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Desdizendo.

A militância, para ambos os lados, não para de passar vergonha. Ou, pelo menos acreditávamos que eles deveriam sentir vergonha. Não sentem. É uma sequência bizarra de reclamar da sujeira e começar a passar pano nela logo depois, primeiro com as medalhas e depois com relógios roubados…


Sério, tá feio, parem com isso. Desfavor da Semana.

SALLY

Que fique claro: eu mesma sou a favor da isenção de imposto sobre prêmios que impliquem em uma notória contribuição para melhorar a imagem do Brasil no exterior ou um feito notável. Ganhou um Nobel? Não tem que tributar. Foi o melhor atleta em todo o mundo naquilo que faz? Não tem que tributar.

“Mas Sally, todo profissional paga imposto!”. Sim, inclusive os atletas, que pagam imposto de renda sobre seus ganhos mensais. Assim como médico, advogado ou engenheiro, atleta paga imposto sobre seus rendimentos mensais. Mas se um médico ganhar um Nobel, eu não acho que ele tenha que pagar imposto sobre esse prêmio. O mesmo vale para medalhista olímpico. É um incentivo para buscar excelência e querer ser o melhor do mundo.

Uma premiação muito difícil de conseguir, que abre portas (muitas gerações entrarão para a ginástica artística por causa dessas meninas medalhistas) e que eleva o nome do país no exterior não deveria ser tributado. Pessoas que conseguiram esse grau de excelência merecem ficar com 100% do seu prêmio. Mas, não faz muita diferença para o tema de hoje, não importa o que você defenda, não é sobre tomar lado, qualquer lado é válido. É sobre ser coerente.

Percebam que esta caralha de governo até quando acerta erra. No mérito eu concordo com a isenção, mas, da forma que foi feita, só consigo sentir vergonha alheia.

Primeiro que não foi espontâneo, foi claramente atendendo um clamor de redes sociais para tentar melhorar a imagem de um governo que dá as mãos para ditador (russo, venezuelano e tantos outros).

Segundo, isso não se faz via Medida Provisória, que se destina a situações de caráter relevante e urgente. Não é uma catástrofe, não tem gente morrendo, não há prejuízo em se fazer pelas vias normais. Mas Lula quis fazer já, no calor do momento, para capitalizar popularidade e melhorar sua imagem. E na ânsia por surfar na onda das atletas brasileiras, mais uma vez ele meteu no cu da própria militância.

Durante a semana surgiram vários memes do Taxad (uma versão do Haddad que está sempre taxando os outros) rindo do percentual que o Governo embolsaria com o prêmio dos atletas. Muita gente criticou, dizendo que era um absurdo o Estado meter a mão nesse dinheiro. A militância recebeu um briefing dizendo que era para defender o imposto com o argumento “todo profissional paga imposto, não faz sentido que seja diferente para o atleta” e que criticar esse imposto era “manipulação de bolsonarista”

Sim, isso mesmo que você leu. Não foi um pensamento espontâneo. Uma massa de pessoas (muitas pessoas) que recebem pagamento mensal para encher redes sociais com frases e argumentos planejados pelo Governo recebeu ordem de defender a taxação de atletas nesses termos. O próprio Governo e seu escroto gabinete que cuida disso enviou por e-mail esse briefing.

Já seria bem nojento até aí. Mas piora. Os energúmenos ficaram defendendo compulsivamente que era desejável taxar prêmio de atleta e quem falava o contrário era bolsonarista, até que, 48h depois de receberem esse script e passarem o dia todo postando isso, o Lula vai solta uma Medida Provisória isentando atletas de taxação.

No começo, confesso, eu ri. Eu ri da ginástica argumentativa que influencer pago para propagar discurso governamental teve que fazer para sair do “tem que taxar sim” para o “viva o Lula que não taxou”. Até o Felipe Neto, que entre todos, costuma ser aquele com mais habilidade de manipulação, passou sua cota de vergonha.

Mas depois que a graça inicial passou eu percebi algo meio triste: essa militância pode fazer o que quiser impunemente, pois o brasileiro médio é incapaz de perceber contradição, incoerência e hipocrisia. E o PT é capaz de fazer o que quiser com a militância, pois não importa o quanto traia sua confiança, os jogue no fogo ou meta do cu deles, todos continuam ali, pois são muito bem pagos: tem vagabundo ganhando seis dígitos por mês para entrar em rede social e ficar repetindo o briefing que o Governo manda por e-mail.

Vejamos a postagem do Felipe Neto, que ilustra este texto: em 06 de agosto, se você é contra a taxação dos atletas, você é manipulado pela extrema-direita. Em 08 de agosto, bolsonaristas chorarão no banho por Lula ter isentado os atletas de imposto. Vocês conseguem perceber a esquizofrenia? Se você consegue, parabéns, a maior parte das pessoas não consegue.

Não é só a contradição, é a doença mental de atribuir tudo que há de crítica ou atitude condenável à “extrema-direita” e a “bolsonarista”. Não é só a contradição, é a doença mental de se auto enganar que estão fazendo isso por um bem maior, para combater a extrema-direita, para serem arautos da democracia, quando todo mundo sabe que a maioria faz é pelo dinheiro mesmo.

Seis dígitos de pagamento mensal para repetirem à exaustão, feito um papagaio o que lhes é pedido. Convenhamos, a maioria ali nunca ganharia esse valor com um trabalho honesto. Não que a gente ganhe isso por mês, nem perto, mas ao menos temos a decência de não vender nossas opiniões nem monetizá-las.

Não é a primeira vez que Lula faz isso com sua militância. Jurou para todos, inclusive para Felipe Neto, que vetaria a taxa sobre compras de importados (Felipe, por sua vez, assegurou ao mundo que isso não haveia taxa em suas redes sociais) e depois, no último minuto, aprovou a taxa. Todos os influencers que juraram que não ia ter taxação ficaram desmoralizados.

Se fosse por amor ou convicção, a maior parte desses influencers não defenderia mais esse governo pois ele de fato não é confiável nem mesmo com os seus aliados. Mas, como a maioria o faz por dinheiro, quem se importa? A gente. Só.

Vai passar uma semana e isso será esquecido. Hoje, no Brasil, não há prejuízo para a imagem de uma pessoa se ela mentir descaradamente, for flagrada na mentira e fingir demência, esperando apenas o tempo passar. O tempo apaga tudo. A mentira fica impune, acredito inclusive que está se transformando em um modo de funcionar.

É terrível o papel que essas redes de MAVs (Militância em Ambientes Virtuais) ou Gabinete do Ódio do Bem estão desempenhando: traídos pelo próprio Governo que dizem defender e zero incomodados com isso. Total falta de vergonha na cara e amor-próprio. É terrível ver um Governo com cada vez mais traços de autoritarismo, sem que isso seja percebido pela maioria, pois o Governo se afirma defensor da democracia. É terrível ver que ninguém tem mais forças para se indignar e reagir.

Tá vergonhoso para todo mundo, inclusive para quem assiste e não fica indignado, não aponta o dedo e acusa a fraude e não faz a sua parte para que essa bosta não continue. Todos vocês podem fazer algo a esse respeito. O que você está fazendo?

Para dizer que se for contra a taxação de prêmio de atleta é bolsonarista, para dizer que se for a favor da taxação de prêmio de atleta é bolsonarista ou ainda para dizer que se não elogiar o Governo do Amor de acordo com briefing enviado por e-mail é bolsonarista: comente.

SOMIR

Depois de ouvir a militância lulista passar sei lá quanto tempo chamando Bolsonaro de ladrão de relógio, lá vai o TCU dizer que o relógio que Lula roubou, na verdade não roubou. Ou no máximo foi um roubo democrático. O sistema se protege, isso não é novidade. Como Lula ficou na linha de fogo, tudo bem beneficiar o Bolsonaro por tabela. Se fosse só mais uma decisão do poder constituído para livrar a cara de poderosos, mal nos chamaria atenção.

Mas será que o povo que fica lambendo as botas de político na rede social não cansa desse ridículo? Todo dia um 7×1. Vai lá, fica batendo no inimigo da vez, e logo depois surge um escândalo quase igual do seu político de estimação. Imagino que Felipe Neto e seus comparsas do “Gabinete do Ódio Democrático” devam estar recebendo bem, muito bem. Porque a vergonha é enorme.

Ou… talvez essa coisa de vergonha de passar atestado de imbecil seja uma característica incompatível com a nova política. Porque como dito no primeiro parágrafo, o sistema se protege e não é algo novo não ter vergonha de ser pego roubando. Muitos de nossos políticos mais folclóricos tinham fama de ladrões contumazes.

Mas eu percebo uma diferença no passado: as pessoas tinham mais restrições a fazer esse papel de otárias defendendo os bandidos de terno e gravata. Assumiam que estavam nessa pela falcatrua, mas sem essa pose toda de salvadores da humanidade. Eu não sei se era um senso de ridículo maior ou se não tinha tanta vantagem assim em fazer essa pose de imbecil defendendo político de estimação.

Como o discurso político ficou mais virulento, talvez já estejamos num tempo em que a conta fecha: com redes sociais e a velocidade de transmissão de informação, está compensando passar vergonha para aumentar o engajamento. Quanto mais descompensada a pessoa, maior o número de descompensados que ela atrai, gente que vai espumar de ódio na internet e trabalhar de graça espalhando a mensagem do influencer. Seja a favor ou contra.

Influencers fazendo esse papel de imbecil defendendo um lado ou outro e logo depois tendo que se desdizer para defender o corrupto de merda que estão defendendo… algo que é politicamente e economicamente viável. Pode ser o conceito de Janela de Overton no quanto se pode ser um cretino: a cada escândalo dos incorrigíveis corruptos defendidos por eles, fica um pouco mais normal defender o indefensável. Começa com “ele não rouba”, vai para “ele rouba menos” e eventualmente desaba em “ele rouba mais, mas é melhor”.

Se o espectro político brasileiro vai de corrupto de esquerda a corrupto de direita, é como se o conceito de corrupto sumisse da mente do povo. O que é igual se cancela e sobra a alegoria ao redor do ladrão de dinheiro público. As pessoas se acostumam com a cara de pau total em desviar recursos públicos e partem para discutir quem deveria ficar com o dinheiro roubado.

Aí, roubar presente da presidência brasileira para uso pessoal depende exclusivamente de você querer ou não que o ladrão usufrua do que roubou. Influenciadores de esquerda e de direita normalizam o crime ao fingir que esse nem é um ponto importante, fazendo você olhar para outros elementos e te forçar a escolher seu bandido de estimação.

Tem os que recebem para fazer isso, mas muito me impressiona quanta gente dá plataforma e engajamento para esses vendidos por acreditar nessa baboseira de que você tem que tolerar um bandido ou o outro. Não precisa ter medo de escolher o lado errado se os dois lados te parecem errados. Fodam-se vocês corruptos políticos e influenciadores do mesmo jeito. Quem ganha mesada de dinheiro público para falar merda na internet está roubando dinheiro de escola, hospital e policial do mesmo jeito.

Não só a pessoa vira voluntária de defesa de um político ladrão, mas adiciona o influencer para ter dois. São camadas de apologia à corrupção. E talvez nessa transfixação em estar do “lado certo”, nem percebem que basicamente poderiam estar em qualquer lado desse estádio. Torcida da casa e torcida visitante separadas pelas cores de uma bandeira, mas que no final das contas estão gritando para a mesma coisa acontecer.

O maior truque da política é fazer você acreditar que existem lados bem definidos. O que existe são planos, metas, estratégias, prática… o discurso é só discurso. Um dos poucos julgamentos da vida real que ainda acontecem na política são preços de alimentos, gasolina, aluguel… porque todo o resto parece estar misturado de forma confusa em ideologias superficiais, cada vez mais centrais ao discurso dos filhos de mil putas sifilíticas que recebem dinheiro de situação ou oposição para mentir na internet. Porque essa gente recebe dinheiro público do mesmo jeito: seja com desvio de função de verba administrativa do governo ou desvio de função da verba partidária que só aumenta todo ciclo eleitoral.

E quanto mais esse povo fica batendo e defendendo a mesma coisa com apenas alguns dias de separação, mais o que configura política na mente do cidadão médio vira essa conversa bizarra “pós-corrupção”, como se os crimes óbvios dos políticos fossem uma banalidade, e o importante mesmo seja a posição sobre como pessoas podem ou não podem fazer sexo.

Para dizer que somos pagos pelos centristas, para dizer que só é roubo se você não gostar, ou mesmo para dizer eles só mudaram de opinião: comente.

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influenciadores, política

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