Lágrimas liberais.
O fato da semana foi a eleição do próximo presidente americano. Num mundo melhor, Donald Trump ser esse presidente poderia ser o tema da coluna, mas as reações por lá e até mesmo no Brasil são suficientes para se tornarem… Desfavor da Semana.
SALLY
Já falamos sobre a eleição para Presidente dos EUA durante a semana, e, em que pese os muitos desfavores que ela acarreta, nada impacta tanto o Brasil como o tema escolhido, que, justamente por isso, virou o Desfavor da Semana: como o brasileiro se portou durante essas eleições.
Como disse no texto de terça, percebemos dois grandes grupos: um que ridicularizava quem tinha interesse no assunto dizendo que não faria a menor diferença na vida do brasileiro (faz) e outro apavorado achando que o mundo iria acabar (não vai). Mas, se fosse só essa polarização, não seria novidade. Teve mais.
A vergonha começou antes mesmo do resultado sair. Hashtag #AxéKamala viralizando no Brasil. Brasileiros com inglês macarrônico indo no perfil de americanos que tinham uma foto com referência ao Trump no avatar tentando “virar voto” para a Kamala (se fosse o inverso super se ofenderiam com “americano tentando interferir na soberania e direito a voto”). O grau de inconveniência e desconexão com a realidade foi tanto que os americanos sequer pareciam entender o que estava acontecendo.
Vi gente achando que dava para armar caravana “bate e volta” e ir aos EUA só para votar em um dos dois candidatos (tinha esse tipo de pérola em ambos os lados). A coisa foi tão grotesca que gerou até Meme. Teve gente querendo saber como fazia para votar online, como se fosse BBB. Enfim, não vou me aprofundar, se não estrago o maravilhoso conteúdo do “Ei, Você” da semana que vem, mas o nível era esse.
Obviamente todas essas pessoas ficaram sujeitas a uma infinidade de trollagens, fraudes e golpes. Além de, é claro, expor sua desinformação, desconexão com a realidade e imbecilidade online, para o mundo todo ver. Não que eu espere muito de um povo que usa lanterna de celular para chamar alienígena para intervir a favor de candidato derrotado, mas, quando o golpe vem em dólar sempre dá um pouco mais de pena de ver.
Muita gente se enfiou até a raiz dos cabelos em uma campanha ferrenha por um dos dois candidatos e parecia que sua vida dependia disso. A noção de prioridade das pessoas está bem estranha. Mesmo que a intenção seja aderir a um dos lados ou ostentar virtudes, dava para fazer isso com questões brasileiras, não precisava abraçar uma causa dos EUA.
O Brasil está cheio de problemas, coisas bem graves como metade da população sem saneamento básico (versão grosseira: cagando em vala), sem vacina, floresta pegando fogo, mais índice de homicídios mundiais, resultado de avaliação de estudantes (PISA) beirando o analfabetismo funcional e muitos outros. Será mesmo pertinente colocar tanto foco, tanta energia, nas eleições de outro país? Ou seria vontade de apontar o dedo para o colega quando o próprio dever de casa não está feito?
O que mais me incomodou é falta de consciência da própria irrelevância. Você via que o brasileiro claramente se achava relevante, se achava parte daquilo, se achava uma peça fundamental. Não são. O brasileiro é mundialmente irrelevante. E não tem a menos consciência disso.
O americano não sabe nem apontar onde fica o Brasil no mapa, muitos acham que as pessoas moram no meio da floresta, em palafitas, olham para qualquer latino como cidadão de segunda categoria ou nem mesmo lembram de que ele existe até precisar limpar uma privada. E o brazuca lá, empenhadíssimo, de penetra na festa da democracia alheia.
Dá um misto de tristeza e vergonha de ver o brasileiro protagonizando essa falta de noção. Mas, quem diria, a vergonha pioraria depois do resultado.
Longe de mim dizer que um grupo é mais insano do que o outro, são iguaizinhos, mas, calha que o grupo que perde geralmente é o que mais se transtorna e, por isso, é o que mais dá vexame. E desta vez o vexame foi da esquerda.
Além da histeria já esperada, vimos outras novidades. Pessoas se filmando chorando, gritando e desesperadas, algumas mulheres inclusive raspando a cabeça com máquina zero “vingança contra os homens que votaram no Trump” (não entendi, mas eu ri) e outras coisas no mesmo patamar de insanidade e falta de noção. E, como de costume, o brasileiro aderiu. E da forma mais humilhante: não só com faniquito, mas com ignorância também.
Mais uma vez se desenhou com clareza o efeito Dunning-Kruger: quanto menos você sabe sobre um assunto, mais você superestima suas habilidades e capacidade de opinar sobre. Foi muito triste, não via algo dessa intensidade desde a pandemia, com os gênios opinando sobre vacina.
Um exemplo: a vitória do Trump foi anunciada na quarta-feira, porém, os votos continuaram a ser contados. Já se sabia que ele ganharia, mas não se sabia por qual diferença de votos. Quando o resultado final saiu, dias depois, foi divulgado massivamente um mapa dos EUA, marcado em vermelho e azul, indicando a quantidade de votos de cada candidato.
Imediatamente um grupo de brasileiros viu aquilo e, ao ver tantos estados marcados em vermelho, começou a comemorar que a Kamala tinha virado e espalha a notícia. Não ocorre à pessoa que no Brasil a esquerda é representada pela cor vermelha, mas em outros países pode ser diferente. Não. Se o que a pessoa conhece é vermelho, deve ser assim no mundo todo. Universo Umbigo. Até tentei alertar, mas as pessoas ficaram muito raivosas e me acusaram de fascista, de estar tentando espalhar “fake news” e coisas piores. Então tá, vai lá e crava seu vexame.
Essa mediocridade acompanhada de uma postura arrogante de quem sabe tudo, é o dono da razão e vai te explicar uma “verdade” que você desconhece são um câncer para o Brasil. Burrice qualquer um de nós pode cometer ou falar, mas a incapacidade de repensar ou de apenas cogitar que o que você acha pode não ser bem assim deveria ser declarado pela ONU como Patrimônio Imaterial do Brasil.
Não tem qualquer chance de a pessoa cogitar que ela pode não estar certa. Quem quer que a contrarie é um Bolsonarista Filho da Puta/Petista Filho da Puta, burro, que não sabe nada, que está inventando fake news. Não tem qualquer chance de a pessoa não fazer de qualquer assunto algo sobre ela, algo que ela esteja apta a opinar, algo que ela conheça uma verdade que os outros não conseguem ver.
Também tivemos ódio. O pessoal do amor mostrou as garrinhas. Mas, infelizmente, até nisso a burrice permeia. Gente desejando que os latinos que votaram no Trump sejam deportados, por exemplo.
Meu anjo, me dá a mãozinha, vamos refletir sobre isso um minuto: se a pessoa votou, ela é cidadã americana. Se ela é cidadã americana, ela não pode ser deportada. Fora o fato de se referir a latino de forma pejorativa… a quem interessar possa, mesmo que sua pele seja transparente, para americano, você também é latino.
Gente rogando morte, estupro, violência, deportação e todo tipo de desgraça. Gente dizendo que a democracia falhou! Quando o candidato que você gosta não ganha a democracia falha? Se eu não soubesse que isso encobre um puta complexo de vira-lata, eu elogiaria a autoestima. O seu candidato é o bom, o correto, o apropriado. O outro tem que morrer, é um lixo, vai destruir o mundo e quem votou nele tem que perder o direito a voto e ser deportado. É o amor vencendo todo dia, meus amigos.
E não importa quantas vezes esses imbecilóides (de ambos os lados) sejam tomados pelo medo de que algo terrível vai acontecer e no final nada aconteça. Eles continuam caindo no medo. O que me leva a pensar que eles têm um enorme ganho secundário no medo: acolhimento, sinalização de virtude, sensação de utilidade no mundo e outros. Se não tivessem o mal para combater, qual seria o propósito dessas pessoas? Pois é.
Patéticos e inconvenientes antes, patéticos e agressivos depois. Esse é o pessoal do amor. É por isso que cada vez menos pessoas votam neles. E é por isso que cada vez mais pessoas votam em qualquer merda, qualquer merda mesmo, para não votar neles. E não entendem o recado. Continuam se achando elite intelectual, corretos, superiores, virtuosos e bondosos. Eu só torço para que o Bolsonaro realmente continue inelegível, se não, 2026 é dele e não vai ter bolinho que reverta.
Para dizer que quando entrar em rede social vai dizer que seu país de localização é a Suíça, para dizer que se nem a Taylor Swift virou voto não seria um brasileiro a conseguir ou ainda para dizer que serão 4 anos muito divertidos: comente.
SOMIR
Logo que o resultado das eleições parecia definido, já começamos a ver reações cada vez mais histéricas. Nas horas e nos dias seguintes do pleito, a internet foi tomada por comentários e vídeos de gente alternando entre fúria e desespero.
Tem uma lição de inteligência emocional que eu já aprendi e repito sempre que possível: não duvide do sentimento alheio. Sentimento é sentimento, ele pouco se importa se você ou a pessoa demonstrando conseguem racionalizar um motivo. Eu não duvido que essa massa de pessoas, maioria dos exemplos vindos de mulheres, esteja realmente tendo a sensação demonstrada.
Porque sentir não é tão difícil assim, na verdade, o grande esforço na criação de um ser humano é ensinar a pessoa a lidar com os sentimentos e saber quando prender e quando soltar. Ser histérico e achar que você está literalmente morrendo com qualquer sensação ruim é algo que os bebês fazem sem ninguém ensinar. Instinto.
O ápice da inteligência emocional não é deixar de sentir, é sentir e ainda sim conseguir construir boas relações e alcançar seus objetivos racionais. Eu digo isso porque quando eu estou falando que percebo algo profundamente errado com essa gente chorando e berrando nos vídeos de redes sociais, não é exatamente uma rejeição a sentir ou a expectativa de que aguentem calados algo que os faz mal.
É o aspecto manipulativo da coisa. Sentimento é algo tão básico que você pode expressar um de verdade no meio de uma racionalização. Ou, de forma mais simples: a pessoa pode realmente estar com vontade de chorar porque o Trump cancelou a segunda primeira mulher presidente dos EUA, desamparo porque provavelmente ele vai atrapalhar muitas das causas progressistas, ou mesmo medo gerado pela máquina de propaganda do outro lado; mas o jeito como expressa seu sentimento com uma câmera na cara entrega o ego assumindo o volante.
“Olhe para mim, estou chorando porque estou com medo pelas crianças trans”, a pessoa claramente está querendo ser vista com esse sentimento e essa racionalização. É um esforço para ser vista com uma imagem específica. Não sei aqui quem já teve uma fase de tristeza ou dor muito pesadas, mas não é muito natural você querer expressar isso para todo mundo ver. Um dos maiores problemas da depressão é que a pessoa tende a se isolar. O povo com raiva, xingando todo mundo, esse eu entendo melhor, porque raiva é um sentimento exibicionista.
Mas chorar copiosamente na frente de uma câmera porque está triste? Tem algo vindo junto, e algo que está na raiz do motivo pelo qual o lado progressista da sociedade anda tomando essas pancadas. Vi vários depoimentos de mulheres irritadas com namorados e maridos porque eles não estavam devastados o suficiente com a derrota de Kamala. Eram compatíveis com elas na rejeição a Trump, mas não expressavam o suficiente e isso as irritava.
Faz tempo que falamos aqui sobre glorificação de descontrole emocional, seja em valorizar gente barraqueira, seja em acomodar demais as pessoas mais desequilibradas da sociedade (a última que mencionamos foram os tais dos Therians). Sim, eu sei que vale para o outro lado, com conservadores mais e mais malucos ganhando plataforma, mas do lado deles existe algum controle e exigência de padrão de comportamento, mesmo que seja um comportamento merda.
O lado que sente vontade de chorar quando Trump perde fica puto da vida, arranja mil desculpas, mas volta para a carga logo em seguida, tentando eliminar os elos fracos e voltar com mais força. O lado que sente vontade de chorar quando Trump ganha… esse começa a disputar entre si para ver quem está sentindo com mais força o baque. Quando você diz que precisamos normalizar fragilidade, mas na verdade começa a incentivar, é isso que você cria.
Então, sem cair na armadilha de falar que todas essas mulheres chorando nos vídeos de redes sociais estão fingindo, eu ainda posso enxergar por trás da máscara. Criou-se uma oportunidade para sinalizar virtude e ganhar pontos sociais dentro do grupo, e essa oportunidade foi aproveitada rapidamente. Se fosse só isso, a gente até poderia relevar como tema. Só que vai mais longe: essa oportunidade de ganhar biscoito na internet começa a valer como compensação.
Porque são anos e anos usando a moeda da pena e da fragilidade. Quem vive de esmola emocional continua pobre da cabeça. E aí o “clube progressista” só exige que você chore bastante quando o homem laranja mau ganhar. Decidiram que o jogo se joga assim, e a cada dia que passa, o movimento acha mais normal perder. Até porque tem um benefício secundário de fazer seu videozinho chorando para demonstrar como você é mais dedicado ao grupo que quem não chorou.
E se nesse tempo todo você foi uma pessoa merda que só julgava os outros pela cor de pele ou sexualidade, se ficou hiperfocada em questões que só tem validade para um minoria de pessoas, se fez de tudo para cancelar todo mundo que discordava de você… tudo bem, afinal, você chorou muito no TikTok depois que o Trump ganhou. Tá pago! Pode continuar sendo como é e é só chorar de novo na próxima pancada que tomar.
Aliás, se você se viciar nesse tipo de atenção e começar a se valorizar exclusivamente pelas causas que defende, será que não tem mais um ganho secundário em continuar perdendo? Quem está no poder assume a responsabilidade pelo rumo da sociedade, tem que fazer escolhas difíceis, é cobrado constantemente e não recebe apoio incondicional quando é incompetente ou deixa o emocional estragar a vida. Essas benesses são do oprimido, e é complicado ser oprimido se você… ganha a eleição.
Não aposto em nenhum plano racional para continuar perdendo os concursos de popularidade políticos, mas numa autossabotagem influenciada pela cultura que recompensa esses derretimentos emocionais na rede social.
Para dizer que eu sou insensível (infelizmente não), para dizer que isso é machismo criticar sentimentalismo de rede social, ou mesmo para dizer que vai gravar um vídeo chorando por causa do meu texto: comente.
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Etiquetas: brasileiro médio, eleições, lacração, Trump
GILCO COLHOS
“O americano não sabe nem apontar onde fica o Brasil no mapa”. Sally, o americano NÃO SABE O SEU PRÓPRIO PAÍS NO MAPA, como atesta este vídeo já famoso, de um trecho do programa do Jimmy Kimmel:.
https://www.youtube.com/watch?v=kRh1zXFKC_o
* Obs: esse vídeo saiu durante o primeiro mandato do Trump, mas há vários outros, de diferentes épocas, que mostram a mesma coisa.
Sally
HAHAHAHAHAHAHAHAHAHA
QUE MARAVILHOSO
Maya
Quem convive com progressista sabe: discordar de qualquer merda já é o suficiente pra ser agressivamente atacado(a). A questão trans mesmo, por exemplo, é uma em que você não pode dizer um A sem receber acusações atrozes de “””transfobia”””. Quanto mais a esquerda abraçar e incentivar esse tipo de histeria, mais vai afundar
Sally
Eu tenho a impressão de que a esquerda sabe, em tese, o que precisa ser feito para voltar a dialogar com o povo. Só não fazem pois não conseguem, estão viciados nessa dinâmica de arrotar virtude e superioridade moral o tempo todo.
Maya
A questão é que precisa haver uma certa humildade pra admitir que errou e tomar novos caminhos: a arrogância, nesse caso, fala mais alto do que o bom senso
Torpe
Só eu lembrei do vídeo “deixe a Britney em paz!”?