Novo ou velho problema?

O ser humano é complicado, o ser humano dá trabalho. Sally e Somir concordam com isso, mas na hora de decidir em qual idade são mais problemáticos, a conta não fecha. Os impopulares emprestam seu tempo.

Tema de hoje: o que é pior, o jovem despreparado para a vida adulta ou o idoso que não sabe zelar pela própria segurança?

SOMIR

O jovem é sempre pior. A natureza, nada sábia, não oferece capacidade física e experiência em doses parecidas. Na verdade, ela faz ao contrário. O jovem é uma máquina de impactar o mundo sem o cérebro necessário para ter esse poder. O idoso tende a ser controlado pela própria deterioração fisiológica.

Temos que lembrar aqui que estamos falando de seres humanos em geral, da mesma forma que não faz sentido comparar um jovem especialmente maluco com um idoso especialmente racional e razoável, não dá para fazer o inverso. Vamos pensar na média das pessoas. Jovens tendem a ser mais irresponsáveis que idosos, e não é um ou outro exemplo específico da sua vida que muda a regra.

Na verdade, é biologia. As partes do cérebro responsáveis por pensamento de longo prazo se desenvolvem mais tarde. A pessoa mais velha tem o equipamento necessário para ser mais responsável. O jovem não. Isso não quer dizer que idade seja garantia de responsabilidade, mas quer dizer que entre alguém que tem o desenvolvimento cerebral para uma atividade e quem não tem, é óbvio que vamos esperar mais de quem tem.

O ser humano médio não é lá muito brilhante, existe pouca pressão seletiva para colocar inteligência e pensamento futuro como prioridades desde o desenvolvimento de tecnologias “anti-burrice” como a medicina moderna. Então, é claro que mais e mais pessoas estúpidas estão chegando à velhice, ficamos bons em manter pessoas que antigamente eram inviáveis vivas por muitas e muitas décadas.

Mas isso não pode contaminar sua análise: ter mais contato com idosos malucos não significa que eles são mais malucos que a média global, só quer dizer que mais gente chegou viva àquela idade. A lógica do funcionamento humano não mudou: jovens são mais irresponsáveis, mais destrutivos e menos informados sobre a vida em geral. Existe sabedoria na idade, é que se a pessoa nunca foi sinônimo de autocontrole e responsabilidade antes, não vai ficar assim só porque envelheceu.

O jovem tem todos os problemas que os idosos podem ter, mas com grande potencial físico e mental para fazer besteira. Entre um rapaz de 18 anos tendo um acesso de fúria ignorante ou um senhor de 68… com quem você prefere lidar? O corpo da pessoa maluca idosa não tem tanta capacidade destrutiva, e por mais sem noção que seja, são década de experiência que ensinaram alguma coisa sobre seus limites.

É mais fácil parar um idoso rebelde do que um jovem rebelde, por motivos de quanta força se usa para imobilizar a pessoa mesmo. E com algum semblante de noção entre causa e consequência, até a conversa funciona melhor. O jovem (eu já fui jovem apesar da alma idosa) tem certeza de que é imortal e invencível. É um retardamento natural da idade que tem explicação científica, como dito anteriormente.

Complicado lidar com kamikazes que acham que não vão morrer com a queda do avião. Mulheres tendem a ser menos malucas nesse sentido, mas é algo que se mantém constante durante a vida: a mulher jovem é menos inconsequente que o homem jovem, a mulher idosa a mesma coisa em relação ao homem idoso. A regra se mantém na idade avançada. O jovem sempre vai ser mais maluco, por temer menos as repercussões.

E tem a questão mental também: o jovem acha que vai mudar o mundo, ele tem uma confiança doentia na sua capacidade de seguir em frente mesmo diante de situações sem esperança. O idoso normalmente já está com o saco bem cheio de fazer coisas que não deram certo, é muito mais fácil quebrar uma ilusão eventual por causa dos exemplos pregressos. O idoso acredita muito mais fácil que está indo por um caminho torto, afinal, é impossível chegar nessa idade sem ter feito muita coisa errada.

O idoso é mais teimoso com suas crenças, sim, mas se você conhecer um pouco a pessoa é muito mais fácil conversar com ela: essa teimosia significa uma visão de mundo cristalizada, todo argumento que você usar dentro dessa realidade dele vai fazer sentido muito mais rápido. A mente do jovem é uma gosma sem forma, o risco de você tomar uma surpresa sobre o que a pessoa passou a acreditar “do nada” é muito maior. Essa falta de variedade é muito mais explorável do que alguém que pode mudar de ideia sobre tudo na vida a qualquer momento (as pessoas mudam de fuckin’ religião na juventude, arriscando queimar no fogo do inferno).

E como eu sempre digo, é melhor lidar com problemas previsíveis do que com os imprevisíveis. O idoso descontrolado é descontrolado em padrões repetitivos, você pode até antecipar qual vai ser a besteira da vez e deixar as coisas prontas para ele não sofrer tanto. O jovem descontrolado é agente do caos, experimentando em tempo real qual é sua personalidade, crenças e objetivos de vida.

E tem outra: o jovem se recupera rápido. Seja de uma bebedeira, seja de um acidente horrível de trânsito. O corpo está no auge da sua capacidade de regeneração, o que torna o jovem complicado num ser que complica a vida das pessoas ao seu redor com muita frequência. O idoso fazendo besteira quebra um osso e fica seis meses inutilizado, o jovem fazendo besteira já está de volta na moto com pinos na perna assim que o hospital libera.

É um jogo de números também: um jovem pode te enlouquecer 20 horas por dia, com pouca necessidade de descanso. O idoso vai dormir mais, vai ficar de saco cheio mais vezes, vai passar mais tempo parado. Uma refeição pesada inutiliza o idoso por uns dois dias, o jovem pode tomar gasolina com cocaína e seguir direto para a Cracolândia buscar uma prostituta mais barata, sete dias por semana. São escalas de danação diferentes.

O jovem tem que acabar, o idoso está quase acabando.

Para dizer que eu não conheço os seus idosos, para dizer que o idoso tem direito de fazer merda (não tem), ou mesmo para dizer que é só não se importar que tudo funciona: comente.

SALLY

Quem é pior, o jovem despreparado para a vida adulta ou o idoso que não sabe zelar pela própria segurança?

O idoso é pior, pois o jovem ainda pode aprender levando umas porradas da vida.

Já falamos sobre isso aqui em um texto específico: o objetivo do idoso é se destruir, é se colocar no maior número de situações perigosas e desnecessárias que ele conseguir e te contradizer quando você o alertar do perigo, afirmando que suas escolhas são ótimas. E não há nada que você ou a realidade possam fazer a respeito.

O jovem é apenas idiota. Ele não sabe nada. Ele é um despreparado. E se fizer merda, a consequência será do jovem. E toda consequência é menos grave em um jovem. Se um jovem quebra uma perna, o jovem que se arraste até o banheiro para mijar. Se um idoso quebra uma perna, parabéns, você ganhou um ticket para limpar a bunda dele pelos próximos 40 dias!

Além disso existem formas de neutralizar o jovem, como por exemplo, cortando a mesada dele. Quantos jovens que se sustentam sozinhos vocês conhecem? Que pagam seu aluguel, seu plano de saúde, suas contas, sua comida? Difícil, né? Corta o seu dinheiro do jovem e ele vai ter que passar os dias no quarto deprimido e reclamando. Agora se apropria da aposentadoria de um idoso para você ver o que acontece.

O jovem também é manipulável. O jovem pode ser subornado, intimidado ou até induzido. O idoso não, o idoso tem apenas um neurônio que se dedica exclusiva e ininterruptamente a ser teimoso e prosseguir em seu plano genial de trocar uma lâmpada subindo em uma bola de Pilates com os pés molhados e segurando uma tesoura. Nada vai dissuadir um idoso. Ele tem mais experiência de vida do que você, ele vai considerar tudo que você diga como burrice, exagero ou equívoco. O idoso é uma espécie de Van Damme de cabelo branco: render-se nunca, retroceder jamais.

Existe uma chance, ainda que remota, do jovem aprender com seus erros, principalmente quando esses erros impactam aquilo que eles mais amam. A família? Não, seus eletrônicos. Fez algo que quebrou seu celular? Esse jovem nunca mais repetirá isso. O idoso não. Quantas vezes o idoso subir na cadeira de rodinhas e cair não bastará para que ele pare de fazer. O idoso, provavelmente pela perda de neurônios (ou talvez pela vontade de morrer), não tem qualquer capacidade de aprender absolutamente nada sobre autopreservação.

O jovem ainda possuí alguma trava do que faz com medo de passar vergonha, da reprovação social, de perder status ou ser rejeitado pelo sexo oposto. O idoso? O idoso não tem nada a perder, ele vai à padaria de pantufas, ele assoa o nariz no meio do almoço, ele peida e ri. O idoso não tem trava alguma, sua dignidade se foi faz tempo. Incontrolável. Irreversível. Inegociável.

O jovem faz escolhas erradas, o idoso nem escolhe, ele só vai. O jovem pensa “se eu acelerar muito esse carro vai ser legal, não vai acontecer nada pois a rua está vazia”, o idoso simplesmente trepa na pia da cozinha para pegar algo no alto do armário. As chances de que quem faz escolhas erradas perceba seu erro são pequenas, mas possíveis. As chances de quem só vai no piloto automático perceba algo são nulas.

O jovem sabe que tem toda a vida pela frente, e isso, de alguma forma, exerce uma função de contenção, nem que seja para não ir para a cadeia. O idoso sabe que não lhe resta muito tempo e o pouco tempo que lhe resta será de indignidade progressiva, então, ele não se importa. O idoso ri na cara da sociedade.

Eu já vi idosos literalmente falando “Vai fazer o quê? Vai me prender? Não pode me prender, eu não me importo com prisão domiciliar!”. O idoso não tem nada a perder, o máximo que pode lhe acontecer é não poder ir mais na lotérica. E nem isso, pois o idoso não obedece a ninguém, inclusive à lei e decisões judiciais.

O jovem tem coisas a perder: uma namorada que pode ficar puta ou achá-lo um idiota, um emprego, o conforto da casa dos pais. O idoso, meus queridos, ele não tem nada a perder. O governo não tira sua aposentadoria por ser idiota, o bingo não barra sua entrada por ser irresponsável, a família não lhe vira as costas por resolver fazer malabares com facões pegando fogo.

O jovem está no auge da sua vida e forma física, não se sente inseguro quanto a isso. O idoso precisa provar que ainda pode, que ainda consegue, que ainda é capaz. Isso o leva a péssimas escolhas movidas em parte pelo ego ferido pela decadência decorrente da idade, em parte pelo grande cemitério de neruônios que é o seu cérebro.

Não dá para colocar juízo na cabeça do idoso pela razão (pois são teimosos e o cérebro virou patê) nem dá para ameaçar um idoso com nada, pois além deles não temerem nada, você será socialmente trucidado. Não há margem de manobra, não há mecanismos para conter a autodestruição involuntária de um idoso.

E isso, na minha opinião, o torna muito pior do que um jovem. Você não consegue impedir o idoso de fazer merda sucessiva, sistemática e ininterruptamente e, ao mesmo tempo, não pode virar as costas para ele quando ele faz merda, afinal, ele é idoso, ele não sabe direito o que faz, ele não vai conseguir se recuperar sozinho e você tem uma dívida de gratidão com ele.

Eu posso lidar com um jovem, nem que seja na porrada, na ameaça ou no constrangimento. Mas idoso? Não tem o que fazer. Nem tente.

Para dizer que este texto é etarista (quem nunca cuidou de um idoso deve pensar assim), para dizer que um dia eu serei idosa (espero morrer antes) ou ainda para sentir alívio pois você pensou que era apenas o seu idoso que tentava ininterruptamente se destruir: comente.

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Comments (6)

  • Eu conheço exemplos e histórias tão ruins dos dois lados que dessa vez fico em cima do muro. Impossível saber o que é pior. E olha que o Somir podia ter usado o ALICATE CARD nessa discussão.

  • Idosos são piores, simplesmente porque não tenho jovens sob minha responsabilidade. O maior problema que tive por isso foi alertar uma menina bem mais nova de que o “amigo próximo” mais velho dela era um criminoso e já tinha violentado outras meninas. Mas no fim do dia, ela era só amiga de amigos mais novos e a responsabilidade ainda não era minha.
    Com idosos que você ama em casa, você fica gelada cada vez que eles atendem alguma ligação. Caem em golpes inacreditáveis enquanto batem o pé que não é golpe, riem na sua cara quando você diz que precisam ir ao médico… todo dia alguma coisa ruim pode acontecer e te dar trabalho porque eles simplesmente não escutam.

    Fora as terríveis lembranças de velhos usando a máscara no queixo e indo se aglomerar durante a pandemia.

  • Idoso é pior. Porque você ainda pode ser responsabilizado pelas merdas dele. Se ficar doente, se sofrer acidente, etc., sobra pra você, que tem que parar sua vida e comprometer todas as áreas dela para cuidar dessa pessoa.

    Jovem, desde que maior de idade, arca com as merdas sozinho.

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