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Guerra pessoal.

Guerra pessoal.

| Sally | | 12 comentários em Guerra pessoal.

Uma guerra, além de ser um tremendo desfavor para a humanidade, também é uma ótima oportunidade para se distrair das próprias questões. Muito cuidado com essa armadilha.

Reparem em algo: quanto mais empenhada está a pessoa em falar sobre algo externo, pior está seu estado interno. Quanto mais tempo uma pessoa gasta falando do externo, pior está seu estado interno. Uma verdade dolorosa: não podemos intervir nesta guerra e nossas opiniões são irrelevantes. Mas existe algo que podemos fazer de útil com ela: usá-la como guia para olhar para dentro.

A sociedade, o macro, é um resultado do somatório de indivíduos, do micro. O macro representa muitos micros somados. E todo mundo gosta de pensar que a sociedade está doente, que a sociedade é um lixo e que as pessoas têm merda na cabeça, menos, é claro, a pessoa que está pensando isso, que é lúcida, esclarecida e iluminada o suficiente para ver todos os problemas de fora e criticar. Má notícia: estamos todos na merda – e quem tem consciência disso já está muitos passos na frente.

Falar mal da guerra é fácil, é seguro, é confortável. O difícil é usar o macro para entender como o micro pode melhorar. O difícil é olhar para o que a guerra traz e entender onde em nossas vidas podemos corrigir ou sanar essas questões.

Falar mal da guerra, mas se comportar de forma hostil com outras pessoas é contraditório. Falar mal da guerra, mas acreditar que uma raça ou religião é superior e deve prevalecer sobre outras é contraditório. Falar mal da guerra, mas perder a paciência e tratar mal a família é contraditório. Falar mal da guerra, mas ter um apego pelo material a ponto de sacrificar bem-estar (seu ou alheio) é contraditório. Falar mal da guerra, mas não resolver as questões pendentes é contraditório.

A guerra, meus queridos, está em todos nós. E essa “guerra” no micro nós podemos e devemos resolver. Mas, em vez disso, a maior parte das pessoas estão obcecadas com o macro, apontando lados, acompanhando desgraças, desfilando virtudes e vomitando soluções. Se você não resolve o micro, é muito sem noção querer dar pitaco no macro.

Sua vida, como está? A saúde mental, como está? Dorme direitinho, sem precisar de remédio, bebida ou outra ajuda? Se alimenta bem? Saúde está em dia, faz checkup anual? Colesterol? Glicose? Corpo tá no peso saudável e funcionando bem? Acorda e vai viver sua vida sem precisar de remedinho? Tem relacionamentos verdadeiros, honestos e saudáveis? A cabeça tá em paz ou tá escrava de pensamentos sem controle? A família está em harmonia? O casamento está como queria? Os filhos estão virando seres humanos decentes? Os pais estão devidamente assistidos? Você tem paz? Você gosta de estar na sua própria casa? É um lugar de paz, sossego e tranquilidade? Tem vícios? Usa alguma coisa como escape da realidade?

Eu teria milhões de perguntas a fazer, mas acho que vocês já entenderam a linha de raciocínio. Se a própria vida não estiver nota 100, olhar para a guerra (ou para qualquer outro fator externo), tomar lados, gastar tempo com o seu achismo é mera distração, mera fuga da necessidade que existe de olhar para dentro e resolver o que precisa ser resolvido.

Sempre batemos nessa tecla aqui: uma pessoa íntegra é aquela cujos pensamentos, falas, ações e sentimentos convergem para o mesmo lugar, são coerentes, sem contradições. Se você não está íntegro, você não está apto a resolver nada fora e nem ao menos deveria gastar seu tempo e sua energia nisso até resolver dentro.

Também batemos na tecla que o mundo se resolve se cada um fizer o seu, só podemos salvar a nós mesmos. E quem mais precisa resolver coisa dentro é quem mais insiste em focar, em olhar, comentar e resolver coisa fora.

Curioso, não? Como o medo de olhar para dentro (e do que vai encontrar lá) faz com que as pessoas se distraiam das formas mais criativas, revestindo essa distração de batalhas nobres, cruzadas morais ou militância por ótimas causas. Você é melhor do que isso.

Essa falsa sensação de utilidade, de estar colaborando de alguma forma, de estar fazendo o bem, pode manter a pessoa presa nessas distrações por muitos anos ou até pelo resto da vida.

Olha a cilada: dar pitaco em rede social não resolve o problema, mas dá a falsa sensação de ajuda, já olhar e resolver as suas questões realmente ajuda, mas dá a falsa sensação de que não faz diferença, pois ninguém fica sabendo. Que baita armadilha…

“O lado tal está errado, está cometendo uma covardia”. Escute a si mesmo. Se você vai para rede social regularmente (qualquer uma delas) para criticar um lado, uma ação ou uma escolha, se você vai vestir camisas, escolher lados ou militar, tem algo na sua vida diretamente relacionado a isso que precisa ser visto e resolvido. Ultrapasse a resistência inicial e entenda como isso se apresenta na sua vida.

“Mas Sally, eu não mato ninguém, como o lado ______ faz, logo, não tenho nada para resolver nessa área”. Provavelmente você não repete literalmente o que está te incomodando, mas tem algo aí nesse “departamento” que precisa ser observado, corrigido ou superado.

E não é necessariamente algum erro seu, podem ser questões de qualquer natureza, desde perdoar a si mesmo, perdoar terceiros ou até simplesmente olhar para o problema. Sim, parar de negar, de se distrair, pode ser, por si só, a solução que você precisava.

Muita atenção agora: esta tarefa é personalíssima e indelegável. Vejo muita gente fazendo “terapias alternativas” com os nomes mais criativos para tentar resolver suas questões, promover “desbloqueios” e coisas do tipo. NÃO VAI ADIANTAR. VOCÊ ESTÁ JOGANDO DINHEIRO FORA. É tudo você com você mesmo, é tudo dentro, querer resolver fora, com terceiros ou com terapias alternativas é também uma forma de distração.

Querer resolver fazendo tudo exatamente como você sempre fez e sendo exatamente quem você sempre foi é utopia. Não existe continuar tudo igual só que com uma moça balançando uns cristais perto da sua cabeça como resolução de qualquer questão. Você vai ter que se mexer, vai ter que sair de onde está, vai ter que corrigir sua mente. E isso só você pode fazer.

Se você se sente bem fazendo essas porcarias, faça, mas consciente do mecanismo: você está pagando para que um terceiro promova algum bem-estar temporário, transitório e ilusório. É um Band-Aid em um tiro de fuzil. A questão não vai se resolver assim, apenas vai aplacar sua culpa por não olhar para a questão, dando a falsa impressão de que está fazendo algo.

Mais uma vez: a mudança interna só quem pode promover é você. Não delegue ela a nada fora (gurus, terapias alternativas, alimentação, religião, etc.) pois será apenas uma modalidade mais sofisticada de perda de tempo, que eu chamo de “perda de tempo gratiluz”. Os problemas continuarão aparecendo, se repetindo e vai chegar uma hora que não vai dar mais para culpar o azar, a inveja, a macumba ou o horóscopo por isso.

Observe o que te incomoda, o que te dá gatilho, o que depois de ler te desperta esse impulso por responder, repudiar, contestar, bater-boca. É justamente isso aí que você precisa trabalhar dentro de você. Em vez de ceder ao seu impulso de responder, contestar, lutar, combater ou discutir, aproveita a oportunidade para olhar dentro de você e entender onde e como essa questão está mal resolvida e precisa ser sanada.

“Quer dizer que se eu me indigno com um estupro eu tenho problemas?”. Não, Pessoa Quer Dizer, não quer dizer isso não. Obviamente todos nós nos indignamos, repudiamos e rejeitamos certos comportamentos que são nocivos socialmente. É um sagrado direito de cada um. O tema do texto é outro. Não é sobre indignação. É sobre não se conter, ficar falando sobre isso, ficar batendo-boca, ter iniciativas inúteis, fazer disso um dreno de tempo e energia na sua vida.

Se você lê uma notícia sobre um estupro e fica indignado, é apenas normal. Porém se você passa vários dias falando sobre isso em redes sociais, repudiando incessantemente, batendo-boca com quem não repudia e até batendo-boca com o estuprador, aí sim tem algo para ser olhado e resolvido.

Pode discordar, pode se indignar, pode debater. O que não pode é fazer disso sua bandeira, seu foco, sua identidade e gastar tempo e energia discutindo, brigando ou falando sucessivas vezes em redes sociais. Existe uma diferença que, apesar de sutil, é enorme.

Quando um comportamento, sentimento ou crença está muito enraizado é comum que as pessoas acreditem que aquilo faz parte delas e não pode ser mudado, ou não queiram mudar por achar que aquilo é o que elas são. Nada disso é verdade, tudo pode ser mudado, não do dia para a noite, mas com tempo e trabalho. E é aí que deve estar o seu foco.

Usem qualquer coisa que causa dor, desconforto ou revolta nesta guerra para olhar para dentro. Em que medida isso está dentro de vocês? De que forma isso se apresenta no seu dia a dia? O que você pode fazer a respeito para melhorar?

O que acontece fora, o que acontece no mundo externo, é apenas seu guia para saber para onde tem que olhar: doeu? Incomodou? Fez mal? Tirou do sério? Hora de olhar para dentro e entende o motivo pelo qual aquele evento “deu liga” com você. O gatilho fora é seu ticket para o evento, que acontece internamente. Não adianta ter milhões de ingressos e nunca comparecer ao evento, não é mesmo?

E não vale só para a guerra, tá? O problema nunca está fora, é sempre dentro. Se doeu em você, tem coisa dentro para ser trabalhada. Quantas vezes todos nós vimos uma situação errada, ou da qual discordamos e isso não nos tocou, não nos fez pular, não nos irritou, não doeu? Quando não dá liga com alguma questão mal resolvida, a gente não pula.

Vale inclusive para pessoas. Sabe aquela pessoa que te irrita? Aquela pessoa que te tira do sério? Aquela pessoa que te desperta algum sentimento negativo intenso? Pois é, essa pessoa é seu melhor professor. Ela te indica para onde você tem que olhar, onde existem coisas para resolver. Em vez de atacar essa pessoa, falar mal dela ou ficar batendo ponto no seu blog deixando comentários raivosos, faça um bem a você mesmo e entenda que não tem nada fora, é tudo dentro. Olhe para dentro, entenda, resolva. Não é tão difícil.

Mas tem pessoas viciadas em ódio. É um erro muito comum que o ódio seja visto como força, como determinação, como intimidador. Por isso, no geral, é o recurso dos fracos, inseguros e covardes. Se as pessoas soubessem a fraqueza que passa, aos olhos de terceiros, não se comportariam assim, pois sentiriam vergonha.

A regra é clara: doeu? Tem questão para ser resolvida, e é sempre dentro de você. Se irritou, se tirou do sério, se transtornou é por ter coisa para resolver. Pare o que você está fazendo, olhe para dentro e insista, até entender e resolver, em vez de gastar seu tempo online. Spoiler: em algum momento você será forçado a fazer isso, se não por bem, por mal. Melhor que seja com calma, por bem, nos seus termos.

Tire o dia de hoje para refletir o que essa guerra pode te mostrar. Não tem nada fora, é tudo dentro. Quando uma questão externa de alguma forma chama a nossa atenção, nos afeta, nos incomoda, nos causa desconforto, dói, isso indica que tem algo dentro para ser resolvido. Reflita o que dessa guerra tem em você e o que pode ser feito para melhorar, é o único lado positivo que você pode tirar dessa situação.

Para dizer que é melhor ficar postando virtude em rede social (como está sua vida mesmo?), para dizer que está cagando para a guerra (certamente tem algo que te faz pular), ou ainda para dizer que acha um desaforo tanto tempo sem “Ei, Você”: sally@desfavor.com


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