surja a tecnologia de viagem no tempo. Genialidade humana, presente alienígena, seja lá como veio, você tem que decidir se a humanidade ganha acesso a ela ou não. Sally e Somir discordam no passado, presente e futuro, os impopulares não voltam atrás.

Tema de hoje: viagem no tempo, sim ou não?

SOMIR

Sim! Faz parte da nossa jornada como espécie ter acesso a tecnologias perigosas. E o grau de perigo dessa depende de um fator: se você volta no tempo na mesma realidade ou se volta numa paralela.

Se você volta na mesma, você pode alterar a realidade na qual você vive, com uma série de perigos e paradoxos. Se você volta numa realidade paralela, a tecnologia é virtualmente inofensiva. Quer voltar no tempo para matar o Hitler ou para ensinar ele a jogar War antes de tentar invadir a União Soviética? O mundo que vai ser impactado por isso não é mesmo do qual você saiu.

Isso já muda muito a lógica da coisa: viagem no tempo seria sumir da sua realidade e manter todo o passado dela intacto. Eu só levanto essa possibilidade porque um forte argumento contra a existência de tecnologia que permita voltar no tempo é o fato de não estarmos vendo viajantes temporais por todos os lados. Impossível que todos os seres humanos do futuro com essa tecnologia sejam todos responsáveis e inteligentes, alguém já teria voltado para fazer bagunça.

O que serve para complicar a ideia de viagem no tempo dentro da mesma realidade, mas se a viagem levar a pessoa a uma realidade paralela idêntica à nossa, mas em um momento anterior, explica não estarmos vendo turistas do futuro entre nós. Essa viagem no tempo teria outras implicações éticas: mesmo que você quisesse fazer o clichê de matar o Hitler no berço, como saber que isso faria a realidade paralela melhor?

Eu não nego que existam questões inclusive na minha variação que não destrói o nosso passado, mas será que vale a pena esse controle todo? De uma forma ou de outra, você é agente no mundo atual. Suas ações impactam o futuro, e não precisa de máquina do tempo para isso. Se você acelerou no sinal amarelo ou se esperou, isso pode influenciar o trânsito da cidade de tal forma que gera um acidente fatal horas depois.

Somos caóticos apenas por existir. Até o suicida impacta a realidade de acordo com a forma como o faz, se for discreto ou se for explosivo… estar presente na realidade é algo inescapável. Somos todos viajantes no tempo, só que exclusivamente para o futuro e na velocidade que o universo permite. Você já está semeando eventos futuros, bons ou ruins.

Essa teórica capacidade de voltar no tempo não seria tão diferente assim, ainda é uma pessoa com suas próprias intenções e capacidades interagindo com o fluxo do tempo. Só muda o ponto histórico no qual você age. Se você não tem coragem de matar um bebê hoje, provavelmente não acharia normal fazer isso com um em outro tempo, mesmo sabendo que é um futuro ditador sanguinário.

A ética é o limite. Você faz o que consegue fazer agora para mexer com o futuro, seria tão diferente assim agir vinte anos atrás para mexer com o futuro? E tem mais: é impossível prever com precisão o que vai acontecer quando você interage com o passado. Pode ser que se você comprar 10.000 bitcoins em 2010 isso mude o movimento da história de tal forma que ela nunca deixa de valer frações de centavo.

Não existe informação perfeita do universo todo, você pode argumentar que sabe tanto sobre o que vai acontecer ao intervir com um fato histórico quanto sabe como isso funciona agora mesmo sem viajar no tempo. São incontáveis variáveis. O efeito borboleta já acontece na sua vida agora, não precisa de uma máquina especial.

Você não conhece o resultado perfeito de suas ações, estar num tempo diferente não muda isso. E mesmo que a possibilidade (remota) de sempre estarmos mexendo na mesma realidade, não é como se você fosse sentir deixar de existir. Aliás, ninguém saberia o que mudou, só a pessoa que estava fora do fluxo temporal.

E tem mais uma possibilidade: se a velocidade máxima da causa e consequência na natureza é a velocidade da luz mesmo, você sempre estaria seguro de qualquer alteração no tempo, porque o fato alterado pelo viajante do tempo correria na velocidade da luz até o futuro, e como já estamos fazendo isso nessa mesma velocidade, nunca te alcançaria.

Explico: se alguém muda o passado cem anos atrás de uma forma que não te faça mais existir, essa mudança ainda tem que chegar até o presente, e ela é transmitida um segundo por vez, na velocidade normal rumo ao futuro. Como você já está na frente na mesma velocidade de um segundo por vez, ela nunca te alcançaria. Se você balança uma corda, o movimento avança por ela na velocidade do som, então sempre tem uma demora entre a parte que está na sua mão e a parte mais distante se mexer por causa do seu movimento.

No tempo, é para ser igual: mexer no passado muda os acontecimentos na velocidade de transmissão de informação, a velocidade da luz. O que provavelmente tornaria o presente inalterável por qualquer tecnologia. Paradoxos de filme de ficção científica são ainda menos realistas do que deveriam para criar alguma emoção na história, porque mesmo que fosse possível voltar para o seu passado (e eu acho que não é), teria que ter outra tecnologia quase que mágica que empurrasse a alteração do passado para o presente de forma instantânea.

Viagem no tempo livre para o povo criaria um caos infinito no passado, cada maluco entrando para mexer numa coisa, cada segundo da nossa história infectado por alguma alteração. Mas do presente para a frente, continuaríamos com as coisas como são. Diga adeus para estudar história vendo como as coisas eram, mas pelo menos o ser humano teria um playground para ser imbecil sem estragar a gente no presente.

Se for viagem no tempo de filme, que você desaparece se matar seu avô, aí provavelmente a humanidade se destruiria, mas francamente: entre viver muito numa humanidade que não pode fazer essas maluquices e viver pouco onde podemos… eu escolho a maluquice.

Para dizer que eu sei demais sobre viagem no tempo, para dizer que já leu este texto, ou mesmo para me chamar para ir junto e dizer que a segurança não é garantida: comente.

SALLY

Viagens no tempo: sim ou não?

Não. A humanidade não saberia usar, certamente faria cagada.

“Mas Sally, como você sabe que a humanidade faria cagada se nem sequer foram estabelecidas as regras e consequências para essa viagem no tempo?”. Muito simples: a humanidade sempre faz cagada quando consegue grandes poderes.

E eu me incluo nisso. Não é que eu ache que para mim tudo bem e para o resto não. Eu mesma não me sentiria apta a conduzir com sabedoria uma viagem no tempo. Além do temor de alterar o presente para pior, prejudicar pessoas e desfazer coisas boas da minha vida, criaria uma insegurança que eu acho que minaria a saúde mental de todos.

Acho muito improvável que alguém volte no passado e não altere absolutamente nada ali. Só o fato de estar no passado já altera algo. Mas, sejamos sinceros, quem resistiria à tentação de evitar a morte ou o sofrimento de uma pessoa amada? Quem não ia querer mexer uns pauzinhos para ficar rico? Quem não tentaria melhorar a própria vida e acomodar seu futuro para algo melhor?

Efeito borboleta. Não sabemos como mudar o passado influenciaria no presente, mas obviamente influenciaria. Agora imagina ter um presente instável, por várias pessoas voltando ao passado e mudando o transcurso da realidade? Imagina um dia acordar e não ter seus filhos, seu marido, seus pais, seu trabalho ou sei lá mais o quê, pois alguém voltou ao passado e mudou algo que, indiretamente, impactou nisso.

Não dá para viver nessa insegurança de que, a qualquer momento, qualquer pessoa pode mudar uma coisa no passado e modificar seu presente. Também não dá para esperar que todas as pessoas obedecerão a todas as regras e se comportarão muito bem cada vez que voltarem ao passado. A única forma de evitar essa insegurança da realidade é não fazendo.

E se a viagem fosse ao futuro, pior ainda. Imagina pessoas vendo o seu futuro e depois usando isso contra você. Imagina pessoas que concorrem com você em diversos aspectos, por exemplo, no profissional, tendo a vantagem de saber o que acontece no futuro. Imagina pessoas sabendo informações suas do futuro, as quais você não quer saber, e te expondo a elas.

Imagine também o que as pessoas fariam se soubessem que existe a possibilidade de voltar no tempo e alterar seus atos. Imagine o grau de irresponsabilidade. Imagine Gysllayne se perguntando se pode dar vodca para o bebê e pensando “ah, que se foda, vou dar, se morrer volto no tempo e desfaço”. Apenas imagine as múltiplas situações que viagem no tempo endossaria.

Pense também que, como qualquer recurso, inicialmente estará disponível apenas para quem tem dinheiro e poder. Gente com dinheiro e poder podendo viajar no tempo só praticaria atos que assegurassem a continuidade dessa situação. Dificilmente essa possibilidade de viajar no tempo seria democratizada. O ser humano é assim, ganancioso, baixo e cabeça pequena.

É o Argumento Tio Ben, que eu já usei em vários textos desta coluna: com grandes poderes, grandes responsabilidades. E o ser humano, sobretudo o brasileiro, não está conseguindo lidar nem com pequenas responsabilidades. Não me parece sensato, diante dessa realidade, militar a favor de responsabilidades não apenas maiores, mas que poderiam impactar seriamente a vida de todos nós.

Viagem no tempo pode mudar, alterar ou até apagar partes da realidade de todos nós, não apenas da sua vida particular, mas também aquilo que toda a humanidade tem em comum. Hoje temos vacina contra pólio, mas se alguém mudar o passado, eu não sei se ela vai continuar aqui. Hoje temos antibióticos. Hoje temos direitos trabalhistas. São infinitos exemplos.

“Mas Sally, pode mudar para melhor também”. Você está disposto a correr esse risco? Porque eu não estou. E eu não sei quais seriam os critérios de seleção, controle e regras para essa viagem no tempo. Eu não quero imbecilóide mexendo na timeline da minha vida, desculpa.

Sem contar que isso nos distrairia da única coisa útil que temos para fazer aqui: viver o presente, aprender com nossas experiências e evoluir. Se a humanidade pudesse ir para o passado e para o futuro, adivinha se ficaria um segundo com a cabeça no presente, olhando para suas questões e trabalhando sua evolução.

Como bem dizia Einstein, tempo é uma ilusão. E é perigos brincar com ilusões, principalmente quando não temos a total compreensão de como a ilusão funciona. A humanidade precisa fazer o dever de casa, fazer o básico, fazer o mínimo, e só então pensar em coisas do tamanho de viagem no tempo. Quando o ser humano for minimamente decente, quem sabe.

Toda a dinâmica social, o conceito de ética e a noção de realidade seria alterada. Desculpa, mas a humanidade não está nem conseguindo lidar com garrafinhas plásticas, sem qualquer condição do humano médio lidar com esse tipo de problema.

Somos muito ignorantes, rudimentares e egoístas para manipular o tempo. O ser humano que se recolha à sua insignificância e à sua ignorância, pois já fez bastante merda com o pouco poder que tem.

Para dizer que está com dor de cabeça, para dizer que queria só você poder viajar no tempo ou ainda para dizer que a humanidade não deveria nem ter permissão para dirigir uma bicicleta: comente.


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