Peanut e a eleição americana.

Não tem como fugir do assunto da semana: as eleições dos EUA. Esse resultado impacta o mundo todo, inclusive o Brasil, e o resultado é uma incógnita. Provavelmente será disputado voto a voto. Provavelmente vai ter confusão. Provavelmente veremos uma tonelada de notícias falsas vindas de todos os lados. Justamente por isso achamos importante este texto prévio para situar nosso leitor (e um texto de análise amanhã, depois que sair o resultado).

A primeira coisa que você tem que saber é que não é possível prever o resultado. Não leia este texto esperando uma conclusão com um palpite de quem vai vencer. Nem eles sabem. Nem a mídia séria arrisca cravar um vencedor. Nem os institutos de pesquisa. Nem mesmo os candidatos e seu partidos. Não seremos nós a ter a arrogância de dizer quem vai vencer.

“Mas Sally, tem muita gente afirmando que um dos lados vai vencer”. Tem sim. Assim como tem muita gente afirmando que a Terra é plana e coisas ainda piores. É aquele argumento nefasto que vira e mexe aparece aqui nos comentários “tem vídeo, pode pesquisar”. Tem vídeo dizendo que vacina causa autismo, tem vídeo dizendo que câncer de mama não existe, tem vídeo dizendo que vacina contra covid injeta um chip no seu cérebro.

Perceba: se nem especialistas em política do país se atrevem a declarar quem será o vencedor, será mesmo que Wellerson, artista plástico, morador de Xique-Xique, na Bahia, tem alguma condição de te adiantar esse resultado? Não confiem em quem crava uma vitória. Pode até ser que a pessoa acerte, mas foi mais sorte do que conhecimento.

O que estamos vendo agora, e ainda veremos milhões de vezes, é o brasileiro confundindo seu querer com uma previsão de futuro. Quem quer que a Kamala ganhe tem seu discernimento turvado pelo seu viés de confirmação e só assimila notícias que indicam uma série de fatores que apontam para sua vitória. Quem quer que o Trump ganhe tem seu discernimento turvado pelo seu viés de confirmação e só assimila notícias que indicam uma série de fatores que apontam para sua vitória.

Não se deixe enganar. Ninguém sabe quem vai vencer nem o que será decisivo para essa vitória. Vamos lembrar que quando Trump disputou com Hillary Clinton as pesquisas apontavam que ela tinha uma chance de mais de 95% de vencer. E todos vimos o que aconteceu.

Então, este é o primeiro grande filtro, inclusive para você selecionar seus curadores de conteúdo: pessoas sensatas, pessoas não fanáticas, pessoas que não se deixam cegar pelo seu querer, estão respondendo “não sei” quando você pergunta quem vai vencer. E recomendamos que você faça o mesmo, pois de fato, ninguém sabe.

Outro fator importante a ser levado em conta: o que acontece nos EUA respinga no Brasil. Então, esse discurso muito recorrente de ridicularizar quem se interessa pelas eleições americanas como sendo um “capacho dos EUA” ou coisa do tipo, não cola. Vai afetar a sua vida, o seu bolso e a realidade do mundo.

Certamente vai aparecer gente aqui com as duas falas prontas recorrentes: “pobre não come dólar” e “eu não viajo para o exterior então não me afeta”. Afeta a todo mundo. Desde o preço das compras do supermercado até o custo da passagem do transporte público. E provavelmente também afete em questões não financeiras, principalmente se o Trump vencer, de mãos dadas com Elon Musk, ambos alvos constantes do atual governo brasileiro e pessoas pequenas e mesquinhas que terão prazer em retribuir.

Será o fim do mundo? Obviamente não. São todos políticos e costuram seus acordos por cima de todas as bravatas que dizem. Mas daí a dizer que não impacta existe um mundo de distância. O que nos leva ao segundo grande filtro: fuja de gente que afirma que o resultado não vai fazer a menor diferença e de gente que diz que o resultado terá um impacto catastrófico. Fuja de extremos. Sempre.

Outro tema sobre o qual achamos importante falar, apesar do tema em si parecer irrelevante: o episódio do esquilo Peanuts. Normalmente seria uma notinha no A Semana Desfavor, porém, a crescente que o assunto vem tomando faltando horas para a eleição e o empate acirrado podem acabar tornando o assunto relevante. Nessas horas até um peido define o vencedor.

“Mas Sally, você acha que um esquilo vai definir as eleições dos EUA?”. Meu amigo, minha amiga, conforme já dito, eu não sei de nada. Eu não consigo antever nada. Meu papel é detectar que o assunto talvez possa ter relevância e mastigar ele para que você não precise ficar catando informação esparsa.

Além disso, não é sobre um esquilo, é sobre o sentimento que o ocorrido desperta nas pessoas. Acreditamos que a coisa pode escalar para ter relevância, como pode não escalar. Na dúvida, você terá a informação aqui. Utilize se, quando e como quiser.

Nenhum de nós está apto para afirmar o que realmente aconteceu, por isso vamos narrar a história deixando bem claro o que é fato, o que é narrativa e daí você tira a sua conclusão, e ao final daremos nossa opinião.

Fato: um casal, Mark e Daniela, criavam, em Nova Iorque um esquilo chamado Peanut e um guaxinim chamado Fred. Fato: o esquilo foi resgatado bebê, muito machucado, depois de abandonado pela mãe e estava com a família há sete anos. Fato: o esquilo era famoso em redes sociais, seus vídeos tinham muitos acessos e a conta tinha mais de meio milhão de seguidores.

Fato: uma denúncia fez com que as autoridades tomem conhecimento de que estes dois animais silvestres estavam vivendo como pets. Fato: isso é proibido por lei, por uma série de fatores, inclusive de saúde pública. Fato: em Nova Iorque se admitem exceções, isso pode ser permitido mediante uma licença especial.

Fato: agentes do Departamento Estadual de Conservação Ambiental (uma espécie de IBAMA dos EUA) entraram na casa da família contra sua vontade e levaram os dois animais. Fato: os dois animais foram sacrificados, alegando questões de saúde pública envolvendo risco de contágio de raiva.

Até o parágrafo anterior, nenhuma das partes diverge e está tudo documentado. Daqui para frente, preenchendo as lacunas, temos a versão que os envolvidos contam, que podem ou não corresponder à verdade. Então, daqui para frente, exerça seu juízo de valor.

O casal afirma que sua casa foi invadida com brutalidade e que eles foram escorraçados para o lado de fora enquanto agentes reviravam tudo e quebravam pertences em busca de supostas ilegalidades. Teriam capturado os animais de forma bruta e violenta, não respeitando as normas de manejo.

Alegam ainda que a denúncia partiu de uma vizinha, que não gostava deles por considerá-los “imigrantes” e que essa mesma vizinha teria denunciado Daniela (a esposa) ao departamento de imigração para que seja deportada. Em uma visita rápida às redes sociais dessa vizinha (cujo nome está amplamente divulgado na mídia) é possível ver conteúdo lacrador, entre outras coisas, criticando Trump por suas falas contra imigrantes.

O casal ainda afirma que o dinheiro que eles arrecadavam com os vídeos viralizados de Peanuts era destinado ao santuário de resgate animal sem fins lucrativos que eles mantêm, o P’Nuts Freedom Farm Animal Sanctuary, que abriga mais de 300 animais e chegaram a mostrar comprovantes disso, mas, como não podemos atestar a veracidade dos documentos, não vamos afirmar que é verdade.

O casal se diz desolado, mesmo cientes de que era proibido ter estes animais como pets, alegando que a morte foi desnecessária, eles poderiam ter sido soltos em uma área de preservação ou outra medida no estilo. Também assegurou que já estava tramitando essa licença especial que permitiria mantê-lo legalmente com o casal, tendo inclusive mostrado a documentação aos agentes, que optaram por ignorá-la.

Por fim, alegam que Peanut estava perfeitamente saudável, não tinha raiva e só mordeu por ter sido manipulado de forma violenta.

O que diz o outro lado: o casal estava violando a lei, portanto, a medida foi justa e cabível e, como o esquilo mordeu um funcionário, foi necessário sacrificá-lo para testar se ele estava com raiva. Lamentam muito o ocorrido, mas alegam ser um fato de força maior.

Também alegam que receberam várias reclamações sobre o esquilo em contato com humanos e, nos próprios vídeos em que ele aparece tem de fato muita gente apontando a ilegalidade de ter um animal silvestre como pet.

Agora vamos para questões fundamentais ainda sem resposta, que talvez algum leitor especialista no assunto possa ajudar a esclarecer.

A primeira questão que surge é: o esquilo estava com eles há sete anos, por qual motivo só agir agora, faltando dois dias para a eleição mais importante do país? Independente da gente concordar ou discordar, essa ação deu margem para que se critique o “excesso de Estado” e o assunto seja politizado. Sabemos que manter esse tipo de animal como pet é ilegal, mas era um animal amado, parte de uma família, será mesmo que agir com essa truculência era necessário?

A segunda questão, e a mais importante, é: precisava mesmo sacrificar? Eu sou a primeira pessoa a defender que a saúde pública vem em primeiro lugar, mas, me chama a atenção essa decisão, já que esse não costuma ser o protocolo.

Quando era estagiária de uma clínica veterinária já fui bastante mordida por toda sorte de animais (inclusive por um morcego) e jamais se cogitou sacrificar nenhum deles. Tomei minha meia dúzia de injeções contra raiva e soro também. Os animais eram acompanhados, mantidos em quarentena por aproximadamente dez dias. Até onde me consta, esse é o procedimento padrão.

Obviamente que se você é mordido por um animal que está salivando, agressivo, hiper-reativo à luz, com dificuldade em engolir, pode ser necessário eutanasiar o animal imediatamente, já que ele apresenta todos os sintomas e poderia ser um risco deixá-lo vivo, ele poderia contaminar outras pessoas. Não era o caso de Peanuts.

Não podemos ter certeza, uma vez que as informações são desencontradas e os procedimentos podem ser diferentes nos EUA, mas normalmente o animal é eutanasiado para acelerar o diagnóstico e evitar mais danos: um pedaço do seu cérebro é analisado para verificar se ele é ou não portador do vírus da raiva. Acaba sendo o último recurso, em situações extremas. Neste caso? Pela informação que temos, parece desproporcional.

“É só um esquilo”. Não subestime o poder dos sentimentos e da empatia. Havia uma família que amava esse animal e a dor deles vai doer em muita gente. Era um animal famoso e fofinho e contra isso a letra fria da lei pode acabar perdendo. Era um animal cuja licença para viver entre humanos já estava sendo tramitada. Era um animal em perfeito estado de saúde, bem como seus tutores. Vale lembrar que Fred, o guaxinim, que não mordeu ninguém, também foi sacrificado.

“Mas Sally, logo você, tão certinha, está dizendo que a lei não deveria ser cumprida?”. Não. Estou dizendo que havia forma melhor de manejar o caso. Para começo de conversa, eutanasiar um animal nunca é a primeira opção. E, em sendo a única saída possível (não era), achei extremamente cruel tornar pública a eutanásia. E burro também, faltando dois dias para as eleições.

Uma das poucas coisas que trumpista é melhor do que os outros é postagem de redes sociais. Obviamente começaram a pipocar postagens destacando como coisas muito mais graves acabam sem punição ou com punições mais brandas. O briefing é claro: quando é hora de atuar contra um inocente esquilo o governo é valentão e em matéria de assuntos realmente graves é permissivo e tolerante. Postagens críticas, montagens de animais fofinhos sendo covardemente assassinados e até Memes, tudo muito bem-feito e eficiente.

Pode colar, pode não colar. Não sabemos. Já vimos coisa pior colar, como os Memes do sapo Pepe, então, eu não me surpreenderia. Colando ou não, sem dúvida foi uma imbecilidade desnecessária. Existiam outras maneiras de lidar com a situação. Foi de uma incompetência sem justificativa, chega a assustar.

Quando o Trump comete um erro grotesco a gente sabe a explicação: ele é maluco, ele é lunático, ele é um ególatra mentiroso e sem escrúpulos. Mas quando o pessoal da Kamala comete erros crassos, eu realmente não sei explicar.

São pessoas que estão mais inseridas no espectro da normalidade, mais bem ajustadas socialmente. O que faz essas pessoas chamarem uma ex-namorada do Diddy para aconselhar alguém sobre o que é correto se fazer? O que faz essas pessoas deixarem o Biden falar asneiras como chamar de “lixo” quem vota no Trump? O que faz essas pessoas endossarem a eutanásia desnecessária de um animal amado por uma família? Nunca saberemos.

Kamala torrou muito mais dinheiro do que Trump, está muito mais aplaudida pela mídia e famosos e tem a máquina na mão já que é a atual vice-Presidente. E ainda assim, corre o risco de não vencer de um retardado laranja. Nisso que dá não sair da sua bolha, viver em desconexão com a realidade e governar apenas para suas tietes. E o Brasil tende a ir pelo mesmo caminho.

Voltem amanhã para uma análise sobre o vencedor das eleições americanas, mas não se alarmem: nada drástico vai acontecer na sua vida.

Para repetir que é só um esquilo (isso indica que você não entende com o mundo atual funciona), para dizer que está torcendo para o Trump por causa de Israel ou para dizer que está torcendo para a Kamala por causa da Ucrânia: comente.

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