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Cérebros podres?

Cérebros podres?

| Somir | | 6 comentários em Cérebros podres?

As eleições americanas passaram por semanas espetaculares para a mídia, primeiro Trump toma um tiro de raspão na orelha, faz seu show na convenção do partido, depois Biden desiste e coloca Kamala Harris no lugar. Notícias que dariam conta de tornar a corrida presidencial memorável por séculos, mas que hoje… alguns dias depois dos fatos, já ficaram velhas. Tem alguma outra coisa aí para colocar no feed?

Essa velocidade alucinante na qual consumimos… melhor, devoramos as notícias, já parece ter entrado na mente das pessoas. Falamos sobre gerações sem capacidade de foco e aprofundamento, falamos sobre “cérebros apodrecidos”, sobre como as pessoas estão ficando radicais, intolerantes. E sim, são coisas que podem ser percebidas.

Como somos humanos, a nossa tendência é nos colocar como o motivo das coisas. O que queremos define como o mundo é. Se a sociedade começa a mastigar e cuspir notícias grandiosas como se fossem dancinhas de TikTok e arrastar para a próxima, é claro que é isso que o ser humano queria fazer.

Estamos tão neuróticos e imediatistas que em um ou dois dias qualquer coisa fica chata. A polarização é resultado direto de pessoas sem inteligência emocional querendo estar certas sem o esforço necessário de aprender sobre o que estão falando. O drama das redes sociais nos faz reagir de forma exagerada e ficar sem condições mentais de lidar com as coisas com equilíbrio.

Mas você já parou para pensar na ordem dessas coisas? O mundo vive nesse ciclo de notícias insano porque é isso que queremos ou é isso que queremos porque vivemos nesse ciclo de notícias insano? Porque existe uma outra forma de nos enxergar: como resultado da nossa tecnologia. Muito menos conscientes dessas escolhas do que gostaríamos de ser.

A internet criou um novo mercado de mídia, um sem barreiras de entrada. Se você quisesse aparecer para milhões de pessoas antigamente, dependia de gente que já tinha o acesso à TV, rádio e outras mídias. Agora basta ter um smartphone. Em poucos anos, o número de criadores de conteúdo (original ou copiado) aumentou exponencialmente. Isso mexe na velocidade de consumo da informação.

Não só na sua velocidade de consumo, no caso da tentativa de assassinato de Trump eu já estava vendo vídeos do atirador minutos depois; mas especialmente na velocidade na qual o conteúdo é consumido pela mídia. Milhares de produtores de conteúdo falavam sobre o assunto ao mesmo tempo, e quem chegasse mais rápido ganharia mais visualizações.

A notícia acontece e morre. O fato vira uma espécie de carcaça que vai sendo consumida por quem trabalha com isso. Tem uma diferença enorme entre a notícia de décadas atrás que era cutucada aos poucos por meia dúzia de aves de rapina e a notícia atual que é atacada por milhões de piranhas imediatamente.

Por causa da tecnologia da internet, velocidade é fundamental. Se o jornal da TV demorar meia hora para revisar um acontecimento, ele vai estar atrasado para as melhores partes. Se ele esperar até a edição da noite, vai ter apenas os ossos. E até o ciclo das opiniões é mais curto. Imagina só alguém querer falar sobre o atentado contra Trump agora? Aquela coisa que aconteceu alguns dias (vinte anos) atrás?

Será que nós enjoamos da notícia mais rápido ou será que a notícia acaba mais rápido? O estado mental humano mudou por algo que vem de dentro ou por algo que vem de fora? Pensem comigo: quanto mais pressa, maior a tendência a ficarmos ansiosos e nervosos. Tem diferença enorme entre ter que resolver uma coisa em duas semanas ou duas horas. Imagine só viver num mundo onde as pessoas demoram dois minutos para se informar e tomar uma posição sobre alguma coisa, não importa quão profunda ela seja?

Imagina viver ao redor dessas pessoas o tempo inteiro, se informar a partir delas, fazer seu senso de realidade através dessas reações? Sinceramente, é um milagre se você não acabar com crise de ansiedade e defesas psicológicas clássicas como radicalização. Quanto mais gente entra nesse estilo de vida “terminalmente online”, mais gente entra nessa pilha de nervos do ciclo de notícias.

E a sensação que eu tenho é que não é uma escolha consciente ficar desse jeito se você tem acesso constante à internet. Quanto mais você consome esse conteúdo rápido, mais ele se torna o padrão da sua mente. Exemplo bobo, mas relevante: eu não consigo mais ver filme com intervalo. Eu via numa boa quando era criança, onde eu tinha ainda menos foco de atenção, mas depois de adulto com o costume de VHS, DVD e eventualmente streaming, eu fico puto da vida em ter que esperar algo aleatório para continuar vendo meu filme ou série.

A gente se acostuma muito rápido com o que é mais viciante. Estímulo cerebral de rede social é cocaína pura. E esse foi virando o padrão de cada vez mais veículos de mídia. O ciclo de notícias está acelerado mesmo, porque é mais divertido assim, e porque a concorrência explodiu: são muitas opções, e quem condensa mais valor para a plateia no menos espaço de tempo (tanto em duração quanto em rapidez para falar do assunto do momento) consegue mais sucesso financeiro.

Se uma tempestade solar matasse a internet, eu realmente acredito que até ela voltar, ficaríamos mais calmos e menos polarizados. O que não quer dizer que estaríamos curados, assim que a loucura de consumo de conteúdo voltasse, rapidamente nos adaptaríamos. Eu realmente coloco a tecnologia que criamos ao redor do ciclo de notícias como mais culpada pela forma como agimos do que alguma coisa interna. O ser humano fica “loucaço” se consumir drogas, e ele fica “polarizadaço” se consome esse ciclo de notícias que enjoa de coisas gigantescas em poucos dias.

Como você nunca vai me ver pregando atraso tecnológico, é evidente que eu estou falando sobre aprendermos a lidar com esse mundo. Apesar de não achar que algo mudou na mente do ser humano para ficar do jeito que estamos vendo atualmente, apesar de achar que é o smartphone fazendo isso com mentes despreparadas, a única solução razoável é preparar essas mentes. Porque a gente não vai voltar atrás na tecnologia, é estimulante demais. Ou as pessoas aprendem a não entrar nessa paranoia ou o mundo continua nesse caminho.

Há muita sabedoria naquelas pessoas que simplesmente não se importam com o drama da vez da internet (que agora vaza diretamente na grande mídia), gente que nem sabe quem é o tal do Elo Mosca, quem é o tio lá da Rússia que solta as bombas, que acha que Alexandre de Moraes é um sambista… ignorância não é uma bênção, mas ter calma sobre o que acontece no mundo é.

A gente fica com pressa de consumir conteúdo e de acabar com ele o mais rápido possível, o que muitas vezes nos força a ter visões superficiais sobre os temas. E talvez seja melhor não saber sobre a última notícia do que ter esse tipo de visão imediatista sobre ela. Existe uma controvérsia sobre a questão das bolhas das redes sociais: que as pessoas ficam nervosas não porque só veem o que concorda com o ponto de vista delas, mas porque estão sempre vendo posições discordantes, bater no adversário é conteúdo que gera muita visualização, então a tal da bolha na verdade é ficar tocando o terror na pessoa o dia todo falando de quem é diferente e de quem “quer o mal dela”.

Do que a direita fala? Sobre como a esquerda é ruim. Do que a esquerda fala? Sobre como a direita é ruim. Então, dentro da sua bolha tem muito mais estresse e drama do que fora. Tudo urgente, tudo prestes a acabar com a sociedade como conhecemos. E aí o ângulo tecnológico: tudo muito fácil de produzir com um smartphone na mão e uma teoria da conspiração na cabeça. Essas bolhas de pânico vão se perpetuando e definindo o que tem sucesso ou não na grande mídia. Tem dinheiro, status e poder disponíveis, as pessoas vão querer pegar.

E nós somos tão vulneráveis a essa neurose coletiva quanto nos entregarmos à velocidade do ciclo de notícias. O quanto acreditarmos que precisamos mesmo saber sobre tudo o que acontece o mais rápido possível, e pior, que temos que tomar decisões pelo futuro da humanidade toda a cada uma delas. Não temos que ter opinião imediata sobre as coisas, não é crime não conhecer uma pessoa ou saber que algo aconteceu.

Isso é um efeito colateral esperado de ter o mundo berrando na palma da sua mão. Isso é tecnologia mexendo com modo de vida, não é o ser humano piorando (nem melhorando), se você acha que está ficando com problemas de saúde mental por causa de redes sociais, cuidado para não achar que você está estragado, com cérebro apodrecido, nem nada disso.

A nossa mente no máximo está inflamada, mas não estraga por causa disso. Se estiver muito ansioso(a), pode ter esse elemento externo da urgência desnecessária da internet te contaminando. A mente em si não estragou, é só cuidar dela. Se quiser desligar o smartphone um pouco, mal não faz, se quiser fazer terapia, sempre tem algo de positivo para tirar dela, se quiser continuar louco(a) no ciclo de notícias, só é importante lembrar que é uma droga viciante e o mercado dela gira bilhões e bilhões, ninguém vai te proteger dessa ansiedade a não ser você.

Para dizer que foi muito texto pra pouca informação, para dizer que foi muita informação pra pouco texto, ou mesmo para dizer que eu deveria fazer um vídeo sobre isso: comente.


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