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Idade trabalhosa.

Idade trabalhosa.

| Desfavor | | 26 comentários em Idade trabalhosa.

Apesar de não terem filhos nem terem vontade de ter filhos, Sally e Somir mais uma vez discutem sobre a criação deles. Ninguém aqui discute que dão trabalho, mas na hora de definir a pior idade para lidar com a cria, os dois criam confusão. Os impopulares educam.

Tema de hoje: qual a idade que os filhos dão mais trabalho?

SOMIR

Vou de adolescência hoje. Longe de mim supor que bebês não sejam trabalhosos, mesmo sem ter uma dessas criaturas para chamar de minha, eu já vi o suficiente para saber que é complicado. Também não me faltam histórias sobre pessoas sofrendo com filhos adolescentes. Como eu fiz a escolha por um grupo etário? Simples: controle.

Fazer algo bem feito sempre dá trabalho, e é claro que quando falamos de criação de filhos aqui, estamos considerando condições mais ou menos ideais: comparando pais responsáveis e dedicados, cuidar de adolescente me parece mais complexo que cuidar de um bebê, porque no caso do bebê, o poder está todo nas mãos do adulto.

Um bebê não tem escolhas, ele tem um conjunto de necessidades que são cumpridas ou não pelos pais. O bebê é totalmente dependente e virtualmente incapaz de fazer coisas por conta própria. Por um lado, introduz o perigo de literalmente matar a cria caso cometa um erro, mas por outro, as regras são claras e previsíveis.

Você está no controle com um bebê, você pode realizar seu trabalho bem ou mal, mas é o seu trabalho. Já o adolescente… não só tem o acúmulo de quaisquer erros não-intencionais nos anos anteriores de sua criação, como uma enorme influência de fatores externos muito difíceis de controlar.

A receita de bolo que é cuidar de um bebê vira um muro pichado na adolescência. Tem a sua pintura original, mas muita gente chega e deixa alguma marca, a maioria bem malfeita. Bebês são absurdamente influenciáveis, é claro, mas tem toda aquela questão de nem conseguirem limpar a própria bunda sozinhos. Tem um limite bem prático de quanto o bebê pode introduzir de caos ao sistema.

Você pode garantir que criou bem os seus filhos, mas não pode garantir que todo mundo fez o mesmo: adolescentes têm muito da necessidade de aprovação por imitação que crianças têm, ao mesmo tempo que precisam se rebelar um pouco contra “o sistema” (seus pais) para formar sua identidade única. É uma combinação bombástica.

Trabalho não é só esforço físico. Salvo algum desastre, você não precisa limpar a bunda do seu adolescente, mas as exigências da criação explodem em complexidade intelectual, e diria que até mesmo social. Adolescentes já perdem uma parte da sua presunção de inocência, e por um bom motivo: por mais que falte experiência de vida, já têm uma série de desejos e motivações adultas borbulhando na mente.

Seu bebê não dá trabalho além de funções fisiológicas básicas e necessidade de afeto. Pode ser algo constante e repetitivo, mas, novamente, é previsível. Aliás, é tão previsível que se você precisar, outro adulto de confiança pode tocar o projeto por algumas horas durante o dia. Historicamente, o ser humano se aproveitou muito dessa coisa de criação em conjunto de bebês e crianças para ganhar tempo. Agora, o adolescente é problema seu.

Quer dizer, no mundo ideal que pintamos aqui. Sabemos que muita gente entrega na mão da mídia e da escola, torcendo para dar certo. Se os pais não colocarem energia na criação do adolescente, ele pode começar a dar trabalho exponencial: seu bebê não vai aparecer com outro bebê, não vai se viciar em drogas, não vai começar a namorar um bandidinho, nem mesmo vai começar a se vestir feito um palhaço e ficar te confrontando.

Trabalho mecânico é uma coisa, trabalho mecânico e intelectual é bem mais. O cérebro não liga se tem músculo envolvido ou não, ele gasta energia e te esgota do mesmo jeito.

Sem contar que ninguém é perfeito: você pode ser uma pessoa esforçada, estudada e racional, mas mesmo assim cometer alguns erros de criação que se tornam muito maiores na adolescência. Com o bebê você está começando, com o adolescente você está vendo o resultado de tudo o que foi feito até ali. Começar projeto todo mundo começa, capacidade de terminar é que são elas.

E talvez o argumento mais pesado aqui: a fase de bebê termina, a fase de adolescente nem sempre. Você sabe que tem um período de esforço para essa primeira fase da vida do filho, e que ele desemboca numa criança um pouco mais independente e capaz de mais troca emocional. Mas, dependendo dos seus erros e/ou de fatores externos que influenciaram mal sua cria, você pode ter um filho adolescente por décadas e décadas.

Não é nem questão de precisar de dinheiro, muita gente pode ter problemas financeiros e pais são uma forma de rede de suporte totalmente válida, o problema é quando a mentalidade de adolescente altamente influenciável, irresponsável e rebelde não se dissipa, e os pais continuam limpando a bunda – agora metafórica – do filho. Um filho adolescente em espírito pode dar todo o trabalho de alguém imaturo e ainda trazer um bebê para os avós cuidarem.

Eu escolhi não ter nenhum desses dois problemas, mas hipoteticamente, eu prefiro a situação mais cansativa fisicamente, mas que seja mais previsível e controlável. Isso é ter menos trabalho. O trabalho mental conta muito, e se tem tanta gente com burnout por aí, é por não prestar atenção nessa questão.

Para dizer que em tese tudo é fácil, para dizer que não existe mundo ideal, ou mesmo para dizer que prefere a fase que pode bater mais: somir@desfavor.com

SALLY

Qual é a idade em que os filhos dão mais trabalho?

Quando são bebês. Além de uma dependência total para tudo, não podem falar, o que dificulta ainda mais atender às suas necessidades.

Não discordo que adolescência seja uma fase difícil, eu mais do que ninguém odeio o jovem e acho que ele tem que acabar. Porém, apesar de insuportáveis, ignorantes e arrogantes, os jovens ainda são capazes de desempenhar algumas atividades básicas sozinhos, como por exemplo, se alimentar, limpar a bunda e dormir. Ao menos eu acredito que a maioria seja.

Um bebê depende de um adulto para tudo e, para piorar, está em uma fase da vida na qual suas demandas são enormes. Se alimenta com um intervalo de poucas horas entre uma refeição e outra e, quando não está comendo, está arrotando (sim, é obrigatório colocar o bebê para arrotar, descobri esta semana) ou está cagando. É muito demandante.

O bebê gera privação de sono, e muitas vezes essa privação dura anos. Ele tem necessidades que batem à porta durante a noite. Tudo nessa vida fica pior com privação de sono, principalmente quando não há uma perspectiva imediata para voltar a dormir bem.

Alimentar um bebê quando ele desmamou não é uma tarefa simples. Nem todos comem com facilidade e mesmo quando o fazem, quase sempre é um processo demorado e com muita sujeira. Basicamente, quando ele acabou de comer, tem que trocar fralda e em pouco tempo começa tudo novamente.

O que nos leva a outro ponto: limpar um bebê também não é uma tarefa simples. Cada troca de fralda é um processo que incluí diversos produtos de higiene que eu não saberia detalhar e, para piorar, cocô e xixi são descompassados, que nem sempre coincidem. E dependendo do estrago, chega a ser necessário dar um banho. Banho no bebê então… é um evento.

E o fato de bebês não falarem só torna tudo mais difícil. Eu se que eventualmente mães mais atentas e empáticas conseguem depreender alguma necessidade básica pelo tipo de choro, mas existem situações nas quais isso não basta. Um bebê que está com dor é um grande ponto de interrogação: cólica? Gases? Refluxo? Infecção? Dor de ouvido? Algum problema mais sério? Não sabemos. E até descobrir, o coitado do bebê vai ficar berrando em nossos ouvidos. Que deleite.

Talvez, em algum ponto do meu texto você tenha pensado “mas isso também acontece com um adolescente”. Adolescentes pode causar privação de sono nos pais, podem fazer sujeira para comer e o banho também pode ser um transtorno, mas… nesse caso, desculpa dizer, mas a responsabilidade é de quem criou. Eu já fui adolescente e nunca sujeitei meus pais a nada disso.

E mais: com adolescente tem diálogo, ou briga, se for o caso. Você pode explicar regras e impor consequências caso essas regras não sejam cumpridas. É tudo questão de ter moral, ter firmeza e se fazer respeitar. Com bebê não, o coitado do bebê não tem qualquer possibilidade de cooperar com você, ele só está tentando se expressar, ter conforto e sobreviver.

Se um adolescente te enche a paciência (novamente: culpa sua), você pode até sair de casa, ir dar uma volta, comer fora ou até viajar. Não se pode virar as costas para um bebê. E nem me limito a sair para espairecer, você simplesmente não pode sair se não levar o bebê junto ou encontrar uma pessoa de confiança para ficar com ele. É trabalho as 24h do dia.

Mesmo quando você decide fazer algo e leva o bebê, seja uma viagem internacional, seja um jantar, é muito difícil curtir a plenitude da experiência, pois bebês demandam atenção quase que integral. Os horários, as necessidades, as demandas do bebê não mudam por estar em outro ambiente. Isso significa que, além do bebê, você vai ter que carregar uma infinidade de coisas e interromper o que quer que esteja fazendo quando ele precisar de você. A coisa toda se assemelha muito a escravidão, mas, na verdade, é pior, pois o bebê ainda te dá muita despesa.

Por mais pentelho que seja um adolescente (mais uma vez: se for mal-educado a culpa é dos pais), com ele existe uma margem de manobra: sai de perto, corta mesada, impõe castigo, dá uma porrada, o que for necessário para que ele não tenha o poder de transtornar a vida daqueles que o cercam. Com um bebê não. Um bebê deve ser assim, demandante, para conseguir sobreviver. Ele está certo, ele está no direito dele.

Eu sei que muita gente ama a fase dos filhos bebês e até sente falta dela depois, quando eles crescem (nada como um ser totalmente dependente de você, que não te julga, não te abandona nem te contraria, não é mesmo?), mas isso não quer dizer que bebê não dê trabalho, quer dizer que estes pais acham que, apesar do trabalho, a alegria que um bebê proporciona compensa.

Além disso, o tempo atenua tudo, inclusive a real dimensão do trabalho que um bebê dá. Por isso, se você quer saber a real, pergunte para quem tem um bebê em casa agora e escute um pouco sobre sua rotina. Não pessoa com babá ou mãe que faz as coisas para ela. Uma mãe que efetivamente seja responsável pela totalidade de tarefas envolvendo um bebê. Converse e escute.

Talvez adolescente dê mais dor de cabeça, aborrecimento ou mais estresse. Mas TRABALHO, o bebê dá mais. Um serzinho que não consegue prover nenhuma das suas necessidades vitais sem a ajuda, que depende da constante vigilância de um adulto para sobreviver por anos, certamente é mais trabalhoso do que um marmanjo chato.

Para dizer que idoso dá mais trabalho, para dizer que cachorro dá mais trabalho ou ainda para dizer que você dá mais trabalho que todos eles juntos: sally@desfavor.com


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