A velha ordem mundial.
Então, o que esperar de Donald Trump e dos EUA nos próximos anos?
Economia: mesmo que a maioria de nós não ganhe em dólar, a maioria de nós gasta em dólar, conscientes do fato ou não.
Como o Brasil e tantas outras economias capengas mundiais dependem demais de importar produtos para cobrir os enormes buracos nas suas cadeias produtivas, acabamos pagando em dólar convertido as blusinhas e eletrônicos, mas também indiretamente porque as máquinas e os programas de computador utilizados na nossa produção interna são importados também.
O que Trump fizer por lá fatalmente nos impacta aqui. O que Trump vai fazer? Em defesa do maluco que voltará à Casa Branca, ele não é de voltar atrás nas promessas. Ele realmente tenta fazer o que disse que ia fazer na campanha, o muro que queria construir entre EUA e México não foi para a frente porque era uma ideia imbecil que custaria um absurdo (e óbvio que o México não pagaria por ela), mas não porque ele não quis fazer.
E Trump prometeu sobretaxar todas as importações no país. Embora novamente seja uma ideia imbecil que vai custar um absurdo, dessa vez ele foi mais esperto (ou deu sorte), porque é uma coisa que o presidente pode fazer na base da canetada. Não depende de um estudo de viabilidade, não depende nem de viabilidade, é só mandar começar a cobrar os 10% a mais de tudo o que é importado e pronto, os preços de importados nos EUA sobem os 10%.
Eu acredito que ele vai fazer isso mesmo. E aí os impactos são globais. Com os importados ficando mais caros, o imenso mercado americano fica menos competitivo para outros países. O que pode até dar jogo para a China, que tem mais liberdade de mexer nos seus preços para continuar chegando lá mais barato que a concorrência, mas vai ser bem mais complicado para países como o Brasil: índio vende ferro e soja, porque índio só sabe tirar coisa do chão e colocar em barco, mas são duas coisas que eles também produzem aos montes por lá.
Se os EUA conseguirem subir sua produção interna para aproveitar a medida protecionista, o Brasil e outros países que só sabem vender commodities estão com problemas. Soja não tem marca, soja é soja. Se a soja americana estiver 10% mais barata que a brasileira, não tem o que fazer. Ou vende mais barato para compensar, ou foca mais em outros mercados.
Países como Alemanha e Japão não vão ficar felizes, mas seus produtos têm uma grife e até mesmo vantagens técnicas sobre o que é feito nos EUA. Eles vão chiar, mas provavelmente os americanos pagam o extra para continuar usando seus produtos. Mas como eu disse antes, efeitos globais: Trump tem algum método na sua loucura, pelo menos na parte comercial. Ele quer criar essa taxa para começar a negociar acordos com outros países de novo. Você sobe o preço para todo mundo, e quem tiver força que lute para manter o preço antigo. Pode ser que o Japão consiga negociar de volta os preços, mas países como Brasil? Não vai ser simples. Não temos nada aqui que eles só podem comprar da gente. Havaianas? Não impacta a economia deles.
Países com economias interessantes para os EUA vão achar um jeito, países mais fracos vão engolir o sapo. E engolir o sapo pode vir até mesmo na forma de devolver a taxação. Imagino Lula tendo um ataque de pelanca e colocando taxa de importação de 10% dos EUA de volta. E como a gente depende mais deles do que eles dependem da gente… isso vai cair no seu bolso. O presidente faz pose com seu dinheiro, engolimos o sapo por ele.
O que pode e deve acontecer é o motivo pelo qual a taxação de Trump é uma ideia imbecil: não pelo motivo imediato de ter mais margem de negociação que ele pensou, mas pelas consequências na segunda maior economia do mundo. A China vai ver essas taxas e tentar engolir o mercado perdido pelos americanos, tanto de compra como de venda.
Vai ser mais vantajoso vender matéria-prima para os chineses do que para os americanos. Vai ser mais vantajoso para o consumidor final comprar produtos chineses, porque não vai ter a “taxa da vingança” que muitos governos vão implementar contra os EUA. E se os chineses quiserem tocar o terror mesmo, vão subsidiar 11% do preço dos seus produtos, só para quebrar o plano do Trump e acabarem muito mais baratos no mercado americano que qualquer outro país.
Trump ganha um pouco agora, mas provavelmente cede o espaço de maior economia do mundo para os chineses em menos de uma década. Como ele não liga para o que acontecer depois de terminar o seu mandato, nunca mais vai poder ser presidente (nos EUA, ninguém pode ser presidente mais que duas vezes na vida), aposto que isso não vai fazê-lo mudar de ideia.
Então, estamos na mão da China: se eles quiserem entrar na guerra fiscal e baixar os preços mundiais, o Brasil só perde. Mas se eles aceitarem a estratégia de Trump e deixarem os preços das commodities subirem, aí sim pode dar certo para o Brasil: entra mais dólar se o preço de ferro e soja subirem mundialmente. Petróleo a gente exporta, mas importa também, então fica no mesmo a não ser que fiquemos autossuficientes logo. Se aumentarem os preços, o Brasil recebe mais dólares e isso baixa a pressão na cotação, fazendo com que baixe um pouco do nível absurdo atual.
Ainda na economia, a tendência é que os juros baixem nos EUA, o que é bom para o Brasil. Mas isso não depende de Trump, o banco central deles é independente. Aliás, pode até ser que ele atrapalhe se fizer alguma besteira que aumente a inflação. Que nem no Brasil, quando inflação sobe, juros sobem. Juro alto nos EUA faz mais dinheiro ficar preso lá, juro baixo nos EUA faz mais dólares virem para economias como a brasileira.
Resumindo: não fizemos nossa lição de casa em 500 anos, somos dependentes do dólar para tudo e não temos força para negociar nada de muito bom com eles. Os democratas não ligavam para o Brasil, os republicanos nem sabem que o país existe.
Imigração: outra promessa imbecil de Trump tem a ver com a deportação em massa de imigrantes ilegais (atualmente ilegais ou que se tornariam ilegais por novas leis passadas por ele). Ele deve tentar fazer isso, mas é mais na escala do famoso muro que não construiu, estima-se milhões de imigrantes nos EUA que poderiam ser deportados.
E é claro, você precisa de toda uma estrutura para tirar milhões de pessoas do seu país. Nem os nazistas literalmente matando o público que queriam tirar da sua sociedade conseguiram fazer funcionar direito. Fazer alguma coisa direta com uma pessoa dá trabalho. Com um milhão dá um milhão de trabalhos.
Para o Brasil isso não impacta tanto, porque mesmo que seja uma tristeza receber de volta a gentalha que vai para Orlando ou Miami, não faz diferença de forma demográfica ou econômica aqui dentro. Agora, alguns países, especialmente na América Central, devem sofrer. Um dos que devem estar suando frio é o Bukele de El Salvador: a economia do país do “herói da direita latina” é baseada em receber dinheiro dos expatriados. Se Trump começar a deportar salvadorenhos, ele recebe um monte de gente sem dinheiro e de repente ninguém mais consegue comprar Bitcoin ou pagar imposto. Seria no mínimo irônico ver o país dele derretendo por causa do Trump.
O povo que tirou dinheiro do bolso para fazer outdoor pedindo voto para o Trump no fuckin’ Brasil vai passar pelo menos 4 anos impedido de se mudar para lá. Os democratas realmente fizeram besteira nas fronteiras e o país aceitou imigrante (pobre) demais. Os americanos não estavam putos com Biden e Kamala só porque não gostam de gente morena. Aliás, os latinos que já moram lá foram um dos públicos mais engajados de Trump. Seja você imigrante ou filho de imigrante, isso não quer dizer que você quer mais imigrantes entrando no país. Os latinos votaram no Trump mesmo sendo xingados por ele, porque no final das contas, quem já está lá se considera americano como todos os outros.
Mas espere mais escândalos de tratamento desumano, porque o povo desesperado que quer entrar lá vai continuar se arriscando e Trump com certeza vai incentivar ou no mínimo fazer vista grossa com grupos de justiceiros que patrulham as fronteiras com o México. O povo que está vindo por aí com ele é uma versão turbinada dos que vieram no primeiro mandato. Vai ser feio, mas eu acho que ele consegue controlar bem melhor a fronteira.
Resumo: vai ser que nem o muro. Vai ver quanto custa e vai fazer só algumas coisinhas pontuais para alegrar seus fãs. E vai ser mais difícil entrar nos EUA por algum tempo.
Guerras: Ucrânia vai ser obrigada a enfiar o galho dentro e ceder território, a Faixa de Gaza vai virar Israel. Trump gosta de Putin e Netanyahu, mas nem vai ser por isso: ele se vendeu como candidato que ia parar de enviar jovens americanos para as guerras, e até mesmo por questão de ego, vai querer a notícia de que parou as guerras.
O segredo dele? Fodam-se os ucranianos e palestinos. Se você deixa de se importar com o papel de polícia mundial, as coisas meio que se resolvem. O forte vai passar por cima do fraco. Sem o dinheiro e as armas americanas, os europeus não seguram o tranco de dar suporte para a Ucrânia sozinhos. Trump já começou a falar sobre o que quer fazer: criar uma zona desmilitarizada onde acontecem os conflitos entre Ucrânia e Rússia, efetivamente cedendo para os russos a maior parte do território invadido, e fazendo a Ucrânia prometer que não entra na OTAN por mais 20 anos.
A Rússia aceitaria. Claro, com um pouco de charme, tentando arrancar ainda mais território, mas está totalmente dentro do que Putin pode usar na máquina de propaganda interna dizendo que venceu a guerra. Nesse ponto, Trump é bem parecido com Lula, mas com poder real: quer a cena dele terminando a guerra, mesmo que isso signifique forçar a Ucrânia a ser injustiçada. Lembrando que Putin queria a Crimeia, que já tinha, e a faixa de terra no litoral ucraniano até a Crimeia, para não depender de só uma ponte para chegar na península. Tudo o que veio a mais na invasão foi lucro, e Trump deve ajudar os russos a consolidarem esses lucros.
Existe uma chance de a Rússia fazer doce demais e o Trump liberar o uso de todas as armas da OTAN para a Ucrânia inclusive no ataque. Isso seria mais para dar uma cutucada no Putin do que propriamente uma mudança na guerra, porque todos agora sabem que a torneira vai fechar e o dinheiro que sustenta a defesa ucraniana vai acabar. É só mesmo questão de a Ucrânia perder logo ou teimar um pouco mais depois de perder. O apoio americano não vai durar, não o suficiente para a Ucrânia aguentar até voltar um democrata ao poder.
Já Israel provavelmente vai ganhar carta branca para fazer o que quiser com os palestinos e outros árabes ao seu redor. Trump é do time Arábia Saudita, mas os sauditas já sabem como se virar com Israel, não chega a ser amizade, mas eles já tem seu acordo de um não mexer com o outro. Ou seja: se Israel não mandar mísseis para a península arábica, vai ficar livre para explodir quem mais quiser.
O que eu prevejo é Trump ser mais duro com os israelenses na questão do Irã: se começa uma guerra entre os dois, uma explícita mesmo, Trump sabe que não tem como não enviar soldados para defender os judeus. E tudo o que Trump não quer é ficar mandando soldado para outras partes do mundo. Netanyahu e similares podem fazer o que quiserem sem repercussão negativa dos americanos desde que: mantenham Arábia Saudita quieta e não forcem uma guerra total com o Irã. Duas coisas que os israelenses já concordam.
A Faixa de Gaza deve começar a ser ocupada por israelenses nos próximos 4 anos, tempo suficiente para colocar o pé lá dentro ao ponto de nenhum outro governo americano ter como desfazer depois. Eu realmente acho que dessa vez acabou esse território, pelo menos na prática. Pode até continuar nos mapas, mas Israel vai colocar gente e construções lá dentro até os palestinos virarem minoria. O mapa da Palestina é completamente falso: Israel já desfez boa parte da Cisjordânia, sem alarde, um colono por vez. Seus netos só vão ver Israel no mapa. E spoiler: esse sempre foi o objetivo.
Taiwan? Vai continuar sendo Taiwan. Os chineses são espertos, sabem que chamar Trump para concurso de “machão” vai ser péssimo, eles tem economia rodando ainda para não precisar de algo desesperado como uma guerra. Vão esperar um governante bem fraco sem potencial de maluquice como o homem da cara laranja.
E no resto do mundo, divirtam-se! São quatro anos para fazer guerra sem os EUA enchendo o saco, a não ser que seja muito fácil massacrar o adversário e o Trump ache divertido, como por exemplo a Venezuela invadir os territórios das empresas americanas de petróleo na Guiana. Essas ele ainda vai topar entrar para deixar “os menino brincá” e fazer girar a economia de contratos do exército. Mas de resto? Que se explodam.
Resumo: Ucrânia se fodeu, Palestina acabou na prática e sempre que possível, Trump vai evitar mandar soldados para lutar em qualquer outro lugar do mundo, excelente hora de massacrar seu próprio povo ou mexer com vizinhos que não tem petróleo.
A gente já viu o que acontece com Trump no poder, ele deve ser mais maluco dessa vez, mas sempre lembrando que ele está nessa pelo dinheiro e pela bajulação. Não vai derrubar as estruturas que permitem isso. Quem te disser mais que isso está imaginando demais e lembrando de menos.
Para dizer que ele vai salvar o mundo (discordo), para dizer que ele vai destruir o mundo (discordo), ou mesmo para dizer que ele vai ser inútil mas engraçado (concordo): comente.
Desfavores relacionados:
Etiquetas: economia, Estados Unidos, EUA, imigração, Israel, política internacional, Trump, Ucrânia
GILCO COLHOS
No fim, as coisas só mudam pra ficarem as mesmas. Ou piores…
Anônimo
De maneira geral ficou melhor, não foi? Pelo menos acaba logo esse ranho de guerra de Ucrânia e Palestina, pega logo o território e já deu. A Rússia ameaçou cortar os cabos da internet que ficam no mar, como ficaria o meu pix? Além do que eu adoro a China com suas falsificações baratinhas que eu compro na Shopee, acho justo os caras se darem bem economicamente. E o Trump é mesmo muito divertido.
Paula
Em relação a Ucrânia, acredito que a UE ganhou uma briga de cachorro grande. Eles não podem arcar com os custos de deixar a Rússia vencer. Provável que acabe perdendo território mesmo assim, mas não sem uma tentativa desesperada de vencer a guerra ainda antes que a gestão do Biden acabe. Concordo com você em relação a Israel.
Por mais que Lula vá choramingar com o Trump, tenho certeza que vão se dar bem a médio prazo. Gostam dos mesmos ditadores, têm egos parecidos, Lula é tão preconceituoso quanto. Capaz de entrar no clubinho do Trump com o Putin e virar cheerleader deles.
Torpe
Da Ucrânia não é tão simples.
Não é que a Europa não quer ajudar, é que (1) Ela não quer (um exemplo foi aquela babaquice da Alemanha ano passado dando desculpa pra não repassar as armas já prometidas pelo que muito julgam puro racismo – não tinha motivo mesmo, era mesquinharia puta) e (2) a OTAN (sei lá porque) está acreditando nesse blefe tosco do Putin de bomba atômica e fazendo de tudo pra fingir que a Rússia não está praticamente cagando na cabeça dos membros pra não entrar no meio.
Uma das coisas que “segura” a Ucrânia é que muitos países que cederam armamento não permitem o uso em ofensivas (o maior deles os EUA). Se for pra manter na defensiva, a Ucrânia ainda consegue se segurar por um bom tempo.
É capaz do Trump cagar tudo? Sim. E é capaz da França e Alemanha crescerem o peito em seus feitos querendo vingança pelos seus megalomaníacos passados.