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Necessidades básicas.

Necessidades básicas.

| Desfavor | | 10 comentários em Necessidades básicas.

Todos nós temos necessidades básicas, coisas que estão na base da pirâmide e que não podem ser ignoradas. Mas mesmo entre essas necessidades tão fundamentais, Sally e Somir acham um jeito de discordar, nem que seja sobre a mais fundamental delas. Os impopulares sobrevivem.

Tema de hoje: qual a necessidade vital mais importante para você?

SOMIR

Evidente que um tema desses tem subjetividade. Se fôssemos puramente objetivos, oxigênio ganharia sempre. Temos minutos de vida se privados da nossa respiração. Dentro dessa subjetividade, eu vou escolher alimentação. Porque ela não só é obrigatória para sobreviver, mas faz muita diferença no que consideramos… viver.

Eu não sou uma pessoa indicada a dar conselhos sobre saúde. Estou melhor do que já estive no passado, mas se você quer informações sobre o que é melhor para o seu corpo, vá sempre com a Sally. O que eu posso trazer aqui é mais sobre o entorno da necessidade vital. As sutilezas sobre como o básico se torna ferramenta de satisfação e socialização.

É aí que alimentação dá um salto de importância. Os exércitos ao redor do mundo gastam muito dinheiro e esforço para oferecer refeições de alta qualidade fisiológica e psicológica para seus soldados. Já foi comprovado que uma boa refeição mexe muito com o emocional da pessoa, soldados que fazem boas refeições estão sempre mais dispostos que soldados que apenas recebem o básico nutricional.

Recentemente saiu a notícia que os soldados americanos destacados para ajudar Israel na guerra contra o Hamas receberam uma refeição caprichada: filé com lagosta. Pode até ser meio estranho para o brasileiro como combinação, mas nos EUA é considerado uma refeição super caprichada, com gosto de momento feliz em casa. Fizeram isso porque perceberam que a tropa estava estressada com o conflito iminente. Se fossem soldados brasileiros, provavelmente seria uma picanha na brasa ou uma feijoada.

Alimentação vai além das necessidades nutricionais. A comida que comemos mexe com nosso estado mental, e desde muito novos aprendemos a relacionar coisas saborosas com momentos felizes. Desde criança tem algo na sua mente que relaciona doces com mimos feitos pelos pais ou avós, por exemplo. O doce não é só a sensação do corpo de receber uma dose caprichada de energia de uso instantâneo, é também uma fonte de prazer que evoca uma série de outros sentimentos relacionados, muitos deles positivos. Tem muita gente que enche a cara de doces quando está se sentindo mal, e não é só querendo o poder do açúcar, é querendo o conforto das situações passadas onde o doce estava relacionado com felicidade.

Tudo em excesso faz mal, é claro. Mas repito: não estou indo pelo foco da saúde. Oxigênio e água estão bem acima de alimentação por pura necessidade de sobrevivência. Alimentação é uma necessidade que mexe com a mente também. Tanto que muitos dos rituais sociais da humanidade existem ao redor da alimentação. Banquetes, jantares em família, praças de alimentação… são muitas as partes da sociedade, antiga e presente, que estão diretamente relacionadas com o ato de se alimentar.

Seu cérebro talvez nem saiba explicar o motivo, mas qualquer situação social fica mais confortável quando você está comendo alguma coisa junto com outras pessoas. Alimentação é um lubrificante social, algo que todo mundo faz mais ou menos igual, que nos posiciona como parecidos não importa as diferenças externas. Música, reclamação, torcida e comida: quatro coisas que todo mundo entende num nível básico como formas de união entre pessoas.

Alimentação é um atalho poderoso para estados emocionais positivos, ajuda muito na socialização e é claro, tem seu valor nutricional obrigatório para a vida. Aqui podemos entrar numa área mais de saúde: alimentação é a necessidade básica mais desmoralizante caso negada. O ser humano dura muito tempo sem comida, e mesmo uma alimentação terrível é o suficiente para manter alguém vivo por muitas décadas. Se você se alimenta mal, parece que a vida continua, mas algo em você vai definhando, a pessoa que passa fome vai perdendo esperança e vontade de viver.

Falta de outras necessidades como ar, água e sono vão colocando você num estado de desespero violento até serem saciadas. Insuficiência nelas também vai aumentando o grau de necessidade de ação, porque seu corpo sabe que a morte está chegando, e rápido. Você fica muito mais tempo sem comer direito do que sem fazer qualquer outra necessidade básica do jeito certo. Se você errar na alimentação no sentido psicológico da coisa, isso é, não conseguir tirar nenhum prazer dela por muito tempo, seu corpo aprende a se virar, afinal, o estado natural do corpo humano é de deficiência calórica, mas algo vai se perdendo na sua humanidade.

Não é à toa que o fato do ser humano ter começado a cozinhar alimentos e comer em grandes grupos é considerado um dos fatores mais importantes para sairmos da fase bestial para a fase civilizatória: tem algo no processo de se alimentar de forma prazerosa que vira a chave entre sobreviver e viver. Evidente que você não pode virar uma bola de gordura que só come porcaria o tempo todo, afinal, isso vai destruir sua felicidade em todos os outros campos da vida, mas a felicidade de uma refeição saborosa e nutritiva que nos faz agir de forma mais… humana.

Eu até posso ceder o ponto de que por pura necessidade fisiológica outras coisas parecem mais urgentes, mas não é só disso que estamos falando, né? Ser humano é mais do que ficar na base da pirâmide de necessidades, é subir os degraus em busca de algo maior. E é aí que surge a diferença fundamental da alimentação: ela faz parte de todos os outros níveis da pirâmide, seja como motivadora ou incentivadora de socialização.

Não é uma boa ideia ser gordo, mas pior ainda é achar que alimentação é só marcar pontos numa tabela nutricional. A gente não quer só comida, mas comida é uma das fundações da sociedade.

Para dizer que odeia gordo, para dizer que prefere comer sozinho, ou mesmo para dizer que é óbvio que eu não falei sobre saúde: somir@desfavor.com

SALLY

Entre todas as necessidades vitais, qual você julga ser a mais importante?

Nós sabemos que todas as necessidades vitais são importantes e concordamos que todas devem ser atendidas da melhor forma possível, então não adianta falar “se você ficar sem isso acontece aquilo”. Estamos cientes. A questão é: de qual delas você prefere cuidar melhor, por entender que tem um melhor benefício se ela for a prioridade?

A minha é sono. Eu acredito que todo o resto precisa sim ser atendido, mas, se em algum curto período de tempo não o for, existem outras formas de tentar compensar. O sono não, nada compensa um sono deficiente.

Tem pouca água disponível? Péssimo, mas tente não fazer esforço físico para não transpirar. Tem pouca comida disponível? Repouso, queima menos calorias. Comeu comida pouco saudável? Então dobra o exercício e queima toda essa bosta que você comeu. Não que resolva o problema, mas existem possibilidades mínimas de compensação. Mas para o sono ou a falta dele, não existe equivalência: não há nada nem remotamente parecido com o sono que descanse o cérebro, fixe memórias e permita aprendizado.

Por mais que você seja negacionista da saúde e ache que se vive muito bem com três horas de sono por dia e acredite que isso não afeta sua produtividade, a verdade é que afeta. E afeta a saúde do seu cérebro. Se você é humano, você precisa não apenas de muitas horas de sono, como também de horas de sono de qualidade.

Sono é a variável mais complicada da equação e este é outro motivo para dar mais atenção a ele. Não basta dormir, é preciso que seja um sono de qualidade, um sono reparador, um sono sereno, contínuo e sem interrupções. Por isso eu acredito que ele deva ser prioridade: ele é a necessidade vital mais complicada, mais delicada, que mais dá trabalho.

Preparar uma comida saudável não é tão difícil. Urinar e defecar são tarefas rápidas e simples. Beber água também. Mas para conseguir um sono de qualidade nos dias de hoje, uma série de cuidados devem ser observados.

Não olhar para nenhuma tela três horas antes de ir deitar-se (exceção: Kindle), não beber álcool, cafeína ou nenhuma bebida que interfira com o estágio R.E.M. do sono (sono profundo), manter o ambiente silencioso, escuro e em uma temperatura adequada, ou seja, em torno de 20°, não se deitar de estômago muito cheio nem com fome, não ingerir muito líquido antes de dormir para não ter o sono interrompido por uma ida ao banheiro, dormir a noite toda sem interrupções… são dezenas de itens.

E, spoiler: dormir com remédio não é sono de qualidade. Remédio é recurso temporário enquanto a pessoa não resolve a questão que lhe está causando a insônia, pois ele faz tão mal quanto a privação de sono.

Se você sente vontade de ir ao banheiro, seu corpo manda sinais contundentes te obrigando a isso – e se você não for, provavelmente vai fazer nas calças. Se você não come, seu corpo manda sinais contundentes e se você se recusar a fazê-lo, provavelmente vai desmaiar em algum momento. O corpo tem um disjuntor que ativa te obrigando de alguma forma a suprir aquela necessidade, se não, em poucas horas, em poucos dias. Exceto com sono.

Esse é outro motivo pelo qual eu apoio priorizar o sono: o corpo não dá o real aviso do dano que está acontecendo. Uma pessoa pode viver anos em privação de sono – e isso é um perigo. Isso cria a falsa ilusão de que está tudo bem, que o corpo se acostumou a estas condições, que dá para viver assim. E não dá. As consequências chegam e são trágicas, na maior parte das vezes, na forma de declínio cognitivo.

Nos primórdios, muitas vezes nossos ancestrais precisavam virar noites, migrar e lutar incessantemente por comida, então, um mecanismo de alerta que te fizesse cair no sono involuntariamente seria quase que uma sentença de morte. O corpo está preparado para ignorar esta necessidade vital por bastante tempo, entendendo que é uma questão de sobrevivência. Não me refiro a ficar muitos dias sem dormir, mas a ficar muitos meses e algumas vezes anos dormindo mal.

Já que nosso corpo, por um mecanismo evolutivo de sobrevivência, não nos impõe um sistema eficiente para nos obrigar a dormir direito, essa tem que ser a nossa principal preocupação: atenção onde o alarme não toca tão alto. Atenção onde o corpo não tem mecanismos para nos obrigar a fazer o que é necessário.

Óbvio que se alimentar bem é crucial para uma vida saudável e digna, vocês encorarão muitos textos meus defendendo isso. Mas se alimentar bem não demanda tanto esforço, muito pelo contrário, é mais fácil preparar comida saudável e ela costuma até ser mais barata.

Além disso, salvo que você seja um viciado em comida que ignora seu corpo ou um intoxicado do caralho, o organismo vai te mandar sinais perceptíveis de que está em sofrimento, por exemplo, se você passar uma semana comendo fast food. O corpo grita. O corpo reclama. O corpo se revolta contra você.

Mas, no sono isso nem sempre acontece. O corpo faz um esforço para que você prossiga, trabalha em sofrimento, se sacrifica, pois entende que é uma questão de sobrevivência. Por mais que você se sinta sonolento em alguns momento do dia, o corpo vai fazer um esforço para te manter acordado. Para piorar, existem recursos para mitigar os efeitos do sono: café, guaraná, energéticos. Os poucos alarmes que o corpo dá a gente desativa! Então, cabe a você cuidar dessa necessidade vital, sem esperar que o corpo dê um chilique como daria no caso de excrementos ou comida.

E aí vem o problema: quantas pessoas escutam e levam a sério sinais sutis do corpo? Quase ninguém. Se não for um faniquito do corpo praticamente incapacitante, a maior parte das pessoas ignora, acha que dá para ir levando, acha que não é tão sério. E assim vão matando seus preciosos neurônios, trilhando sua jornada para um declínio cognitivo e se espantando quando uma doença avassaladora aparece em seus cérebros.

Se você for obeso, você ainda é você. Se você se cagar nas calças, você (infelizmente) ainda é você. Se você cometer qualquer excesso contra seu corpo que tenha consequências negativas, ainda será você. Mas privação de sono no longo prazo detona seu cérebro de uma forma que você deixa de ser você. Seus pensamentos, memórias e aprendizados se vão como que em uma descarga de privada dentro da sua cabeça.

Se você ainda for você, pode cair na real, fazer dieta, se exercitar e ficar em forma novamente antes que o infarto chegue. Mas se você não for mais você, não poderá fazer nada a não ser dar trabalho para sua família. Os danos são enormes e irreversíveis. E o corpo não te dá nenhum chilique avisando. Cuide prioritariamente do seu sono, o resto o corpo avisa.

Para dizer que prefere ter problemas cognitivos do que se cagar nas calças (provavelmente você também vai se cagar), para dizer que do jeito que você come e bebe não vai chegar na idade na qual a falta de sono traria problemas ou ainda para dizer que a morte não te parece mais uma opção tão ruim: sally@desfavor.com


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