Trump is back.

Não foi a surpresa de 2016, mas a eleição de Donald Trump para o seu segundo mandato como presidente dos EUA ainda sim tem algo de impactante. Dessa vez, Trump venceu inclusive no voto popular. Ou seja, mesmo que os EUA não usassem o sistema maluco de Colégio Eleitoral, o homem laranja teria ganhado.

Ainda temos votos para contar, mas a chance de Kamala somar mais votos que Trump, mesmo que na “inútil” contagem geral, é basicamente nula. Dessa vez, é uma vitória legítima sem nenhum porém. Até o momento em que eu escrevo esse texto, Trump teve uma votação quase igual à da eleição de 2020, mas Kamala teve uns 15 milhões de votos a menos que Biden. A diferença deve diminuir, mas não vai chegar nos números do velho defenestrado pelo partido Democrata.

E aí está a questão que mais me chama atenção sobre essa suposta luta pela alma do povo americano: conforme previsto no Desfavor depois do atentado contra a vida de Trump, o ponto de desequilíbrio foi a vontade do eleitor republicano. Num país onde o voto não é obrigatório, metade da batalha é conseguir o voto e a outra metade é fazer o cidadão se mexer para ir votar.

Mas, para ser honesto, eu não previ o grau de desinteresse do eleitor democrata. As pessoas simplesmente não foram votar da mesma forma como fizeram com Biden. Até o momento, ela está com números parecidos com Hillary em 2016. Os democratas e os republicanos conseguiram aumentar o número de votos de forma impressionante em 2020, mas em 2024 só os republicanos repetiram os números. Essa foi a diferença.

Agora, o “povo do amor” do hemisfério norte está puto da vida, reclamando de homens negros, latinos e mulheres brancas. Dizendo que eles jogam contra a causa porque votaram muito mais nos republicanos que em eleições anteriores. Isso é cartilha do movimento identitário, separar o povo em blocos baseados em características inatas e começar a criar brigas. Sim, latinos e negros (especialmente homens) votaram mais no Trump que votaram em eleições passadas, mas não foi o suficiente para dar o resultado que estamos vendo.

Essa narrativa é puramente ideológica, não se reflete nos números. Quem queria Trump presidente se mexeu e foi votar. Quem não queria foi também. Mas uma grande massa de americanos decidiu que não valia o esforço como valeu em 2020. Eu consigo enxergar uma fadiga do discurso de “literalmente Hitler” ao redor de Trump, como parece acontecer ao redor do mundo em relação à direita. As pessoas parecem cansadas mesmo desse drama todo de ter que votar na “eleição mais importante da história” a cada quatro anos.

É quase como a regra que eu uso em publicidade: quando tudo é importante, nada é importante. Você tem que saber dosar quanta atenção atrai para cada elemento do seu discurso, porque se for tudo muito berrante e urgente, as pessoas cansam e não sabem mais para onde olhar. A campanha americana acabou focada em colocar pressão excessiva no cidadão para escolher o caminho certo para evitar que tudo exploda de forma terrível. O cidadão respondeu: “sem tempo, irmão.”

E a economia decidiu. O americano médio está puto porque os preços subiram desde a pandemia e nunca mais voltaram ao normal. E nem acho que Biden tenha sido culpado por isso, o sistema capitalista tem esse problema de nunca mais baixar o preço depois que o consumidor aceita pagar uma vez. Por mais que a inflação americana estivesse sob controle, o preço das coisas subiu mais do que os salários. Trump teve os votos dos malucos do aborto, dos malucos das armas, mas também de gente que estava passando aperto para comprar comida e pagar aluguel ao mesmo tempo.

E como virou costume nas eleições deles e nas nossas, não tinha quase nenhuma proposta sendo realmente discutida. Trump disse que os imigrantes estavam causando o problema, muita gente escutou e acreditou. Era uma coisa que fazia sentido para o cidadão médio deles. Kamala não tinha um discurso simplório e ainda pagava o preço por ser o governo da inflação. De uma certa forma, foi a derrota de 2020 que garantiu a vitória de 2024 para Trump: ele não foi conectado com a inflação da pandemia.

Agora devem aparecer mil explicações diferentes sobre o que causou a derrota de Kamala, desde a já exposta baixa adesão do público “marginalizado” como até mesmo uma resposta do povo sobre o que realmente pensam sobre ajudar Israel (ou a sacanagem que fizeram com o esquilo Peanut). Novamente: os números absolutos dos votos demonstram que não foi questão de uma coisinha ou outra, os americanos que foram votar queriam muito mais o Trump do que ela.

Justo? Complicado responder se foi uma eleição justa, em tese, a justiça na democracia é decidida pelo voto. Se o povo quis Trump e foi votar nele, é justo. Como eu já disse em textos anteriores, se eu fosse americano teria votado nos democratas porque não acho que Trump vai fazer um bom governo, especialmente porque dessa vez está muito mais disposto a ceder para os fundamentalistas cristãos da sua base. E, fico realmente com pena da Ucrânia, que se esforçou para segurar a Rússia por tanto tempo só para ver o apoio que tinha se esfarelar.

Tem uma lição para o povo progressista aqui: é importante falar de coisas como direitos dos transexuais e aborto, mas se o povão sentir que é só com isso que você se importa, não funciona. Kamala tinha uma imagem extremamente conectada com pautas de costumes da esquerda, e se é isso que você tem para combater pautas de costumes da direita, é claro que vai perder. Minorias devem ser protegidas, mas elas são… minorias. O americano médio não é o progressista altamente politizado, é uma pessoa meio limitada que está preocupada com o aluguel e não precisar de médico para não ir à falência.

O progressista inteligente precisa acomodar a maioria para proteger a minoria. A esquerda brasileira paga um preço alto pela corrupção do PT, mas também paga por perder o foco da maioria do povão na sanha de demonstrar como está conectada com as pautas que interessam às minorias. Sim, as mulheres deveriam ter direito ao aborto em qualquer lugar civilizado do mundo, mas no minuto que a maioria acha que essa é sua identidade como político, você perde “utilidade” para ele. A pessoa nem precisa achar que essas ideias progressistas são ruins, ela só sente que não tem nada para ela ali.

É o que eu chamo de “populismo de minorias”, essa praga que está matando a esquerda ao redor do mundo. Você pega todos os defeitos do populista, mas só usa as vantagens dele numa parcela pequena da população. Não faz sentido. Estamos num ponto que eu acho até que esquerda super intelectual teria mais potencial de vitórias do que o jeito que está sendo feito agora. Mostra algum valor para o povão, mesmo que seja um meio arriscado como ser mais inteligente que a concorrência. Empina esse nariz e mantenha consistência.

Não adianta dizer que é mais inteligente que o Trump se seus cabos eleitorais são estrelas da música pop e o povo de Hollywood. Demonstra a inteligência pelo menos. Toda essa conversa sobre ser mais refinado que o tosco do Trump e a imagem que passam é populista e superficial do mesmo jeito. Na disputa por ser uma celebridade mais divertida, é claro que o Trump ganha. O homem é uma máquina de cenas curiosas e momentos grandiosos. O filho da puta lembrou de levantar o punho cerrado para fazer uma imagem histórica depois de levar um tiro, sem saber se o atirador tinha parado ainda.

Os democratas aceitaram disputar no campo da superficialidade de Trump. E se era só uma disputa de imagem, o Laranjão esmaga a concorrência. Ele não tem freios e seu público realmente comprou seu discurso populista. O eleitor do Trump não se importava com nada além de votar nele, acho que mesmo se o Trump pedisse voto para a Kamala, ainda ganharia. O que aconteceu em 2020 foi uma anomalia no lado dos eleitores democratas, os republicanos ficaram estáveis. Eles não querem saber de papo, eles querem o Trump presidente porque acreditaram no populismo dele.

Biden matou os democratas? Eu diria que não. Porque a economia estava irritando o povão, mas o partido continuou com o ponto cego do populismo de minoria. Biden teria perdido, talvez perdido por um pouco menos, porque é claro que existe uma resistência a eleger mulheres para liderança de grandes potências (Rússia e China não vão eleger mulheres tão cedo), mas teria perdido. Não por ser gagá, mas porque estava fora da marca sobre o que o povo estava vendo.

Kamala dificilmente venceria, mesmo que estivesse desde o começo como candidata, porque no tempo que teve de campanha, não focou na economia. Não era a linha dela. Meio como a Hillary, gastou muito tempo falando sobre como seria lindo eleger uma mulher (o que nem a mulher média liga tanto assim para falar a verdade) e sobre como iria “proteger as crianças trans”. Se entrar na cabeça desse povo que a melhor forma de proteger minorias é GANHAR A PORRA DA ELEIÇÃO, talvez o jogo mude, mas enquanto isso, os EUA dão mais um sinal sobre o que deve vir por aí em boa parte do mundo.

Democracia tem disso: quem está no poder usa o sistema para proteger as minorias, mas tem que chegar lá primeiro. Não é uma falha do sistema, é o diferencial que o torna o melhor que já criamos. Democracia usa o poder da maioria para proteger a minoria. O poder é cedido pela maioria. Trump quer ganhar dinheiro e escapar da cadeia, então fez o que precisava para ser eleito. Convenceu a maioria e vai governar para uma minoria de ricos e fanáticos do seu culto de personalidade. O jogo estava lá para todo mundo jogar, ele jogou.

Ainda vamos falar com mais calma sobre as reações da turma da tolerância e sobre como isso deve impactar o mundo, mas eu achei importante usar o texto de hoje para reforçar a mensagem: ninguém traiu a Kamala, não é culpa dos homens negros, dos latinos… isso é desculpa esfarrapada para não lidar com o fato de que a porcaria do aluguel estava alto e ficaram falando sobre aborto, fazendo esse suicida populismo de minoria.

E enquanto o lado progressista do mundo continuar teimando nisso, o Trump e similares vão continuar sendo eleitos. Eles podem falar as piores coisas do mundo, mas falam com a maioria. Ou se assume intelectual e faz o povão se sentir retardado por votar na direita (duvido que funcione, mas é melhor do que esse tiroteio no pé da esquerda moderna), ou volta a falar com quem realmente pode te eleger.

Trazer essa derrota para o campo identitário é forçar uma visão de mundo furada mais uma vez, uma que está sabotando a esquerda eleição atrás de eleição. Eu sei qual lição eles deveriam tirar dessa derrota baseada em desmotivação da sua base de eleitores, mas não sei qual eles vão tirar de verdade. Provavelmente algo que divida ainda mais seu público-alvo, e enquanto isso, a direita consegue se reerguer de quase qualquer queda mantendo o foco no que realmente decide eleições: a vontade do povo.

É uma vontade que me faz sentido? Não, eu sou muito mais progressista que o cidadão médio… mundial… mas a verdade não liga para nossas opiniões. Trump conseguiu se expressar, os seus adversários não.

Para dizer que vamos todos morrer, para dizer que lá vem outra pandemia, ou mesmo para dizer que essa foi pelo Peanut: comente.

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Comments (16)

  • “Estamos num ponto que eu acho até que esquerda super intelectual teria mais potencial de vitórias do que o jeito que está sendo feito agora.”

    Acho que não. Tabata Amaral tentou emplacar esse personagem nas eleições de SP e não colou – fez uma fração dos votos do Marçal, que representava o personagem oposto a alguém “intelectual”. Eu acho até que o povo não gosta nada dessa ideia de “candidato intelectual”, pelo tanto de gente que ainda considera votar em fulano “porque ele é carismático” – foda-se se ele não tem ideia do que fazer quando chegar lá, pelo menos era carismático…

    A esquerda tá tomando um pau no mundo porque se agarrou nas pautas identitárias e não quer soltar mais – e o povo tá de saco cheio de ser chamado de nazista por causa de imbróglio com pronome.

    No Brasil, especificamente, a esquerda está apanhando nas eleições porque parou no tempo, e perdeu totalmente o contato com a forma como pensa e age a população pobre hoje. Os pobres, que a esquerda jura se importar, esses ela simplesmente não conhece mais.

  • Tá sendo hilário ver a reação dos esquisitões da canhotada americana nas redes sociais! Tem de tudo: gente chorando de soluçar, fazendo birra, rolando no chão, esperneando que nem criança, batendo com a cabeça na parede, berrando xingamentos… Pra essa cambada de descompensados dependentes de remedinho tarja preta, o mundo simplesmente acabou ontem.

  • Trump vai cumprir seu papel como representante dos que estão cansados de serem tratados como nazistas, ciclistas e afins só por não aderirem às demências da extrema esquerda e fazer com que mais expõe três acabem ganhando destaque.

    Mas na sua carreira política? Vai ser o mesmo de sempre: uma mistura de Bolsonaro com Eike Batista.

  • Trump ganhou, mas no quê isso importa?

    Nós temes pronome neutres! Foda-se outres direites básiques e ume economie sadie, o importante ere fazer chiliques com pautes imbecis, que serie útil apenes ao grupe que represente menes de 1% da população, colocades lade a lade com coise realmente importante para ume maiorie, e quem discordasse que fosse chamade de fasciste!

    O problemx está nxs militantxs atacando geral, não trabalhando em uma boa campanha para sxus candidatxs e priorizando coisa desnecessárix? Clarx que não, com certeza é o resto do mundo que é fascistx racistx homofocx! #NinguémSoltaMão #SomosTodesKamalx #BigMacPartiu #MeuCorretorDesistiuDeMimDepoisDessa

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