Não acredito!
| Desfavor | Desfavor da Semana | 6 comentários em Não acredito!
Morta na última terça-feira (28), Djidja Cardoso, ex-sinhazinha do Boi Garantido, fazia parte de uma seita familiar ao lado da mãe e do irmão na qual os três se enxergavam como representações bíblicas de Jesus Cristo, Maria de Nazaré e Madalena. LINK
MA cigana Suyany Breschak, de 27 anos, presa por suposto envolvimento na morte do empresário Luiz Marcelo Ormond cobrava até R$ 18 mil por “amarrações amorosas”. LINK
Sabe que a gente começou a ter um pouco de saudades de quando só tinha Igreja Católica? Desfavor da Semana.
SALLY
Se você está esperando detalhes sórdidos desse caso tenebroso, não vai encontrar aqui. Não pretendemos ser voyeur de tragédia ou de loucura humana. A notícia é uma mera ilustração de um assunto que consideramos ser bem mais abrangente: as mudanças na busca por fé, propósito e espiritualidade do brasileiro médio.
Não faz muito tempo, as necessidades espirituais de qualquer pessoa eram supridas por uma igreja institucionalizada, organizada e hierarquizada. No Brasil era majoritariamente a Igreja Católica. Eram tempos mais simples nos quais comparecer a alguns rituais e seguir algumas premissas bastavam para dar a sensação de pertencimento e completude a um cidadão médio.
O tempo foi passando, veio internet, veio rede social, veio uma evasão de privacidade, uma necessidade de ostentar uma vida plena e perfeita, veio uma publicidade extremamente agressiva te dizendo tudo que você não tem e precisa para ser feliz, bonito, amado e bem-sucedido. O nível de ansiedade, angústia e medo aumentou. E as religiões institucionalizadas não se atualizaram.
A vida também se tornou mais difícil. Em outros tempos, com um fogão em uma geladeira você ia morar sozinho. Com uma missa aos domingos se sentia em dia com sua espiritualidade. Hoje, a realidade frenética, caótica e de aparências está drenando a energia, a saúde mental e a paz das pessoas. E as religiões não se atualizaram.
Essa mudança de realidade fez com que canalizar sua fé, sua evolução espiritual, seu senso de propósito para uma religião tradicional se torne insuficiente. Ir à missa aos domingos e ser visto apenas por aquelas pessoas, ou rezar em penitência, com o conhecimento apenas do padre, se tornou insuficiente. E, no Brasil, onde tem uma lacuna, tem um filho da puta tentando preencher a lacuna para se dar bem.
Seria uma bela oportunidade das pessoas se livrarem das amarras de religiões e procurarem dentro de si formas de se empoderarem, de alimentarem um propósito construtivo, de tomarem as rédeas de sua espiritualidade e descobrirem formas de evoluir sozinhas. Infelizmente não foi isso que aconteceu.
Se antes se delegava sua espiritualidade, seus valores, seu propósito a uma instituição, agora esta função de pulverizou e cada um delega ao primeiro zé cu de fala convincente, de perfil que ostente algo que a pessoa queria ser, que aparente ter qualquer coisa que a pessoa projete ser um sinal de sucesso ou até que saiba manipular bem.
Quem é leitor antigo sabe o quanto o Desfavor bate em religião. E não mudamos de ideia, achamos a noção de religião muito ruim, por premissa. Todo o poder vem de dentro da pessoa, falar com Deus não demanda intermediários e se envolve dinheiro no meio é estelionato. Porém, para nossa surpresa, o brasileiro conseguiu migrar para algo que parece ser ainda mais nocivo do que uma religião institucionalizada.
É que uma religião consolidada possui regras claras, escritas, possui um nome a zelar, existe uma hierarquia que, ainda que não seja infalível, exerce algum controle para impedir que barbaridades ocorram. Barbaridades ocorrem? Sim, claro, mas certamente em menor proporção do que seria se não existisse toda essa estrutura.
Diferente de um zé cu megalomaníaco que cria uma seita e começa a pedir coisas bizarras, como por exemplo que você use alucinógenos e faça sexo com o seu irmão. Ao delegar sua espiritualidade, sua fé e seu propósito para maluco genérico as pessoas estão abrindo uma porta muito perigosa e entregando suas vidas sabe-se lá para quem.
Mas estamos na era do personalizado. O que é geral é desvalorizado, a pessoa quer ser especial, quer participar da seita mais exclusiva, quer conhecer a “verdade” que mais ninguém conhece. Igreja? Aonde todo mundo vai? Sem graça. Tem que ser muito mais especial do que isso! Aí se metem nessas furadas.
E não é apenas em religião. “Psicologia não funciona comigo”, um idiota comentou. Certamente você já ouviu ou vai ouvir essa imbecilidade. Psicologia é uma ciência, ela gera resultados em qualquer ser humano, inclusive no alecrim dourado especial que diz que “não funciona” com ele. Faz direito, faz com bom profissional, faz sem mentir e faz pelo tempo necessário que funciona sim.
Mas o alecrim dourado, aquele “imune à psicologia”, entrega sua saúde mental a coach, a terapia alternativa sem qualquer comprovação como Constelação Familiar, a influencer, a uma série de imbecis pulverizados que não são fiscalizados por nenhuma instituição e acabam fazendo o que querem com a cabeça da pessoa. A pessoa quer um atalho, quer resultado rápido, quer ser esperta, quer algo exclusivo. Taí o resultado. Parabéns aos envolvidos.
Essa pulverização, delegando funções importantes a quem não está qualificado, ainda vai trazer muito problema. Quando há uma instituição por trás também pode dar problema, mas as chances são menores. Sabe quando não dá problema? Quando a pessoa se faz responsável ela mesma pela sua espiritualidade, sua fé e sua saúde mental e dá ouvidos, se for necessário, apenas à ciência. Mas isso ninguém quer, né?
Esses casos bizarros só vão aumentar, pois o brasileiro teve liberdade antes de ter educação. É como dar chave de casa e do carro para uma criança de dez anos. O mundo online lhe proporciona uma infinidade de más escolhas e ele tem toda a liberdade de aderir e zero discernimento para escolher.
É isso. Se em 2008 a gente reclamava de religião, hoje estamos quase sentindo falta delas. Impressionante como as coisas sempre podem piorar.
Para enumerar abusos de religiões como se eu tivesse dito que elas são perfeitas, para dizer que é a seleção natural agindo ou ainda para dizer que queria os detalhes sórdidos: comente.
SOMIR
Numa entrevista recente, Richard Dawkins, um biólogo brilhante que acabou famoso de verdade pela sua argumentação contra a religião e até apelidado como “Papa dos Ateus” (é bizarro, mas é engraçado, eu admito), foi cancelado por dizer que na média concordava mais com o paradigma cristão de sociedade do que com coisas como a religião islâmica.
Evidente que não era aprovação dos crimes do catolicismo e da versão inglesa chamada Igreja Anglicana, era só uma realização que quanto menos radical melhor para a sociedade. Eu mesmo já disse isso em textos antigos: pelo menos conseguimos colocar algum limite nos cristãos nos últimos séculos. Então, sim, por essa lógica eu concordo com Dawkins.
Se o ser humano quer ter amigo imaginário e guiar sua vida por pensamento supersticioso, que pelo menos seja algo visível e controlável debaixo da Constituição. Se o Papa aparecer na sua janelinha do Vaticano dizendo que temos que matar todos os gays, a reação social vai ser severa e a Igreja Católica vai pagar muito caro por isso. Em dinheiro, influência e imagem.
Existe sim uma vantagem em religiões organizadas, em comparação com misticismo aleatório, pelo menos. O ser humano é muito vulnerável a esse tipo de influência por pensamento “mágico”, e algumas pessoas têm ainda menos filtros que a média sobre como viver em sociedade. Pulverizar a fé do ser humano em seitas, cultos e religiões mais personalizadas é um perigo.
Eu preferiria que as pessoas deixassem de acreditar em deuses e seus emissários em geral, mas dada a impossibilidade disso, talvez por séculos e séculos ainda, é melhor ter algumas regras e publicidade sobre o que é feito em nome dessa fé. Até a igreja evangélica da esquina com todo mundo berrando entre as fileiras de cadeiras de plástico é mais segura do que cultos e seitas aleatórias. As pessoas ao redor sabem o que está acontecendo, tem uma linha guia mínima de ações aceitáveis e melhor ainda: concorrência. Se o pastor da sua igreja de esquina falar algo muito bizarro, você anda um quarteirão e vai para outra.
A forma antiga como as pessoas lidavam com religião no Brasil e em outros países subdesenvolvidos tinha uma vantagem: o cidadão tinha sido criado achando que precisava de seu deus, e como existiam regras bem definidas de como exercer essa religião, bastava uma ida à missa para acalmar a pessoa. Ela achava que estava fazendo a coisa certa e não precisava mais pensar sobre o tema.
O que permite uma visão mais secularista sobre a vida. A religião tinha o cantinho dela e estava sob controle, o resto poderia ser tratado de acordo com as necessidades da vida cotidiana. Aos poucos fomos vencendo ideias travadas do catolicismo, a sociedade acabou avançando em vários pontos de direitos das mulheres e tolerância com orientações sexuais debaixo do nariz da Igreja. Aquele catolicismo meia-bomba do século passado deixou passar uma “boiada” de avanços no campo dos direitos humanos.
Não porque Papa e cia. eram bonzinhos, mas porque a sociedade achou um lugar confortável para colocar a sua necessidade de religião. O tempo passa e os evangélicos americanos demonstram o potencial financeiro imenso do neopentecostalismo, a religião evangélica moderna era uma máquina de imprimir dinheiro. Para o povo de lá, era fácil pular do protestantismo raiz para a versão mais pop, para o povo de cá demorou um pouco mais, mas como vemos ano após ano, o católico brasileiro também acabou cedendo.
O que me chama atenção agora é que no corpo dessa baleia encalhada que é o catolicismo brasileiro clássico, tem espaço para todo tipo de carniceiro. Os neopentecostais da Universal e similares pegaram a maior parte da carcaça, mas ainda tem material para muitos outros se alimentarem.
No mundo hiper conectado do século XXI, é muito mais fácil que malucos e estelionatários em geral encontrem pessoas vulneráveis para empurrar sua nova “solução mágica” para os problemas da vida. O brasileiro quer acreditar em mágica, e com todos os problemas de saúde mental que vão se desenvolvendo no mundo moderno, é uma combinação perfeita.
A paz de “acreditar na religião certa” é atacada por todos os lados, especialmente pelos evangélicos modernos, que dependem desse discurso de encontrar a verdade deles ou ir para o inferno. A era de ir à missa de Domingo e estar tudo resolvido com suas dúvidas existenciais acabou como solução geral para o povo, e nesse vácuo existe um risco muito real de mais e mais casos como os que usamos para ilustrar o tema de hoje continuarem acontecendo.
Não existe vácuo de poder, política e religião. Quando o primeiro lugar fica enfraquecido, alguém vai tomar o lugar. E quando o primeiro lugar era uma entidade que praticamente dominava toda a religião do brasileiro fica cambaleante como a Igreja Católica, a coisa fica ainda mais caótica. A natureza do neopentecostalismo é de competição agressiva por fiéis, pulverizada por definição. Isso faz com que muito mais gente comece a ter dúvidas sérias sobre “qual a fé certa”. E aí, são muito mais vulneráveis a pessoas e ideias predatórias. O povo não é lá muito brilhante, boa parte dos brasileiros morre de medo sequer da ideia de não existir um deus ou um mundo mágico ao seu redor.
O brasileiro médio vai escolher algo para depositar sua fé, e ninguém preparou o povo para ter essas escolhas… quem vem da “monocultura católica” cresce achando que precisa achar a religião certa sob o risco de sofrer pela eternidade. E quando mais rápido achar, melhor. Junte um povo neurótico que bate recordes de consumo de remédio tarja preta e uma era de comunicação quase que irrestrita através da internet…. vamos ter mais e mais desse tipo de abuso da fé alheia. Só precisa de uma pessoa carismática para empurrar o cidadão para um caminho bizarro.
Mantenho que não existem boas religiões, que o meu mundo utópico trata religiosos como pessoas que precisam de salas com paredes acolchoadas e tratamento psicológico e psiquiátrico humanizado; mas não nego que sempre tem algo pior: se vai acreditar nessas coisas, pelo menos escolha opções mais seguras que mantenham todos seus atos de fé públicos. É um mínimo de controle social que evita que você caia em furadas.
Mas, gente… não existe deus, não existe alma, não existem fantasmas, não existem espíritos da natureza, não existem seres humanos com poderes mágicos… sério. Não acreditem nisso, já resolve 99% desse tipo de problema antes dele começar. Mas se você não se aguenta, pelo menos tenha o bom senso de não acreditar em qualquer pessoa sem questionar. É assim que seitas e cultos destroem vidas e eventualmente até matam pessoas.
Para dizer que sua fé está certa porque você tem fé nela, para dizer que somos pagos pela Igreja Católica, ou mesmo para dizer que maluco é maluco na religião que quiser: comente.
Vide Opus Dei.
“ain psicologia não funciona comigo” eu quero é distância de uma pessoa assim.
Não raramente essa pessoa é a mesma que inventa desculpa pra tudo e sempre quer um atalho. Reclama e reclama, mas quando você propõe ideias, sempre tem uma desculpa pra sequer tentar. Pessoa assim não quer ajuda, quer um penico pra despejar suas frustrações.
Sinto muito, mas não tenho menor empatia quando alguém assim se ferra, porque geralmente ela não é vítima, e sim alguém negligente.
“Não raramente essa pessoa é a mesma que inventa desculpa pra tudo e sempre quer um atalho. Reclama e reclama, mas quando você propõe ideias, sempre tem uma desculpa pra sequer tentar. Pessoa assim não quer ajuda, quer um penico pra despejar suas frustrações”.
Conheço tantos que são assim, Ana…
Vi que a tal “”cigana”” cobrava 18 mil pra fazer uma “”amarração definitiva” e tinha centenas de milhares de seguidores nas redes…
Como é fácil ganhar dinheiro de maneira desonesta no Brasil pqp
Tipo a fulana que foi aplicar fenol na cara de um homem que não tinha nem 30 anos e o mesmo acabou indo pra vala?
“Como é fácil ganhar dinheiro de maneira desonesta no Brasil pqp”
Concordo, Maya.