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Fagradalsfjall

Fagradalsfjall

| Sally | | 4 comentários em Fagradalsfjall

Tá acontecendo um negócio meio chato na Islândia…

Esta semana a Islândia decretou estado de emergência após a possibilidade do vulcão Fagradalsfjall entrar em erupção. E se você acha que entende o que está acontecendo, saiba que provavelmente não entende. Esqueça tudo que você achou que sabia sobre vulcões e vamos conhecer melhor o Fagradalsfjall.

Vamos para a parte mais difícil da explicação: como se pronuncia o nome do vulcão. A pronúncia correta é FA GRA DALS SFIAC, ou algo parecido (na dúvida, fale rápido que as chances de perceberem o erro é menor). Você consegue ouvir a pronúncia correta aqui. Agora vamos à parte fácil: entender o que está acontecendo.

Nosso planeta é uma bola de lava com umas casquinhas boiando na parte de cima, nas quais todos nós moramos. Chamamos a essas casquinhas de “placas tectônicas”.

Como estão boiando, eventualmente, essas placas se movem. Eventualmente elas batem ou roçam umas nas outras. Quando isso acontece, quem está na região próxima ao local no qual essas duas placas se encostam acaba sentindo as consequências disso, na forma de terremotos, erupções vulcânicas e/ou tsunamis.

Muito bem. Este mapa te permite ver a distribuição das placas tectônicas pelo planeta Terra. É isso que está debaixo do chão que pisamos. Vamos ver qual é a situação da Islândia?

A Islândia é cortada ao meio pela divisão de duas placas tectônicas: a placa norte-americana e a placa euroasiática. A Islândia é como um pedaço de pão equilibrado entre dois caiaques no meio do mar: em algum momento um dos caiaques vai se mexer e o pão vai molhar. Só que, no caso, não é água, é lava, a 1250°C de temperatura.

A Islândia tem hoje pelo menos 130 vulcões, dos quais 30 em atividade. Este é o normal do país. Eles têm um histórico generoso de terremotos e erupções vulcânicas. Na verdade, a Islândia em si é uma ilha vulcânica, ou seja, surgiu de uma grande erupção de um vulcão que “preencheu” o mar até criar uma ilha.

Para piorar um pouco a situação, a Islândia está localizada em uma área que é mais quente do que magma que está à sua volta (papo técnico: pluma de manto). O país está no topo de uma rocha muito quente que derrete e afina a crosta terrestre, tornando mais fácil uma erupção vulcânica.

Esta semana aconteceu uma novidade meio chata: uma possível erupção do vulcão impronunciável que provavelmente afetará muito a cidade de Grindavík (se pronuncia com se escreve, apenas substitua o G por um C), uma cidade bastante importante para o país.

“Mas Sally, o lugar não é a danação na Terra? Não tem problema o tempo todo? Qual é a novidade?”. Justamente por causa da peculiaridade da sua localização, o povo islandês aprendeu a habitar as zonas menos perigosas do seu país. Então, normalmente, terremotos e erupções vulcânicas significativas costumavam acontecer em locais isolados, desabitados. Dessa vez não. Dessa vez a coisa fugiu um pouco ao mapa de desastres habitual e pode prejudicar seriamente o país e seus habitantes.

Em um período de 24h foram registrados mais de 1400 terremotos. E os terremotos não são a pior parte, pois apesar de serem muitos, não foram fortes. O problema é o que esses terremotos podem estar anunciando: a erupção do vulcão Fagradalsfjall.

Ao contrário do que muita gente pensa, o vulcão não está entrando em erupção por causa de terremotos. É justamente o contrário, é o despertar do vulcão que causa os terremotos. O vulcão Fagradalsfjall parece estar prestes a entrar em atividade e, para que você entenda o que pode acontecer, é essencial entender um pouco sobre o tipo e funcionamento deste vulcão.

O vulcão parece estar voltando à atividade em 2021, depois de passar mais de 6 mil anos quietinho. Em março de 2021 ele “acordou” e isso significa que deve ficar acordado por um bom tempo. Quando falamos deste tipo de vulcão (papo técnico: vulcão escudo), o processo de erupção pode durar anos, mas não necessariamente de forma contínua.

Porém, contra tudo e contra todos, o Fagradalsfjall parecia ter sossegado nos últimos tempos… até essa semana, quando apareceram sinais que indicam uma retomada de suas atividades. O primeiro indício veio na forma de vários terremotos pequenos.

De outubro a novembro foram registrados mais de 20 mil terremotos e da quarta feira (8 de novembro) para a quinta-feira (9 de novembro) foram mais de 1400. Na sexta-feira dia 10, em 12h ocorreram 800 terremotos. Isso, somado a outros fatores que analisaremos mais para frente, pode indicar que nos próximos dias teremos uma erupção.

Este vulcão não se comporta da forma “clássica” que vive no imaginário popular. Quando pensamos em vulcões pensamos em uma grande montanha (papo técnico: cone vulcânico) que expele lava por um único buraco. O Fagradalsfjall não tem um grande cone alto, aqui o magma tende a sair por fissuras em diferentes pontos, como se fossem vazamentos.

Onde serão esses pontos? Não sabemos. Nem nós, nem a ciência.

Nos vulcões “clássicos” (no sentido de: atendem ao imaginário popular) vemos aquela lava ser jogada a uma grande altura e escorre pela boca do vulcão como uma calda de chocolate (papo técnico: erupções explosivas). Justamente por liberar esse magna espesso, ele acaba endurecendo no entorno do cone de saída, criando essa montanha. Não é o caso deste vulcão. Ali, o que se deve esperar é uma erupção mais calma, sem tanta pirotecnia (papo técnico: erupções efusivas), mas nem por isso menos perigosa.

Nesse tipo de erupção (efusiva) o magma é mais fluido, mais líquido, o que gera uma lava mais “rala”, que atrapalha menos a saída dos gases e, portanto, acaba não ejetada a grandes alturas. Mas, o fato de ser mais rala também a torna mais rápida (corre como um rio na direção do que estiver no seu caminho) e seu alcance é maior, sendo capaz de cobrir por completo grandes áreas. Derrame mel e derrame água e me diga o que tem mais poder de alcance.

O universo está proporcionando uma ótima oportunidade a você que quer aprender mais sobre vulcões. Neste exato momento temos o vulcão Etna, na Itália, em atividade como exemplo de uma erupção explosiva e o Fagradalsfjall, na Islândia (a qualquer momento) como exemplo de erupção efusiva. Observe os vídeos de ambos e você notará a diferença. A foto abaixo já vai te dar alguns indícios:

O olhar de um leigo pode induzir a erro. O Etna é enorme e sua erupção é ruidosa, é pirotécnica, é alta. O Fagradalsfjall parece mais uma pocinha. Porém, não se deixe enganar: dependendo do ponto de vista, o Fagradalsfjall pode ser até mais perigoso.

Ao não ter uma lava espessa que se solidifique no entorno da saída, ele não é uma alta montanha e sim um biquinho rasteiro. Se por um lado é menos imponente, por outro é mais imprevisível: você nunca sabe exatamente por onde a lava vai sair. E é por isso que a Islândia está em estado de emergência. Há fortes indícios de que algo deve acontecer nos próximos dias e não se sabe exatamente onde.

A quantidade de tremores e a forma como eles estão ocorrendo (eram profundos e agora estão cada vez mais próximos da superfície), indicam que tem algo empurrando de dentro para fora, provavelmente a lava, querendo sair. Também foi observada uma deformação do solo, como se ele estivesse inchando. E não foi pouco: em algumas regiões o solo expandiu mais de 120cm para cima.

Foi esse inchaço (e não terremotos) o que causou as imagens dramáticas de rachaduras e buracos nas cidades próximas ao vulcão, ao contrário do que disse parte da mídia. Os terremotos que aconteceram forma muitos, mas não foram grandes. O que rachou as ruas e abriu fissuras no chão foi essa pressão de dentro para fora.

Estudos preliminares indicam que de fato existe essa “intrusão de magma”, ou seja, o “recheio” do nosso planeta está tentando sair. Estima-se que o tamanho dessa intrusão de magma seja de 10 quilômetros de extensão. É bastante coisa para sair, principalmente se pensarmos que provavelmente sairá em mais de um ponto, que quando sair vai escorrer rápido já que não um magma muito viscoso e que será de surpresa.

Se sabe que sairá na cidade de Grindavik ou muito próximo a ela, já que esta cidade foi o epicentro dos terremotos. Existe uma possibilidade real de que jorre lava nesta cidade, não lava que escorre do vulcão e sim lava que brota do solo. Provavelmente de diferentes pontos do solo. Por isso a população foi evacuada. Além do risco de construções desabarem pelas fissuras no chão, aquela brincadeira de “o chão é lava” pode se tornar bem real de uma hora para a outra na cidade.

“Poxa Sally, que horror, tomara que isso aconteça na água e não na cidade”. Na água seria pior. O contato do magma quente com a água do mar poderia gerar explosões perigosas para os habitantes do local. A última coisa que queremos é que essa ruptura do solo ocorra no mar. Não torça para isso.

Para piorar a imprevisibilidade deste vulcão, o fato de já existirem fissuras no chão da cidade das quais está saindo fuckin´fumaça não quer dizer que a lava vá sair por ali. Pois é, mesmo com rachadura no chão, ela pode sair por outro lugar. Pode ser que a pressão que abriu essas fissuras no chão tenha sido exercida apenas pelos gases e o magma acabe exercendo pressão e saindo por outra parte do solo. Ou não. Não sabemos.

E mesmo que não saia uma gota de lava, como está, já é perigoso. Dependendo da quantidade liberada e da proximidade, os gases liberados (papo técnico: dióxido de enxofre) também podem ser um problema. Eles podem ser corrosivos e podem causar sérios problemas respiratórios.

Estou vendo muita gente comemorar o fato de os terremotos terem diminuído ou parado, alegando que a pressão foi aliviada e a catástrofe foi abortada. Lamento ser eu a agente do caso a dar essa notícias, mas… isso não procede. Tomara que de fato isso aconteça, mas, geralmente, antes de uma erupção os tremores param mesmo, tem uma calmaria e a danação maior começa.

Da última vez que algo do tipo aconteceu, nas Ilhas Canárias, com o vulcão de La Palma, em Cumbre Vieja, o estrago foi enorme, pelos motivos que já citamos: muita quantidade de lava se espalhando rapidamente (mel e água, lembra?) e saindo de diferentes aberturas (salvo engano, foram 8).

Observando a situação atual a gente também pode ter uma boa ideia da seriedade do que está acontecendo.

Você sabe que a coisa é grave quando o Poder Público evacua todos os moradores de uma cidade, mas você sabe que a coisa é muito grave quando o Poder Público diz para os evacuados “Ok, volta lá rapidinho e pega seus pertences de maior valor”. Foi isso que aconteceu. E isso indica que existem boas chances de que essas pessoas nunca mais possam voltar para as suas casas – ou que nem tenham casa para voltar.

O que é uma pena, pois é uma cidade importante para o país. Tem um porto que é relevante para recebimento e escoamento de mercadorias do país, tem usinas geotérmicas (produção de energia a partir do calor interno do solo), tem pontos turísticos (como o spa geotérmico Lagoa Azul) e, o mais importante: essa bagunça toda está acontecendo em uma cidade muito próxima ao único aeroporto internacional da Islândia, que se localiza a pouco mais de 30 quilômetros do local.

Então, se você não mora (e não quer ter que morar) na Islândia, sugerimos que: 1) volte para casa se estiver lá ou 2) não vá. Tenham em mente que, se este vulcão seguir o que os cientistas esperam dele, o processo está só começando. Acredita-se que esse despertar do Fagradalsfjall possa ser o prenúncio de uma “nova era sísmica”, o que significa um período bastante ativo do vulcão, que poderia durar entre 200 e 400 anos, ou seja, veremos isso acontecer outras vezes, até com maior intensidade.

Provavelmente não vamos presenciar todo o poder desse vulcão agora, de imediato. É um alerta de que sua atividade começou. Mas, ainda assim, me parece bastante saudável evitar o local. Vamos lembrar que, em 2010, um vulcão na Islândia cancelou 100 mil voos e 2 milhões de pessoas ficaram sem ter como entrar nem como sair. Tem muito lugar bacana para conhecer no mundo, evite a Islândia por um tempinho, até que se confirmem (ou não) as previsões de especialistas.

Se esta porra deste vulcão entrou em erupção antes deste texto ser publicado, nossas mais sinceras desculpas: nós tentamos alertar a tempo.

Para dizer que nunca mais brinca de “o chão é lava”, para dizer que eu tenho que ir lá no texto de aurora boreal e desrecomendar a Islândia ou ainda para dizer que podia ter um desses em Brasília: sally@desfavor.com


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