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Manual da Vida Adulta.

Manual da Vida Adulta.

| Sally | | 94 comentários em Manual da Vida Adulta.

Jogo aqui uma ideia que serve tanto para pais como para empreendedores: jovens estão chegando com uma enorme defasagem na vida adulta, tem um gap de aprendizado não acadêmico enorme que precisa ser preenchido. Se você é pai/mãe tem obrigação de cuidar disso, se é empreendedor, pode ganhar dinheiro com isso.

O jovem está chegando à vida adulta completamente despreparado, sem saber executar coisas básicas como uma transação bancária, um reconhecimento de firma em cartório ou cozinhar uma refeição simples. E, não se engane, não são preciosismos, são necessidades para um adulto funcional.

“Mas Sally, tem uma moça no BBB que não sabe nem usar uma sanduicheira e ganha 5 milhões de patrocinador”. Sim, e tem distúrbios alimentares, crises de ansiedade e relacionamentos disfuncionais e abusivos. Não é só sobre dinheiro, um adulto que não chega funcional na vida adulta vai pagar por isso de alguma maneira – e muitas vezes é com sua saúde mental.

Não tem escapatória, um adulto precisa estar familiarizado com atividades básicas que fazem parte da rotina de um adulto e que o jovem parece não ter a menor ideia. Parece que o jovem se sente mais criança do que adulto. É realmente muito triste de ver e mais triste ainda são as consequências disso: uma geração panicada, faniquiteira, ansiosa, insone, desequilibrada e inapta para encarar a vida.

Essas atividades muitas vezes são tão óbvias e intuitivas para as gerações anteriores que nem se cogita ensiná-las. Mas é necessário. As gerações anteriores aprenderam observando ou ajudando os pais ou pessoas da casa, coisa que não acontece mais na atual geração. “Mas Sally, tem a internet, a internet ensina tudo”. Sim, desde que haja interesse. Zero estímulo dopaminégico em aprender sobre burocracia, por exemplo. Fora que, quando se aprende com a internet, há grandes chances de se aprender errado. Cabe aos pais ensinarem, ou a uma instituição confiável.

Talvez ninguém tenha te ensinado nada disso, talvez (provavelmente) você tenha aprendido sozinho sem maiores problemas. Mas o jovem atual não tem essa casca, essa raça e talvez nem ao menos essa capacidade. Vai por mim, por mais idiota que pareça, ensine atividades básicas da vida adulta para seu filho ou, se quiser empreender, monte um curso ou até um app com aulas ou dicas online e canal de comunicação para tirar dúvidas – você vai ganhar dinheiro.

Vou citar aqui apenas algumas coisas que precisam ser ensinadas, mas, que fique, claro, existe muito mais. Tudo vai depender da realidade do jovem em questão.

A primeira coisa deve ser ensinada é o manejo da atividade bancária. Pode soar ridículo para você, mas existem muitos jovens com mais de 20 anos que não entendem como se calcula o quanto você pode gastar no cartão de crédito, por exemplo. Não entendem que o crédito oficial que se tem não é o que ele tem disponível naquele mês se já existirem dívidas parceladas anteriores.

Vou além: não conhecem metade dos recursos da app de um banco ou simplesmente não entendem como funciona. Ficam nervosos quando precisam fazer algo mais avançado, que saia do trio Pix, consultar extrato e pagar fatura do cartão. Mexer em caixa eletrônico então, nem se fala. Não devem saber nem como enfiar o cartão. E se tiverem que fazer atendimento com um ser humano, provavelmente desmaiam.

Então, é importante que isso tudo seja não apenas ensinado, como também que esse aprendizado seja esquematizado e disponibilizado para consulta, já que dificilmente alguém é capaz de absorver tanta informação de uma única vez. Anote. Faça uma apostila. Salve as instruções que o próprio banco disponibiliza. Não apenas da questão bancária, mas de todo o resto.

Outra coisa que se deve ensinar ao jovem é uma noção mínima de como funciona a burocracia no país. O que faz um cartório, que tipo de trâmite exige firma reconhecida em cartório, as implicações de uma Carteira de Trabalho assinada e os direitos, FGTS, contribuição para aposentadoria (como contribuir se não estiver formalmente empregado), como abrir uma empresa e os custos que isso implica, declaração de imposto de renda e até mesmo como usar o transporte público e recarregar os créditos.

Higiene pessoal. A higiene pessoal de uma criança não é a mesma de um adulto. Criança, por exemplo, não usa desodorante. Criança não se depila. Criança não faz barba. Todo mundo ensina tudo para criança (ou deveria) mas ninguém ensina para o jovem, presumindo que ele sabe. Não sabe. Taí esse bando de gente que não sabe como lavar o sovaco nem como aplicar o desodorante da forma correta fedendo no busão para provar.

Quando e como usar condicionador, como usar desodorante, como depilar, como fazer a barba, como se lavar com sabonete da forma mais eficaz, de quanto em quanto tempo colocar para lavar cada tipo de roupa (roupa íntima, calça jeans, meia, etc.), como e com que frequência escovar os dentes e ir ao dentista para revisões e muitas outras informações do tipo.

Outro ensinamento importantíssimo: como estudar. Parece ridículo, mas não é. Cada pessoa tem aptidão para tipos de estudo diferentes. Alguns são mais visuais (lembram visualmente da página do livro ou do caderno na qual estava a informação na hora da prova) outros são mais auditivos (lembram do professor falando exatamente aquilo), outros aprendem melhor quando estão escrevendo… tem de tudo. Como criar rotinas eficientes de estudo. Como aprender e apreender conteúdo.

“Mas Sally, como saber qual é a aptidão do jovem que está sendo ensinado?”. Observando seu filho. Ou, se você estiver monetizando esta ideia, testando. Ofereça diferentes estímulos de aprendizado e deixe o jovem te dizer o que melhor funciona para ele. Essa geração que vem aí tem o foco de um peixinho dourado graças ao excesso de estímulos das redes sociais, é crucial para seu aprendizado que sejam estimulados da melhor forma possível.

Desenvolver a criatividade também é essencial, para que o jovem não trave ou entre em pânico quando algo sair do script. Criatividade não é um dom com o qual a pessoa nasce, ela pode e deve ser trabalhada, desenvolvida. Criatividade não é recurso para artistas e poetas, é solução de problemas, uma ferramenta essencial para todo ser humano. Como já temos texto sobre o assunto, não vou me estender mais.

Um mínimo, mas um mínimo mesmo de noção de cozinha. Não é para transformar o jovem em um Master Chef, é para que ele tenha noções básicas do preparo de um alimento e, se necessário, consiga prover uma refeição para si mesmo. Para que saiba como se lavam folhas de salada da forma correta antes de comer. Para que saiba como se conservam os alimentos da forma correta. Para que saiba que se tapar a panela a água ferve mais rápido.

Também é importante ensinar algo sobre nutrição, para que o jovem não se torne um débil mental que acredita em dietas da moda ou em “chá que derrete gordura”. O que é saudável, o que não é saudável e as consequências do que não é saudável para o organismo. O percentual de cada grupo de alimento que deve ter no prato para uma alimentação balanceada. Ele vai cumprir? Talvez não, mas se um dia quiser se cuidar um pouco mais, ele tem as ferramentas.

No mesmo patamar de superficialidade, um mínimo de primeiros socorros (temos uma série de textos só sobre o assunto). Saber o básico do básico, como por exemplo, como desinfectar um corte, quando cobrir uma ferida, quando deixar descoberta ou como tratar uma queimadura. Se puder aprofundar, seria ótimo, RCP e primeiros socorros avançados todo cidadão deveria saber.

Além disso, é necessário explicar o procedimento, ao menos burocrático, de se recorrer a um hospital em caso de emergência. Qual é o melhor hospital mais próximo que disponha de atendimento de emergência que possa atender? Quais documentos são necessários levar para ser atendido em um hospital? Podem cobrar caução? O que fazer se o hospital recusar atendimento? Quais informações são essenciais para o médico em caso de emergência (ex: quais medicamentos o paciente faz uso)? O jovem tem que estar pronto para saber socorrer a ele mesmo ou a terceiros em uma emergência.

E por falar em emergência, uma listinha de todos os contatos de emergência é fundamental para toda casa. Faça uma e obrigue o jovem a fotografar para levar sempre com ele no celular. Além dos mais óbvios, como polícia, bombeiro e SAMU (machucou na rua só SAMU te leva) também podem ser incluídos contatos personalizados como a ambulância do plano de saúde (que vai chegar mais rápido que o SAMU para emergências em casa), Disk Denúncia e outros.

Uma noção mínima de leis, não da legislação em si, mas dos principais direitos e deveres e do que fazer se eles forem desrespeitados. Como se registra uma ocorrência em uma delegacia (nunca se pisa sozinho em uma delegacia se você for o acusado, NUNCA, sempre com advogado), como se recorre à assistência gratuita da Defensoria Pública e outras coisas simples, para que saibam como agir caso seja necessário.

Métodos anticoncepcionais. Opções, como usar, percentual de efetividade. DST (ou seja lá qual nome estejam usando hoje em dia), não apenas como prevenir, mas também como e onde pesquisar sobre eventuais sintomas para descobrir se tem ou não (dificilmente o jovem vai perguntar a você, é melhor dar a ele um site de confiança no qual possa pesquisar sozinho). Se você for a favor de aborto, converse explicando que dá para fazer uma bela viagem à Argentina, fazer um aborto legalizado e comer a melhor carne do mundo.

Uma noção geral de medicamentos também é essencial. Somos os primeiros a criticar a automedicação, estamos falando de medicamentos de venda livre, ou seja, aqueles que podem ser vendidos sem prescrição médica. Ninguém marca uma consulta ou vai ao pronto-socorro para receber autorização para tomar remédio para gases ou para dor de cabeça. A pessoa sabe que Simeticona resolve os gases e Paracetamol (que não gera perigo caso a dor de cabeça seja causada por dengue, ao contrário do resto) resolve a dor de cabeça.

Um mínimo de educação financeira. Ensinar a poupar é muito importante, e nem é sobre juntar dinheiro, é a mecânica de como poupar: é preciso separar uma quantia, por menor que seja, assim que receber seu pagamento, pois se esperar sobrar dinheiro para guardar, jamais vai guardar nada. Mas, se for possível, também ensinar a de fato guardar dinheiro, ter algum dinheiro guardado para emergências é muito importante se a pessoa não for extremamente rica.

Redes sociais. Ensinar como usar de forma responsável e sem se colocar em risco. Ensinar cuidados para não ser sequestrado em encontro via app, para não levar golpe, para não evadir sua privacidade e isso voltar para morder na bunda depois e gerar uma demissão. Pode ser que o jovem não escute? Sim, é bem possível, pois o jovem se acha corajoso, ousado e destemido, quando todos sabemos que é, na verdade, titular de uma enorme burrice e inexperiência. Que erre, mas que não seja por falta de orientação.

Convívio em espaços públicos ou coletivos. O comportamento do jovem em espaços confinados, como voos de avião, por exemplo, é medonho. Não há qualquer noção do outro, não há civilidade, não há semancol. Para que coisas como caixinha de som na praia não se espalhem é preciso ensinar a não fazer e também ensinar o caminho correto, dentro da lei, para agir perante quem o faz.

Autoestima. Eu sei que autoestima é uma construção, não uma lição, mas tem algumas coisas que podem ser ensinadas para reforçar essa construção: o que é aceitável das pessoas que convivem com o jovem, o que não é, o que é manipulação. Um parceiro(a) que bate e depois volta dizendo que ama é um manipulador, não há negociação, não há diálogo e se isso for verbalizado desde cedo, é menos provável que a pessoa tolere. Existe um mínimo do que não deve ser tolerado que pode e deve ser balizado.

Como lidar com ansiedade. Existem muitas ferramentas que não implicam em medicamento ou gasto de dinheiro que podem ajudar demais a controlar a ansiedade e majorar o bem-estar (temos textos sobre isso também). O jovem anda muito ansioso e acredito que essa seja a raiz de muitos outros problemas. E tudo que ele sabe sobre é que tem que meditar, daí senta feito um bocó e fica de olhos fechados, não medita porra nenhuma pois gente ansiosa não consegue meditar e acaba se conformando que será sempre ansioso. Existem centenas de outras ferramentas, parem de valorizar meditação, gente ansiosa, enquanto não tratar a ansiedade, não vai conseguir meditar.

Higiene do sono. Como dormir bem. Como ter sono de qualidade. Como driblar a insônia. Como ter um sono reparador (também temos texto sobre isso). Aprender o que fazer para dormir bem melhora a saúde, a qualidade de vida e o aprendizado. Como mitigar uma noite de sono ruim. Como melhorar seu sono. Sono é um dos pilares da saúde de um ser humano.

Atividade física. Importância, modalidades mais adequadas para cada objetivo, o que não fazer, como se alimentar antes e depois, como ganhar massa muscular de forma natural, como majorar a perda de gordura, como se exercitar para melhorar a atenção, concentração, sono e cognição. Exercícios tem que fazer parte da rotina da vida de qualquer adulto – e da forma correta.

Morte. Não a parte existencial, a parte prática. O que fazer quando uma pessoa morre? Quem recolhe o corpo? Como se contrata um funeral ou cremação? Como se encerra a conta bancária da pessoa? Como se comunica a morte a todos os conhecidos? Quanto custa manter uma pessoa enterrada? Que trâmites são necessários para cremação? Como se cancela o serviço ou se muda o titular das contas de uma pessoa falecida?

Gente… quinta página. Para quem não sabe, meu limite são quatro. Eu faria mais dez textos falando sobre mais assuntos que o jovem precisa aprender (e se vocês quiserem, faço mais), mas meu limite de páginas esgotou.

Se você for pai, faça apostilas, arquivos ou compile estas informações de alguma forma digital e deixe disponível para o jovem, com um índice bem didático. É o que eu chamo de “Manual da Vida Adulta”. Inicialmente o jovem vai te ignorar e se mostrar o bastardinho ingrato que costuma ser, mas, acredite, em algum momento ele vai consultar e isso será de extrema utilidade.

Você não sabe quanto tempo mais estará ao lado dos seus filhos para orientar, deixe esse conforto para eles, caso sua presença seja precocemente retirada de suas vidas. Ter que lidar, além da dor do luto, com uma penca de coisas que você não sabe como fazer, é devastador.

Se você for empreendedor, pode lançar um livro chamado “Manual da Vida Adulta” ou um curso. Se for um curso, eu te sugiro fazer em módulos separados (Alimentação, Atividades Bancárias, Criatividade, etc.) que podem ser comprados individualmente ou o grande conjunto chamado “Manual da Vida Adulta” que dá direito a todas as aulas. É importante que comprar módulo separado seja muito mais caro do que comprar o pacote todo.

Pode confiar em mim: vai ter muita procura. Inclusive por adultos. Já temos uma geração de adultos que chegaram na adultez sem saber o básico do básico.

Sem exagero, eu seria capaz de criar ao menos cem módulos para esse curso e produzir conteúdo escrito e gráfico para todos eles. Se quiser me chamar para participar do projeto, estamos aí, desde que seja apenas para a parte teórica, por favor, não me coloque em contato com o jovem.

Para dizer que você compraria muitos desses módulos, para dizer que pagaria qualquer quantia para delegar estes ensinamentos aos seus filhos ou ainda para dizer que melhor deixar como está pois o jovem tem que acabar: comente.


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